Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 31 de março de 2010

O FIT basta?

Há muito ainda a ser esclarecido. A questão agora é outra: diante de tanta trapalhada, a edição 2010 do FIT basta? Pão e circo? Não pode ser o fim. Sabemos todos que não é bem assim. O mau-trato com o festival internacional de teatro apenas provocou a revolta. A PBH, enfim, parece ter entendido que o FIT está acima da má vontade política de qualquer burocrata de gabinete. No entanto, a cultura em Belo Horizonte não pode se resumir ao FIT 2010. Não dá também para deixar de considerar a importância de Carlos Rocha e Eid Ribeiro para o sucesso do evento, hoje, lei municipal. Os dois artistas, realizadores dos mais importantes do Brasil, não podem ser destratados dessa maneira.

Hoje, no Estado de Minas e no jornal O Tempo, mais páginas de desdobramento. A reportagem do companheiro Sérgio Rodrigo é o que vem a seguir. Logo abaixo, excelente matéria no caderno Magazine, escrita por Soraya Belusi.




Reviravolta no FIT

Por Sérgio Rodrigo Reis

A novela do Festival Internacional de Teatro, Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT) teve mais um capítulo crucial. Na manhã de ontem, depois de os até então curadores do evento, Eid Ribeiro e Richard Santana, distribuírem carta aberta à imprensa colocando os cargos à disposição, houve uma reviravolta na situação e o festival voltou a figurar na programação de 2010. Se tudo ocorrer como anunciado, o evento deverá ocorrer em agosto, numa versão não tão grandiosa como era a intenção original, mas não tão reduzida como alardeavam os pessimistas.

A presidente da Fundação Municipal de Cultura (FMC), Thaïs Pimentel, afirma que voltou atrás da decisão depois de ouvir os envolvidos. “Compreendemos que é possível superar as dificuldades, que sempre existiram e vão continuar existindo no setor público. Quando propusemos o adiamento, estávamos querendo ganhar tempo para superar dificuldades e realizar o evento com mais calma.” O clima agora é de contagem regressiva.

Durante a coletiva em que distribuíram a carta de demissão endereçada à presidente da FMC, os curadores demissionários reconheceram que a situação de dificuldades não é nenhuma novidade. “Sempre tivemos problemas orçamentários e administrativos, mas desta vez foi a gota d’água”, reclamou Eid Ribeiro, que, ao lado de Richard, já havia cumprido a etapa de pré-produção com a escolha de parte dos espetáculos internacionais. Os trabalhos deverão servir de base para o festival deste ano.

Thaïs Pimentel continua sustentando a necessidade da mudança de realização do evento para anos ímpares, por ser “mais confortável e promissora”. “A realização de eleições municipais e outros eventos nas datas pares compromete o calendário oficial da cidade”, salienta. Ainda segundo ela, já existe garantia de recursos para o festival e, a partir de agora, o trabalho é para criar viabilidade técnica e orçamentária para produção do evento. “Nos próximos dias anunciaremos as etapas futuras.” As definições sobre os nomes dos curadores e dos acréscimos à programação internacional, bem como as peças mineiras selecionadas, serão anunciadas oportunamente. A presidente faz questão de ressaltar ainda que o FIT é um evento da cidade, parte integrante da grade cultural do município. “Não tem um dono”, frisa.


Carta aberta

Os curadores demissionários do FIT, Eid Ribeiro e Richard Santana, convocaram a imprensa, na manhã de ontem, para entregar carta aberta endereçada à presidente da Fundação Municipal de Cultura, Thaïs Pimentel, em que colocam os “cargos” à disposição da prefeitura. Os motivos alegados foram, principalmente, atraso nos salários e no repasse de verbas para viagens internacionais e nacionais de seleção das peças. A presidente, que só recebeu a carta no início da tarde, disse que a “questão de atraso de verbas e dificuldades em viagens não pode ser colocada neste nível”.

No documento, os curadores justificaram a atitude extrema alegando que, “por razões éticas e em respeito aos participantes inscritos na seleção”, estavam apenas aguardando concluir esse compromisso para poder esclarecer ao público os reais motivos que levaram ao adiamento da 10º edição do FIT, cuja responsabilidade está sendo atribuída a eles. Explicaram ainda que passaram o primeiro semestre de 2009 sem “salário”, com falta de recursos para viagens e que, no segundo semestre, as verbas para as primeiras viagens saíram, mas foram novamente interrompidas pouco tempo depois. Por fim, alegaram que em janeiro tiveram uma reunião com o diretor geral, Carlos Rocha, solicitando uma resposta institucional, que não veio.

Thaïs Pimentel rebateu as críticas dizendo que, em 10 edições do festival, dificuldades sempre existiram e são naturais ao setor público. “Porém, sempre foram superadas.” Ainda de acordo com a presidente da FMC, não se pode falar em atraso de salários, no caso de profissionais terceirizados, contratados para trabalhos específicos e que não têm vínculo empregatício com o município. “O que vamos fazer de agora em diante é tratar de superar as adversidades e trabalhar na produção”, garante Thaïs.

A decisão de realização do FIT pegou de surpresa um dos personagens cruciais: o diretor geral Carlos Rocha. Nos últimos dias, o diretor anunciou que não participaria de uma versão reduzida, devido ao receio da realização de uma edição “desastrosa”. Ontem, foi procurado pela Fundação para ponderar a decisão. “Pedi 24 horas para pensar e conversar com os envolvidos”, afirmou.
Só o tempo dirá se a decisão da realização da 10ª edição do FIT ficará na história ou será algo para ser esquecido.


Espetáculos e companhias
que podem fazer parte da programação do FIT -2010

Internacionais
Jamais 202 – Generik Vapeur (França)
Carrillon – Kitonb Project (Itália)
ID – Cirque Eloize (Canadá)
Upon reaching the sun – Kibbutz C.
Dance Company (Israel)
Waiting room – Farm in the cave (República Tcheca)
Lote 77 – Producción Independiente (Argentina)
Copacabana – Ponten Pie (Espanha)
Odisea – Teatro de Los Anges (Bolívia)
Mulher asfalto – Mutumbela Gogo (Moçambique)
Controlled falling project – This side up (Austrália)
Fisura 2 – Cia. Gestual de Chile (Chile)
Light touch – Scarabeus (Grã-Bretanha)
Un sogno in red & blue – Faver Teater (Itália)
Mamas – Cia. Planet Pas Net (França)
Woyzeck – Sadari M. Laboratory (Coréia do Sul)
Sonho de uma noite de verão – Yohangza T. Company (Coréia do Sul)
Neva – Teatro en el Blanco (Chile)

Nacionais
Memória da cana – Os fofos em cena (São Paulo)
Balada dos palhaços – Grupo Artes e Fatos (Goiânia)
Dom Quixote – Teatro Que Roda (Goiânia)
In on it – Cia. dos Atores (Rio de Janeiro)

Locais
A relação deverá ser divulgada até o dia 7 de abril.

Estado de Minas - Sérgio Rodrigo Reis - 31/3/10



Prefeitura garante FIT em 2010

Por Soraya Belusi

Em um período de apenas cinco horas, das 10h às 15h de ontem, vários fatos mudaram o rumo da história que se refere à realização da 10ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH).

A manhã de terça-feira começou com entrevista coletiva dos curadores do evento, Eid Ribeiro e Richard Santana, que informaram suas respectivas demissões do cargo. Os dois encaminharam uma carta aberta à presidente da Fundação Municipal de Cultura, Thaís Pimentel.

Diante da demissão de seus companheiros de equipe, Carlos Rocha, coordenador geral do FIT, mais conhecido como Carlão, disse ao Magazine, por volta das 12h, que teria que reavaliar como se daria a produção da edição que aconteceria em 2011, já que profissionais importantes para a realização do festival haviam se desligado- incluindo a diretora de produção, Ana Luiza Bosco, que se demitiu em fevereiro. Mas, três horas depois, a Prefeitura e a FMC anunciaram, em comunicado oficial, a manutenção da edição deste ano do FIT, sendo que Carlão não foi consultado ou sequer informado de tal decisão. Isso quase levou a mais uma baixa na equipe, com a saída de Carlão da coordenação do evento, mas ele voltou atrás em sua decisão após reunir-se com a presidente da FMC na tarde de ontem e disse que irá fazer seu "último exame de consciência" até dar sua resposta definitiva, mais tardar até o início da tarde de hoje.

Segundo Thaís Pimentel, após perceber a reação da classe artística e da sociedade civil diante do adiamento da 10ª edição, ela e o prefeito Marcio Lacerda decidiram rever a decisão anunciada há duas semanas. "O anúncio do adiamento não foi um ato impensado. Mas, diante das reações ao que dissemos, foi necessário avaliar todas as situações que se colocavam. Anunciamos o adiamento achando que seria a melhor atitude, mas, ao fazê-lo, escutamos o retumbar dos tambores, o que nos deixou atentos", justifica a presidente da FMC sobre a mudança de posição da instituição.

"Avaliamos também internamente sobre aquelas questões que a curadoria dizia ser intransponíveis para a realização do evento e chegamos à conclusão de que podem ser superadas. Eles nos falavam que, no entendimento deles, o FIT estaria comprometido. Avaliamos que é possível reverter esse quadro, existe uma pré-produção realizada por eles, que foi fundamental e será uma base para o nosso trabalho. Eles trabalhavam com o que seria desejável, e vamos partir da ideia do possível", diz a presidente da FMC.

Thaís disse ainda que houve um ruído de comunicação com Carlão e que se reuniria com ele no fim da tarde de ontem. Mas que, se a demissão do coordenador do FIT for confirmada, terá que pensar novos nomes para o cargo, assim como para a curadoria. "No serviço público é assim, as pessoas entram e saem", justifica ela, que, ainda assim, garante que a edição deste ano será realizada mesmo que tenha que ser criada uma nova equipe de trabalho. "O único meio que eu tenho como garantia é a minha palavra", diz.

Carlão se reuniu com a diretoria da FMC e com a presidente da Fundação, quando ouviu pedidos para que continuasse no cargo. "Vou conversar com o Roberto (Teixeira, diretor de logística), para saber até que ponto essa missão impossível será possível, quais as companhias tenho para fazer. Sozinho não tem jeito", diz Carlão.

O Tempo - Soraya Belusi - 31/3/10

A cidade se levanta

O escritor e jornalista Jorge Fernando dos Santos, ontem, escreveu:

"Caros amigos,

Bastou o pessoal do teatro pressionar e a comissão do FIT renunciar para que a PBH voltasse atrás e assumisse a realização do festival este ano.

Isso demonstra que a administração atual não está tão certa de suas ações. Atiram a esmo, pra ver se acertam. Se a gente não grita, prevalece o desinteresse pela cultura.

Por isso, penso que se todas as categorias artísticas e culturais se unissem seria possível trazer de volta iniciativa importantes que foram interrompidas pela Fundação Municipal de Cultura, como o FAN, o Arena da Cultura, o BH Cidadania, o CRAV etc. Vale lembrar que vários projetos foram bombados na Lei e no Fundo Municipal de Cultura devido à drástica redução de verbas.

Penso que, em vez de lutar isoladamente, artistas e intelectuais precisam deixar de lado o individualismo, criar um movimento de cidadania e unir forças para defender melhorias na cultura e na educação em nosso município. Qualquer novidade, estou a postos.

Abs.,

Jorge F.:"

Pronto. Voltemos a pensar

"Por favor, Josiel, publica novamente aquele texto maravilhoso de abrilde 2009 sobre o BBB. É inacreditável: milhões de ligações pra esse programinha!?... Como vc disse, é um bando de gente à toa, assistido por um monte de gente que não tem o que fazer. Realmente, é uma sacanagem com o telespectador. Ainda bem que existe a TV Cultura, a TV Brasil, um bom livro pra se ler... Um grande abraço, Lu"

Atendendo a querida leitora Luciane Queiroz, republicamos o texto de 7 de abril de 2009, por ocasião do encerramento da 9ª edição desse tal BBB. A confluência de boçalidades parece não ter mudado tanto assim.


O Big brother acabou. Graças a Deus!

E termina mais uma edição do big mala Brasil. O que é isso!? O maior desserviço da televisão brasileira. Um bando de gente à toa assistido por um monte de gente que não tem o que fazer. Até conheço muito sujeito de bem, moços e moças bacanas, hipnotizados pelo festival de besteira sem fim. Também, fazer o quê? A TV, invasora, entra na casa do cidadão, se instala e fim. Tem que ter muita força para não cair na tentação de ver o que não presta. Não é fácil. Eu sei. Vejo bobagem demais na vida. Mas desse programeco estou imune. Fui libertado por uma namorada, das mais inteligentes que encontrei pelo caminho, viciada nesse tóxico eletrônico.

A moça, fina, elegante e sincera, não perdia nada do assunto. Até pagava canal a cabo para ter 24 horas da substância. Francamente. Na segunda edição, terminamos. Eram conversas intermináveis sobre o tema. "Para falar que é ruim, tem que assistir", esbravejou, sem dó, certa vez comigo. Assisti. Ao lado dela, por duas semanas. Até hoje não a perdoo pelas horas sagradas desperdiçadas. Ô programinha ruim! Ninguém merece. É até sacanagem com o pobre do telespectador. E o Pedro Bial? Coitado! Já foi repórter de prestígio, viajado e coisa e tal. Que triste fim de carreira. É forte candidato ao título de mala do século. Já está pau a pau com o Galvão Bueno.

Nem acredito que gastei dois parágrafos com essa bobagem. Mas vamos lá. Já desabafei, amigo leitor. No fundo, bem no fundo, até respeito se você tem vocação para assistir ao BBB. Ninguém é perfeito. Mas saiba que você tem salvação. Pode crer. Aqui vai a receita: na noite de hoje, no mesmo horário que teria o entorpecente, tome um banho de sal grosso, com cravo e canela. Depois, não use toalha. De olhos fechados, espere toda a água do corpo secar. Enquanto espera, diga para si mesmo: "Eu tenho salvação" eu tenho salvação" eu tenho salvação"" Isso deve durar meia hora, sei lá. A seguir, embrulhe-se num lençol branco, leia capítulo qualquer da Bíblia, faça uma oração para Santa Clara, padroeira da televisão, e durma. Amanhã, tenho certeza, você nunca mais vai pensar nessa bobagem.

E lá se foi mais um parágrafo. Só não é desperdício porque sei que, assim, quem sabe, posso salvar alguma alma perdida. Afinal, oração e sal grosso não fazem mal a ninguém. Além do mais, estou motivado por passageiro que, na noite passada, me alugou os ouvidos em corrida interminável. Sujeito bem-apessoado, especialista em Big brother. Inacreditável. O cidadão nunca perdeu uma edição.

Fã de carteirinha, é capaz de dizer, sem pensar muito, todos os finalistas. Acreditem, não só sabe quem ganhou como o que o premiado fez com o dinheiro. "Fulano comprou uma casa não sei onde; sicrano montou uma academia; beltrano está na pior"" Aquilo foi me dando nos nervos. Tentava mudar de assunto e o maluco não deixava: "Tem também o cara que foi preso e depois morreu. Ah, a outra era casada e, depois da fama (?) fingiu nem conhecer o marido. E o moicano, lembra?"" Não dei conta.

Encerrei a jornada mais cedo e desci a caneta: "O Big brother acabou? Graças a Deus!"

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 31/3/10

terça-feira, 30 de março de 2010

Nota oficial da PBH

"Prefeitura garante a realização do FIT em 2010

O prefeito Márcio Lacerda e a presidente da Fundação Municipal de Cultura, Thaïs Pimentel, decidiram que a 10ª Edição do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua será realizada normalmente, neste ano de 2010. As dificuldades apresentadas serão contornadas, como ocorreu em todas as edições anteriores.

Paralelamente, a Fundação organizará um seminário para discutir e avaliar todas as questões inerentes ao Festival, visando ao fortalecimento cada vez maior do evento. No seminário deverá ser discutida também a possibilidade de realização de nova edição em 2011, promovendo, então, a mudança para anos ímpares, uma vez que a coincidência com eventos como eleições tem dificultado a organização.

A Fundação Municipal de Cultura comunica que todos os esforços serão desenvolvidos para garantir que a 10ª edição do FIT tenha a qualidade que sempre caracterizou o Festival e que tanto encanta a população de Belo Horizonte.
A Fundação divulgará cada etapa do processo de organização do Festival.

Belo Horizonte, 30 de março de 2010"

segunda-feira, 29 de março de 2010

Quando mais é menos

A carência pelo gênero e por realizações de porte em Belo Horizonte faz o musical de Claudia Raia parecer ter saído da Broadway. No fim de semana, com o Palácio das Artes lotado, boa parte da plateia se encantou com os recursos visuais e tecnológicos da peça, que segue turnê pelo Brasil. A caixa cênica com projeções de vídeos e grafismos bem elaborados, boa orquestra e os figurinos luxuosos de Márcio Medina acentuam a grandeza da produção. Contudo, às vezes mais é menos e Pernas pro ar não diz tanto quanto se pretende. A começar por falta de fôlego da dramaturgia para os seus 100 minutos.

Com notada inclinação a buscar algo mais do que pretexto para coreografias, o roteiro perde força no caminhar da hora e se revela frágil em seu desdobramento. A direção de Cacá Carvalho não dá conta de sustentar as deficiências do argumento de Luís Fernando Veríssimo. O texto de Marcelo Saback também se desgasta em duração e não consegue ir além de meia dúzia de bons diálogos e solilóquios. De doer são algumas traduções, sendo a pior delas You can leave yort hat on, composição de Randy Newman, que encerra muito mal a saga em sonho da dona de casa Helô, vivida por Claudia Raia.

No entanto, seria desrespeitoso prender-se apenas aos defeitos de Pernas pro ar. Há que se reconhecer a competência do elenco que a defende. Claudia Raia, polivalente, nos palcos ou na TV, vem construindo carreira de solidez e amplitude. Em Pernas pro ar, a atriz se joga com absoluto desprendimento. Com verve cômica e consciência corporal admiráveis, detém o público e dá vida própria às pernas como se as desmembrasse. Generosa, como poucas de sua estatura, permite que os companheiros também tenham espaço para mostrar serviço. Que o digam Marcos Tumura, Jarbas Homem de Mello e Hellen de Castro.

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 29/3/10

sábado, 27 de março de 2010

Dia de homenagem e reflexão

Em Belo Horizonte, o Dia Mundial do Teatro é marcado com manifestação pelo descaso do poder público com a cultura. Desde o anúncio do cancelamento do Fit 2010, artistas se mobilizam para exigir mais respeito por parte dos burocratas de gabinete. A falta de comprometimento da Fundação Municipal da Cultura com o festival internacional de teatro foi gota d'água pelos abusos dos últimos tempos.

Abaixo, texto em homenagem ao Dia Mundial do Teatro, escrito pelo jornalista Carlos Pinto. Uma oração, que lembra Lorca com "um povo que não ajuda ou não fomenta seu teatro, se não está morto, está moribundo."

Logo a seguir, texto de outro jornalista não menos comprometido com a cultura: João Paulo propõe reflexão que merece conhecimento e repasse. O artigo foi publicado no caderno Pensar, na edição de hoje, do jornal Estado de Minas.




"Dia Mundial do Teatro

Vinte e sete de março é internacionalmente comemorado como o Dia Mundial do Teatro. Retrocedendo no tempo, anterior ao período cristão e que marca o nosso atual calendário, vamos encontrar a Grécia Antiga, palco florescente de todas as artes, em especial a arte cênica. Talvez por falta de um material mais consistente que remonte aos tempos de Téspis, encenador e dramaturgo que se ocupava de uma carroça para concretizar seus espetáculos em praças públicas, de uma cidade para outra, os grandes historiadores do teatro se concentram na tragédia grega como o ponto inicial dessa arte que até hoje sobrevive a todas as guerras e dificuldades.

Para alguns desses historiadores, a tragédia teria nascido de um culto, junto ao altar de algum deus, e que seria uma das maravilhas espirituais do mundo marcando a união de drama e povo, afirmando e fortalecendo a Grécia de então. Para eles, drama tem o significado de ação e, entre todas as ações dramáticas, a tragédia seria a jóia de maior preço. Dificilmente existirá um poeta, um filósofo, um estadista ou um sábio, que não se tenha detido alguma vez, demoradamente, com seu pensamento, analisando a essência da tragédia, porque com certeza sentiu na própria vida os perigos que enfrentou quando, ao se empenhar em grandes tarefas, cruzou com a incerteza, a contingência de uma idéia em que se empenhara.

Sentiram, que não chega aquilo que na terra nos é oferecido como compensação de aflições íntimas. Sentiram muito mais: a divindade que não responde ao suplicante, por que não se pode colocar em palavras aquilo que ela poderia nos responder, já que as palavras não passam de uma invenção humana, e nada mais são do que metáforas. A divindade nos deixa apenas pressentir que existe, quer seja através das palavras elevadas dos fundadores das várias religiões e dos profetas, da linguagem dos poetas e escultores, da música e seus compositores ou do sucesso de um feito concretizado com coragem e amplitude de responsabilidade, ou mesmo, de um fracasso resultante da extravagância e da irresponsabilidade humana.

Tudo isto alimentou a tragédia antiga, a cujo campo pertencem os conflitos entre a moral e a paixão, a lei e o direito natural, a medida e o orgulho, entre o conhecimento e um impulso inconsiderado que nos tenta levar às estrelas. Da hipertrofia do eu, que resultam as exigências que visam o mundo e raras vezes serão satisfeitas. E, de contrários duros e inexoráveis, nasce a tragédia, a flor escura e turva onde as gotas do orvalho são lágrimas de um deus compassivo.

Na decorrência desta criação artística do homem, seguiram-se as várias nuances da arte cênica, desenvolvidas através da comédia grega, do teatro greco-romano, dos mistérios medievais, o drama do renascimento e a comédia dell´arte, o drama pastoril e os dramas populares, o drama shakespeariano, o mimo, a ópera barroca, o teatro popular do barroco, a dramaturgia francesa de Racine, Corneille, Moliére, o drama alemão do iluminismo, a dramaturgia revolucionária do romantismo e do realismo, a dramaturgia burguesa, o drama social, o expressionismo e tantas outras vertentes desta arte que retrata o cotidiano das nações e da raça humana.

Pelo tanto de história, e pelo valor que representa na formação e educação cultural da sociedade, brindemos neste 27 de março a mais um Dia Internacional do Teatro, aproveitando para orar aos nossos governantes no sentido de que, dediquem parte do seu tempo a promover a produção cultural deste país. Como dizia Garcia Lorca, "um povo que não ajuda ou não fomenta seu teatro, se não está morto, está moribundo."

Carlos Pinto, jornalista
Presidente do Instituto Cultural de Artes Cênicas do Estado de São Paulo e Secretário de Cultura de Santos.(24/03/02)






"Crise e comemoração

A área pública da Cultura passou por dois momentos importantes recentemente. De um lado, no âmbito municipal, a crise evidenciada pelo adiamento do Festival Internacional de Teatro (FIT) para o ano que vem; de outro, as celebrações pela inauguração das primeiras unidades do Circuito da Praça da Liberdade, iniciativa do governo do estado. A aparente contradição entre os dois sentimentos – de angústia e regozijo – é apenas superficial. Os dois casos refletem situações que merecem reflexão e debate. A crise do FIT está tendo um encaminhamento popular, o que é positivo, mesmo com a sensação de perda; a festa do Circuito aponta para a necessidade de rever posições e referências, o que é sempre uma atitude ponderada quando se quer avançar.

O caso do FIT, que gerou saudável indignação da classe artística, parece seguir uma lógica que precisa ser mudada na condução das políticas públicas do setor cultural. Desde que o cenário ficou viciado pelo recurso às leis, a área pública passou a exercer um papel ao mesmo tempo de norteador e de financiador direto (por meio de fundos) e indireto (pelo mecanismo de renúncia fiscal). Com isso, criou-se uma dependência que deixou os produtores sempre às margens do sistema, meio pedintes, meio vassalos. Ao lado dessa situação, cabe ainda aos responsáveis pela área pública desenvolver ações que estruturam grandes fatias da cultura, por meio de mostras, seleções e festivais. Nesse campo, o FIT tornou-se o exemplo mais abrangente e reconhecido pela população da cidade.

Realizado de dois em dois anos, desde 1994, ele é uma espécie de índice da preocupação da administração pública com a cultura da cidade. Dois anos é tempo mais que suficiente para se organizar o painel da produção cênica local, nacional e mundial e, em nove edições, o evento foi ganhando operacionalidade até deixar de ser um programa para a cidade para ser um festival da cidade, na melhor tradição democrática e republicana. Com isso, cada temporada é precedida de um rico movimento dos artistas mineiros, que se preparam para concorrer às vagas destinadas às produções locais. Cria-se, dessa forma, uma dinâmica que nivela nosso teatro com o que de melhor o mundo tem a mostrar.

A questão do prazo e da qualidade, por isso, são demonstrativos do empenho da administração. São dois anos para que se prepare uma edição, com um protocolo já conhecido e as exigências burocráticas incontornáveis. Assim, a chamada vontade política, que deve sempre ser traduzida em competência, é o vetor do sucesso ou atraso dos responsáveis pelo FIT. Se uma equipe não dá conta de ser eficiente para cumprir uma pauta tão conhecida e requerida pela sociedade, sua inadequação para ocupar o lugar é uma consequência natural. É só comparar essa prioridade cultural com outras igualmente importantes, como a saúde por exemplo. Não se pode compactuar com a ineficiência. Na cultura, também se adoece e se morre.

Além disso, as justificativas apresentadas pela Fundação Municipal de Cultura não merecem consideração, por se tratar apenas de apontar para um calendário antigo de eleições, torneios esportivos e disputas eleitorais, conhecidas há anos e anos. Algumas hipóteses mais realistas apostam em outros motivos para o adiamento do festival: a desorganização interna para viabilizar a realização do evento; a inexplicável cisão com um projeto que vem de outra administração (sem se levar em conta que se trata de um festival definido em lei municipal, e não de propriedade de partidos ou ocupantes do poder); o desprestígio da cultura na atual gestão, que já interrompeu outros projetos populares, adiou a publicação dos resultados da lei de incentivo e não foi capaz sequer de consertar o telhado do mais importante teatro municipal (o Francisco Nunes).

A reação da categoria começa a retificar a direção quase sempre unilateral na condução da cultura na área pública. A melhor montagem do FIT, que não vai acontecer este ano em sua real dimensão, é o teatro de arena da política. Esse sempre foi o nome do festival: palco e rua. Quanto mais rua, melhor.

Liberdade, liberdade
O Circuito Cultural da Praça da Liberdade, que teve suas primeiras unidades inauguradas recentemente pelo governo do estado, vem recebendo elogios de vários artistas, intelectuais e do público. Em geral, é visto como uma troca justa: sai a estrutura burocrática e administrativa (agora centralizada na Cidade Administrativa – e não, curiosamente, Cidade Política, como se a vocação política manchasse a pólis racional dos negócios públicos) e entra a cultura. A própria liberdade, que dá nome à praça, passa a ser conjugada positivamente: o exercício livre do espírito configurado na cultura. Uma nova Praça da Liberdade: afirmativa, plural e criativa; em lugar da antiga, quando a liberdade era projeto político que intentava transformar liberdade em igualdade (trata-se de dois universais que resumem, no extremo, os ideais da direita e da esquerda, em busca de um equilíbrio dinâmico). Mas essas são firulas das palavras. Melhor mesmo são todas as liberdades.

Mas nem todas as comemorações e bons votos (e o material de propaganda do Circuito tem dezenas deles, das pessoas mais respeitáveis) são suficientes para aprovar por si só o projeto. E é porque se trata de liberdade que vários pontos do Circuito merecem atenção e crítica. Em primeiro lugar, há subjacente ao projeto uma certa ideia de revitalização que não se sustenta. A praça não estava morta. Aliás, era exatamente sua ocupação por parcela do funcionalismo que dava o tipo específico de vitalidade que fez história no lugar: um espaço frequentado por pessoas de várias regiões da cidade, que recebiam cidadãos vindos, igualmente, de diferentes pontos de BH. A praça estava viva.

O segundo aspecto diz respeito à forma de ocupação dos espaços e da concepção de cultura que carrega. Há um predomínio de projetos voltados para o conhecimento (mineralogia, astronomia e história), que respondem mais à vocação epistemológica e memorialística, que criativa e transformadora. Além disso, a organização dos equipamentos privilegiou processos expositivos marcados pelo didatismo, pela construção acabada do saber a partir de certo cânone, pela substituição da aura do objeto real pelo sucedâneo da imagem virtual e da documentação fotográfica. Em vez da arte popular, por exemplo, o visitante vai se deparar com registros dessa produção, em plotagens e computadores. A própria composição da ideia de museu, que supõe acervo, reserva técnica e capacidade de renovação, fica cimentada na formulação enciclopédica das instituições recém-criadas.

Outro aspecto que merece ponderação é de natureza geopolítica. A noção de circuito, concentrada em uma das regiões mais nobres da cidade, poderia – e deveria – ser matizada com outras formas de descentralização. A cidade precisa de cultura em todas as suas extremidades. Seguramente, pela má distribuição de outros equipamentos públicos e falta de interesse do mercado, a região do hipercentro e as periferias são aquelas em que a chegada da cultura teria mais potencial distributivo. Assim, o levantamento das unidades do estado que serão desocupadas com a Cidade Administrativa poderia criar um circuito digno do nome, e não uma concentração que se superpõe às ofertas já existentes, atendendo um público já cativo do mercado cultural.

Além disso, a forma como a proposta chegou até a sociedade não passou por qualquer canal de consulta ou discussão, seja com a classe artística, com setores organizados da cultura ou mesmo com o público interessado. Há uma concepção iluminista e, em certo sentido vertical, que delimita cultura por suas manifestações, define público-alvo por sua pertinência geográfica e estabelece parcerias com a iniciativa privada por critérios não universais. Isso, levando-se em conta que se trata de patrimônio público, que passa a ser gerido por empresas. Com isso, o escopo do programa perde em variedade e pluralismo, sem falar do seguimento de interesses que são próprios das empresas que assumem os novos equipamentos, que possuem sua própria política cultural.

Há, portanto, elementos que precisam ser pensados, de ordem conceitual, geográfica, técnica, política, demográfica e ideológica. Que o setor cultural ganhe o espaço antes dedicado ao coração do poder não dá a ele, pelo visto, o mesmo poder de chegar ao coração das pessoas. A discussão, amparada na inspiração da liberdade que dá nome à praça, é boa e mostra que o setor começa a ganhar a importância que merece".

Estado de Minas - João Paulo - 27/3/10

O cinquentão ordinário

Não havia rabo de saia que não acendesse as chamas do Mário Miguel, gerente de negócios de famoso banco privado. O galã da cabeça prateada atirava para tudo quanto que é cor, tipo de cabelo e tamanho de cintura. Pai de três filhos, criados pelas mães, já havia sido casado cinco vezes e, agora, depois que a namorada o flagrou na cama com outra, gozava de feliz solteirice. Computava 11 casos de nome e telefone. Orgulhava-se ao abrir a conta absurda para os mais chegados: “Só na agência tenho quatro, porque não sou de ferro. Ficam na cola, aí fazer o quê?! Duas vizinhas no meu prédio. A empregada da minha mãe e a enfermeira do meu avô. Essa, uma loucura de 28 ou 29 aninhos, sei lá, que faz uma massagem... Lucilene o nome dela. Um pitel. Safada até, a boazuda. O vovô é que passa bem. E tem duas figuras lá na academia, indecentes, saradonas, que me dão o maior trabalho. E, por último, uma vendedora de um shopping aí. Fui comprar umas cuecas, ela deu mole, caí matando.”

Não era exagero. Quem conhecia bem o Mário Miguel sabia que o sujeito marcava sob pressão. Tanto é que ninguém em sã consciência apresentava a mulher ao pegador. O cinquentão ordinário era chegado nas donas casadas. “São as mais interessantes. Não ficam que nem chicletes. Não aguento mulher grudenta. A lógica é bem simples: o marido tem outras por fora, sempre tem, não procura a patroa em casa, aí eu compareço e fica bom pra todo mundo. Inclusive, tenho certeza, tem marido aos montes por aí que sabe que a dona onça tem outro e acha é bom”, disse certa vez, centro das atenções, em choperia chique da Rua Grão Mogol. Na mesa, nem o mais pilantra dos companheiros de golo concordava com as falas do executivo. Sabia que, além de mulherengo, o Mário Miguel dominava a arte de falar pelos cotovelos.

Subordinada, a turma até gostava de ouvir as aventuras do garanhão. Só o Valdemar, mais velho de banco, não se segurava e, vez por outra, sentava no colo o falastrão: “Sei não, Mário Miguel... Esse negócio de mexer com mulher casada é brincar com fogo. Fique coelho, meu velho. Fique coelho.” Os dois eram velhos conhecidos, dos tempos da Escola de Economia. Valdemar era homem de bem, correto, apaixonado pela mulher e pelos filhos. Casado há 22 anos, jurava jamais ter pulado a cerca. Para o Mário Miguel, motivo de riso, chacota: “O Valdemar é frouxo. Isso sim. Não conhece o bom de ser macho. Vê lá quem dá conta de comer um só prato por toda a vida”, dizia pelas costas do amigo. Mas o Mário Miguel nem dava ouvidos a conselhos como os do Valdemar. Queria era se arranjar. De preferência, com uma novidade por semana.

A estratégia era sempre a mesma: distribuindo cartão com telefone e simpatia. Mário Miguel levava muitos foras, mas, às vezes, se dava bem e, assim, seguia somando sua dezena de casos. Até que, na semana passada, foi morto no portão de entrada da casa do avô entrevado. Assassinado a tiros pelo marido da enfermeira Lucilene. O eletricista, de 38 anos, perdeu o juízo ao descobrir a traição da companheira. No velório, foram muitas as viúvas do cinquentão ordinário. O Valdemar estava lá, para ajudar com o caixão.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 27/3/10

sexta-feira, 26 de março de 2010

Clássico e zombeteiro

É preciso coragem à pena para zombar do amor como fez Bernard Shaw (1856-1950). Simbolista e tragicômico, o escritor irlandês parecia conhecer as mazelas da alma humana. Em Cândida, o mote para chiste é um casamento sólido, ameaçado pelos devaneios de um terceiro, jovem poeta. Muito além do que se levanta simples assombro de infidelidade, a peça compõe eficiente triângulo de contradições. A montagem do Núcleo Experimental de São Paulo, em turnê pelo Brasil, que chega hoje para fim de semana no Teatro Alterosa, apropria-se com competência da sátira romântica de Shaw.

O espetáculo dirigido por Zé Henrique de Paula não é menos corajoso do que o texto do considerado dramaturgo. Alinham-se em atrevimento. Zé Henrique faz desenho abusado de encenação, dando liberdade e dose a mais de graça ao elenco. Sem comprometer de forma alguma ou sobrepor-se ao que há de melhor na dramaturgia, o diretor oferece à plateia irreverência aos borbotões. Já em prólogo, no proscênio, Zé Henrique apresenta suas personagens como peças de tabuleiro, prontas para jogo de humor cruzado e perspicaz. Com encenação ágil, sem barrigas, os móveis são redesenhados e os dois janelões ao fundo revelam iluminação e cenário de suporte e bom gosto para quase duas horas de duração. Os figurinos nada demais, também não são de menos e se ajustam à proposta. A música, discretíssima, atenua a limpeza presente no todo.

Maior que a direção só mesmo o elenco conduzido por ela. O que se vê do terceiro sinal em diante é mostra de capacidades. A trupe de Zé Henrique não maltrata vírgulas do muito texto que detém. A começar por Thiago Ledier, narrador eficiente e assistente indefectível do reverendo Morell. O ator sabe bem como tratar seus parágrafos. Fernanda Maia está impagável no papel da datilógrafa Prosérpina. Comediante clássica, das boas, daquelas que fazem risíveis os pensamentos. Tem química notável com todos os parceiros. Sérgio Mastropasqua, como Morell, reverendo e marido da protagonista –papel mais difícil da trama –, mantém-se crível no trânsito de suas mais variadas verdades e intenções. É tão forte e seguro, quanto fraco e vulnerável.

Thiago Carreira, o garoto-poeta, surpreende. Veste-se muito bem do papel afeminado, sonhador e atrevido que lhe cabe. Diz com beleza seus versos e encara em pé de igualdade a força e a experiência de seus colegas de cena. Bia Seidl, Cândida, sincera e comedida, seduz pelo que é diminuto. Sem sobras, ergue com competência de grande intérprete em papel elegante e encantador. Demonstra domínio de sua construção e faz jogo rico de nuanças e inflexões, ao preencher-se com arroubo e delicadeza. João Bourbonnais, Sr. Burgess, é quem mais se arrisca na empreitada. Quase caricato, o ator faz do palco trapézio de ousadias. No entanto, bufão habilidoso, sobrevive à própria armadilha. Ao lado de Fernanda Maia, tem o público na mão.

Não apenas por texto, direção e elenco Cândida merece audiência. Mas, principalmente, pela realização exemplar de comédia de conteúdo que foge a tudo o que é fácil, raso, ligeiro e preconceituoso – tão comumente visto por aí. Programão para quem busca mais que entretenimento.

Cândida
Teatro Alterosa, Av. Assis Chateaubriand, 499 – Floresta – (31) 3237-611. Hoje e amanhã, às 21h; domingo, às 18h. Ingressos à venda na bilheteria do teatro, que funciona das 12h às 19h30. R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia-entrada para estudantes, menores de 21 anos, maiores de 60 anos e categorias devidamente identificadas). Assinantes do Estado de Minas têm 20% de desconto no valor da inteira. Classificação: 12 anos.

Estado de MInas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 26/3/10

quinta-feira, 25 de março de 2010

E a luta continua

Leiam o que a jornalista Silvana Mascagna escreveu a respeito das trapalhadas da Fundação Municipal de Cultura:


"A resolução de não realizar o FIT este ano vem coroar uma administração capenga da Fundação Municipal de Cultura

Paralisia da cultura em BH

A notícia do adiamento do FIT me entristece e me espanta. Não só porque desde sempre fui uma fã incondicional do festival, mas por acreditar que a resolução de não realizá-lo este ano vem coroar uma administração capenga da Fundação Municipal de Cultura. E isso é detectável no estado de paralisia em que se encontram vários equipamentos culturais da cidade (MAP, Crav, Francisco Nunes) e no fim de vários projetos importantíssimos para Belo Horizonte e que eram referência nacional (como o Bolsa Pampulha). Mas não só.

O próprio anúncio do cancelamento da edição 2010 do Festival Internacional de Teatro de Palco e Rua - FIT BH mostra a falta de tato e sensibilidade dos dirigentes da fundação em lidar com questões de toda ordem. As falas da presidente da Fundação, Thaís Pimentel, na última quinta-feira, quando convocou uma coletiva para dizer que não haveria o FIT este ano, era de alguém que sequer tinha conhecimento do que dizia. Primeiro, ela colocou a culpa na arte ao dizer que o evento não aconteceria por falta de qualidade dos espetáculos - se fôssemos acreditar nessa patacoada era o caso de perguntar como os outros festivais conseguem montar uma programação e nós não? E qual a garantia que essa "crise criativa mundial" iria acabar no ano que vem, já que não houve um cancelamento, mas adiamento para 2011? Depois, segundo a presidente, os culpados eram a Copa do Mundo e as eleições - ora, ora, ora, como foi possível então fazer o FIT todos estes anos, já que desde que foi criado (com exceção de 1997 por conta do aniversário de BH), ele sempre aconteceu em anos pares, o que coincide com eleições? Thaís ainda disse que o adiamento não tinha nada a ver com falta de verba - então por que os salários da equipe que cuida do FIT estão atrasados há meses?

Foi só no dia seguinte que Carlos Rocha, coordenador do FIT, veio a público explicar o imbróglio. E embora tenha esclarecido alguns pontos importantes, ele só fez aumentar em mim a sensação da péssima administração da Fundação Municipal de Cultura. O problema, segundo Carlão, não foi a falta de bons espetáculos - ele não cometeria uma imprudência dessas - , mas o pouco tempo que a comissão teve para viajar e escolher as peças que formariam a programação. As viagens para o exterior e outros Estados que normalmente se iniciam em janeiro, só começaram a ocorrer no meio do ano passado. Isso porque houve um atraso na assinatura do convênio do FIT com uma entidade cultural, que é quem receberia a verba para a realização do evento. Ele mencionou a Copa do Mundo e as eleições - disse que elas realmente atrapalham para captação de patrocínios (para quem????) e que mudar o FIT para anos ímpares é uma antiga reivindidação. Muito bem, os argumentos de Carlão explicam o porquê do adiamento do FIT, mas revelam, escancaram até, um problema de gerência da atual gestão, já que a comissão a que se refere Carlão (formada por ele, Eid Ribeiro e Richard Santana) é bastante experiente na curadoria do FIT.

Além das questões artísticas, culturais e morais, a Fundação terá ainda um problema jurídico a resolver, já que está previsto em lei a realização do FIT de dois em dois anos. E como será que Thaís Pimentel está lidando, no seu íntimo, com isso? Será que ela está preparada para entrar para a história de BH como a pessoa que paralisou a cultura na cidade?"

O Tempo - Silvana Mascagna - 24/3/10

quarta-feira, 24 de março de 2010

'A classe se levanta' repercute

"Mano blogueiro,

ao longo do tempo a organização política das classes artísticas se perdeu. Os sindicatos de jornalistas, de músicos, de artistas plásticos, de teatro deixaram de atuar em profundidade na formulação de políticas. Foi através da organização desses órgãos representativos que ao longo dos anos 1970/80 fez-se a redemocratização do país, conquistamos o ministério da cultura, a secretaria de estado da cultura, a secretaria municipal de cultura, conselhos consultivos e luta pelos conselhos deliberativos nos órgão públicos de cultura, acordos com o governo para que propaganda pública fosse feita por agências de publicidade mineiras e por artistas e profissionais de Minas, a implementação das leis de incentivo federal, estaduais, municipais, inúmeros teatros novos, grupos e empresas profissionais, escolas técnicas e superiores, publicações diversas, projetos como as Campánhas de Popularização, interiorização cultural abrangendo vastas regiões do estado,ampliadas possibilidades de trabalho e de acesso ao bem cultural e artístico.
Estas conquistas tiveram, no entanto, seu lado ruim.
Infelizmente.

O sentido de coletivo que havia e que possibilitou todas estas conquistas se perdeu.
Foi perdido em função de um olhar mercadológico onde os artistas, mesmo sem perceber, escolheram caminhos de puro individualismo que é a doença da individualidade. Os órgãos representativos foram abandonados, perderam força e credibilidade. Então surgiram grupamentos que lutam entre si (teatro de grupo x teatro empresarial, por exemplo, de tristes e vexatórios embates), cada qual querendo mesmo puxar as sardinhas de alguns benefícios conquistados para seu próprio proveito.

O poder público viu-se então à vontade para, diante da cisão, fazer o que diziam e hão de dizer sempre os "cabeças de planilha", administradores que olham os números e o débito/crédito sem levarem em conta que o retorno cultural é um bem inestimável em si, diverso e incompatível com o retorno fianceiro.

Onde a representação das categorias dentro desses órgãos? Tivesem representados lá, com poder de voz que fosse, não teria sido desmontada a SMC, o Arena da Cultura, o próprio FIT aconteceria de maneira diversa.

Tivessem as categorias força de representação, vontade representativa, isto não teria acontecido.

Por que, pois, protestar contra a ausência do evento agora, se o importante é que dentro do FIT, da Fundação, houvesse representação das categorias envolvidas? Representantes indicados pela categoria?

Mas não, o próprio FIT, sua estrutura, deixou de se referir às categorias.
Refere-se aos interesses dos "cabeças de planilha" do governo.

O FIT é distante, intocável e por isso anti-democrático em sua estrutura e gestão.
Sua estrutura é estrutura que não reflete o ambiente democrático.
Se fosse um estrutura democrática não teria suas ações manipuladas.

E quem aceita dirigir o FIT, ainda que oriundo da categoria artística, passa a responder ao poder dos "cabeças de planilha" que promofem seus "choques de gestão" à socapa.

Aceita e exercita-se nos meandros do populismo que tem raízes fincadas fundo em nossa cultura de apadrinhamentos.

Penso que a luta das categorias deve se fazer não em protestos pelo FIT adiado, mas por exigência de participação efetiva na gestão pública da arte e da cultura.
Vejo, assim, o adiamento do FIT, como oportunidade de redirecionar ações para algo que suplante a mesquinharia de um capitalismo que repete entre pares a nefasta guerra fiscal que presenciamos entre estados e municípios. E mais, vejo estes protestos, em sua essência, não como boa manifestação popular, mas como testemunho claro da falta de organização das classes artísticas.

Abraço, mano".

A classe se levanta (2)

(Movimento na web que vem ganhando força entre os artistas)



DIA 27 DE MARÇO DIA MUNDIAL DO TEATRO
DIA NACIONAL DO CIRCO


MANIFESTAÇÃO

CONTRA O DESCASO COM A CULTURA

No dia 27 de março, dia mundial do teatro e dia nacional do circo não temos muito o que comemorar. Muitos são os ataques aos direitos dos artistas e da população. Em Belo Horizonte, recentemente, vimos parte dos recursos do fundo municipal de cultura serem cortados, a proibição de uso do espaço publico, a praça da estação que é também um bem cultural publico da cidade e que infelizmente é visto como um espaço privado. Isso se deu também com o FIT-BH – Festival Internacional de Teatro de Palco e Rua de BH. Na quinta-feira 18 de março numa coletiva com a imprensa a Fundação Municipal de Cultura anunciou o CANCELAMENTO do festival, alegando os motivos mais absurdo, dentre eles: A copa do mundo, eleições 2010 e uma crise criativa mundial que determinou a falta de espetáculos de qualidade para a realização do festival. Na manhã do dia seguinte (sexta-feira 19 de março) aproximadamente 200 artistas foram para a porta da fundação em uma manifestação exigindo um debate franco sobre o acontecido, pois o FIT-BH é também um patrimônio cultural da cidade garantido em lei (lei nº 9517, de 31 de janeiro de 2008). Como resultado à manifestação, foi recebido uma comissão com seis representantes da categoria para uma reunião e a FMC recuou na decisão, garantindo estudar a possibilidade de realização de um FIT menor. Entendemos isso como um primeiro passo para conquistas dos artistas, pois foi resultado da mobilização da pressão popular em um momento em que a atual administração dessa Fundação é marcada pela falta de dialogo e autoritarismo, o que vem resultando em decisões equivocadas sem a consulta previa da categoria.

Entendendo a importância da mobilização dos artistas e sociedade e que também devemos avançar para termos melhores conquistas. Propomos uma manifestação no dia 27 de março, a fim de denunciar todo o descaso com a cultura, exigir a realização do FIT-BH, melhores condições de trabalho para os artistas e de acesso para a população. Contra toda forma de mercantilização da cultura.



DIVULGUE, PARTICIPE, AJUDE A CONSTRUIR ESSE ATO!


DIA DA MANIFESTAÇÃO
27 DE MARÇO (SABADO)



● CONCENTRAÇÃO NA PRAÇA DA ESTAÇÃO A PARTIR DAS 13H
● PASSEATA ATÉ A PREFEITURA MUNICIPAL DE BELO HORIZONTE – SAIDA AS 15H.



ABAIXO MANIFESTO CONTRA A GESTÃO AUTORITÁRIA
NA CULTURA DE BELO HORIZONTE


No próximo dia 27 de março deveríamos comemorar o dia internacional do teatro, mas neste ano a data não é merecedora de celebração festiva. Afirmamos isso com total certeza frente ao momento crítico no âmbito da gestão pública da cultura que vive a capital mineira.

Após acompanharmos a extinção espúria e na “calada da noite” da Secretaria Municipal de Cultura em 2004, vimos surgir uma Fundação Cultural inóspita, inoperante e, mais recentemente, com uma administração autoritária. O esvaziamento conceitual e a irresponsabilidade política dessa gestão chegaram a tal ponto que programas estruturantes e bem sucedidos como o Arena da Cultura e o BH Cidadania foram repentinamente suspensos. Quando imaginávamos que a situação não poderia ser pior, fomos afrontados com uma súbita mudança no orçamento da Lei Municipal de 2009 e o conseqüente atraso na divulgação de seu resultado. Não obstante tudo isso, o resultado divulgado é incoerente com a regulamentação da lei: o Fundo Municipal não recebeu os sessenta por cento de recursos garantidos pelo edital. Continuando a seqüência de leviandades, recebemos o comunicado do cancelamento da 10ª edição do Festival Internacional de Teatro a cinco meses de sua realização, acompanhado de justificativas inconsistentes e que desconsideram a importância do evento já garantido por lei. O mesmo despotismo que levou o prefeito Márcio Lacerda a proibir manifestações artísticas na Praça da Estação se reflete na atual administração da Fundação de Cultura.

O desrespeito com os artistas e trabalhadores da Cultura da cidade, sem a menor preocupação com a repercussão que tais fatos podem ter no trabalho e na sustentabilidade desse segmento, é recorrente nesta gestão. Não há mais como ficarmos calados e imóveis! Convocamos todos aqueles envolvidos com a Cultura da capital mineira, sejam profissionais da área e sociedade em geral, que distribuam esse manifesto pelo país.

Em favor do casal Hay

Alan e Fiona Hay estão proibidos de fazer sexo entre 22h e 7h

Parece piada mas não é, amigo leitor. Aconteceu no Reino Unido e ganhou destaque em jornais e sites de notícias de todo o mundo. Em algumas rodas da praça não se fala em outra coisa. O casal Alan e Fiona Hay está impedido pela polícia de fazer sexo em casa, no lugarejo em que moram na Escócia, entre 22h e 7h. Os vizinhos decidiram reclamar na delegacia e cortar o barato dos dois enamorados com a alegação de que eles fazem barulho demais. Inacreditável, não!? O Oswaldo está inconformado. O Lucílio também. Não entendem o absurdo da decisão dos homens da lei daquele lugar. “Isso é inveja! – palpitou o Oswaldo – Vai ver esses vizinhos não são chegados num aconchego”.

A repercussão da notícia também veio por e-mail, lá do Bairro Planalto, assinado pela gentil leitora Maria José. Diz assim: “Coitado desse moço estrangeiro. Ele disse que suas sessões de amor duram entre cinco e seis minutos apenas. Li também que ele é asmático e sofre de epilepsia. Pobre sujeito. Não pode nem curtir a mulher em paz. A Fiona Hay está indignada. Disse que sexo e televisão são os únicos divertimentos da família. Vê se pode, Josiel. Pois aqui em casa, no meu prédio, não tem disso. A gente se diverte mesmo. Às vezes a gente até deixa a janela aberta para levar um pouco de inspiração para a vizinhança. Em seis anos ninguém nunca reclamou. Publica o meu e-mail aí no Aqui. Beijo da Maria José”.

Está publicado, Maria José. Felicidades aí com o maridão. Violeta e eu já conversamos até sobre o caso do casal Hay. Lembramo-nos de dois namorados vizinhos em Santa Efigênia. Amavam-se com hora marcada. Impressionante. Dia sim, dia não, entre 6h30 e 6h45 ninguém mais dormia nas redondezas da Rua Euclásio. Uma loucura. Um dia, o moço – que era meu vizinho de fundos –, funcionário público, tomou-me o táxi e puxou o assunto. Perguntou-me se na minha casa a gente também se incomodava, já que estava correndo abaixo-assinado no seu prédio. Contou-me que estava para mudar dalí de tanto aborrecimento. Afirmou também que a mulher não abria mão da liberdade no leito. Pouco tempo depois, de fato, mudaram-se.

Luzia, nossa amiga de carteado, achou graça até no bafafá escocês. “Gente, não dá para reclamar disso. Acho que é até estimulante. Toda vez que ouço os vizinhos na intimidade me dá um troço que nem sei bem explicar o que é. Aí, o Roberto é que tem que dar conta do meu alvoroço. Mas, ultimamente, o pessoal lá do Conjunto Califórnia tem andado meio devagar. Já faz quase ano que o que reina lá é um silêncio de morte. Escreve isso aí, Josiel. Sei que você vai querer colocar na sua coluna mesmo”. Dizendo isso, encerrou o assunto com uma gargalhada que é só dela.

Bom, é isso. Atendendo a pedidos, nosso quintal de hoje é em favor de todos que, assim como o casal Alan e Fiona Hay, gostam de, vez por outra, fazer soar bem alto o amor.


Bandeira Dois - Josiel Botelho - 24/3/10

sábado, 20 de março de 2010

A cidade que me espanta

A BH que eu amo tem o povo mais alegre de que já se teve notícia. A cidade que me espanta tem burocratas que me ferram a alegria. A BH que eu amo tem o maior evento de popularização do teatro e da dança do país. A cidade que me espanta tem a arrogância de grupo de cabeça miúda que insiste em minar o evento. A BH que eu amo tem frota de táxi de fazer inveja a qualquer grande metrópole do mundo. A cidade que me espanta tem elementos do mal que atacam taxistas. A BH que eu amo é bela e feminina. Já a cidade que me espanta tem maníaco que estupra e mata nossas meninas.

A cidade que eu amo tem duas das maiores forças do futebol brasileiro. A cidade que me espanta tem torcedor que só quer arranjar confusão. A cidade que eu amo tem bons profissionais para tudo o que é área e serviço. Na cidade que me espanta falta respeito, emprego e oportunidade. A BH que eu amo tem professores que, embora ganhem muito mal, amam ensinar. A cidade que me espanta tem alunos que ameaçam seus mestres. A BH que eu amo tem excelentes atores e técnicos de cinema e de televisão. A cidade que me espanta parece não querer saber disso. A BH que eu amo tem vias rápidas, grandiosas, que desafogam o trânsito. A cidade que me espanta não comporta a quantidade de veículos que nela trafega.

A BH que eu amo tem bons motoristas. A cidade que me espanta tem péssimos motoristas. A BH que eu amo tem parques, cinemas, cafés e livrarias. A cidade que me espanta só tem botecos e botequins. Da BH que eu amo vejo montanhas e serras. Da cidade que me espanta não dá para ver o que estão fazendo com elas. A BH que eu amo tem a Praça da Estação. A cidade que me espanta não tem a Praça da Estação. Na BH que eu amo tem gente de muita fé. Na cidade que me espanta está assim de picaretas de gravata que usam o nome de Jesus. A BH que eu amo tem o Frei Cláudio. Na cidade que me espanta... cadê o Frei Cláudio?

Na BH que eu amo tem rodoviária e aeroporto para a gente chegar. Na cidade que me espanta tem ônibus e avião para a gente ir embora. Na BH que eu amo tem sujeito público que faz sem prometer. Na cidade que me espanta tem quem só diz que vai fazer. Na BH que eu amo o que se planta nasce. Na cidade que me espanta não adianta nem tentar. Na BH que eu amo tem orquestra, concerto e ópera. Na cidade que me espanta os músicos não conseguem pagar suas contas. A BH que eu amo tem pais e filhos que se amam. Já na cidade que me espanta tem famílias inteiras que não se entendem. Na BH que eu amo os homens sonham. Já na cidade que me espanta mal consigo dormir.

Alguém sabe para onde vai o próximo trem?

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 20/3/10

(Na foto, a Praça da Estação, por Elmo Alves)

A classe se levanta

"Belo Horizonte, 19 de março de 2010.

MANIFESTO CONTRA A GESTÃO AUTORITÁRIA
NA CULTURA DE BELO HORIZONTE

No próximo dia 27 de março deveríamos comemorar o dia internacional do teatro, mas neste ano a data não é merecedora de celebração festiva. Afirmamos isso com total certeza frente ao momento crítico no âmbito da gestão pública da cultura que vive a capital mineira.

Após acompanharmos a extinção espúria e na “calada da noite” da Secretaria Municipal de Cultura em 2004, vimos surgir uma Fundação Cultural inóspita, inoperante e, mais recentemente, com uma administração autoritária. O esvaziamento conceitual e a irresponsabilidade política dessa gestão chegaram a tal ponto que programas estruturantes e bem sucedidos como o Arena da Cultura e o BH Cidadania foram repentinamente suspensos. Quando imaginávamos que a situação não poderia ser pior, fomos afrontados com uma súbita mudança no orçamento da Lei Municipal de 2009 e o conseqüente atraso na divulgação de seu resultado. Não obstante tudo isso, o resultado divulgado é incoerente com a regulamentação da lei: o Fundo Municipal não recebeu os sessenta por cento de recursos garantidos pelo edital. Continuando a seqüência de leviandades, recebemos o comunicado do cancelamento da 10ª edição do Festival Internacional de Teatro a cinco meses de sua realização, acompanhado de justificativas inconsistentes e que desconsideram a importância do evento já garantido por lei. O mesmo despotismo que levou o prefeito Márcio Lacerda a proibir manifestações artísticas na Praça da Estação se reflete na atual administração da Fundação de Cultura.

O desrespeito com os artistas e trabalhadores da Cultura da cidade, sem a menor preocupação com a repercussão que tais fatos podem ter no trabalho e na sustentabilidade desse segmento, é recorrente nesta gestão. Não há mais como ficarmos calados e imóveis! Convocamos todos aqueles envolvidos com a Cultura da capital mineira, sejam profissionais da área ou cidadãos conscientes, que distribuam esse manifesto pelo país. Por outro lado, nós, abaixo assinados, exigimos que a Presidente da Fundação Municipal de Cultura, Sra. Thaís Pimentel, receba representantes de nossa categoria para um debate franco, democrático e transparente, que estabeleça novos paradigmas para a política cultural do município".

sexta-feira, 19 de março de 2010

De novo: e agora Márcio Lacerda?

Que papelão, sr. prefeito. Um tiro no pé, companheiro.

O que diz Arnaldo Godoy

"Sobre o cancelamento do FIT-BH

O cancelamento do FIT-BH, anunciando pela Fundação Municipal de Cultura (FMC) é mais um equívoco dos tantos cometidos nas políticas públicas de cultura do município: devolução de recursos ao MinC, baixa execução orçamentária no ano passado (50%), nomeação de uma pequena parcelas dos aprovados no concurso da FMC, funcionamento precário dos centros culturais, dentre outros.

Considero, também, inaceitáveis os argumentos apresentados pela FMC para cancelar um evento que, desde a gestão Patrus Ananias, projeta Belo Horizonte no cenário nacional e internacional da cultura. Dizer que não há grupos com qualidade suficiente para preencher a grade de programação, além de absurdo, é uma ofensa à produção cultural da cidade e do país. Vale citar que o grupo Galpão, neste momento, abre o Festival de Curitiba, do qual participam outros grupos mineiros. A alegação, também, de que o ano eleitoral e de Copa do Mundo inviabiliza sua realização não procede, já que ao longo destes 14 anos de existência do FIT-BH essa coincidência ocorreu várias vezes.

Por fim, quero destacar que o orçamento aprovado para o ano de 2010, e que contou com emenda de minha autoria, reserva um montante superior a R$ 7 milhões. Portanto, neste ano, temos as condições ideais para realizar a melhor edição do festival.

Penso que precisamos nos manifestar e, principalmente, repudiar a alegação da falta de qualidade na produção artística de nossa BH,

Um abraço

Vereador Arnaldo Godoy (PT-BH)"

A análise do descaso da PBH

Deu no Estado de Minas. Leiam o que escreveu Marcello Castilho Avellar sobre os pés pelas mãos dos burocratas da administração pública em Belo Horizonte:


"Nenhum justificativa, seja inspirada em racionalidade econômica ou política, seja fundada em motivos culturais, será capaz de legitimar o cancelamento do FIT 2010 ou seu adiamento para 2011. O mais importante evento do calendário cênico de Minas Gerais é pedra fundamental nos processos de formação de nosso público, artistas e ideias. Atraso de um ano em sua realização representa, então, adiamento de um ano no nascimento de novas formas, novos espectadores, novos pensamentos. É Belo Horizonte ficando para trás no que se refere ao teatro e a províncias fronteiriças a ele.

Mais surpreendente é a maneira como a notícia foi dada, de supetão, sem qualquer debate prévio fora das esferas administrativas. Em qualquer lugar civilizado, o cancelamento de um evento deste porte só seria possível depois de longo debate com todos os interessados – classe artística e comunidade. E ocorreria pela necessidade de transformações radicais nos próprios eventos, demandadas pelos interessados, e não pelos administradores dos próprios ou as autoridades do poder público que os mantêm. Na maneira como foi apresentado, o cancelamento do FIT traz de volta o desconforto do autoritarismo, da decisão de gabinete, da administração regida pela burocracia, na contramão de uma política mais participativa que vinha marcando a vida cultural de Belo Horizonte.

A Prefeitura e a Fundação Municipal de Cultura tiveram mais de um ano para adequar a versão 2010 do FIT a suas políticas culturais. Não tiveram empenho para fazer isso. Em outras cidades – novamente, a referência são comunidades menos provincianas do mundo –, um anúncio como o de ontem levaria, no mínimo, ao pedido de demissão de toda a cúpula da política cultural local. Aqui, poderia levar pelo menos a um debate útil: de quem são os festivais. O poder público costuma tratá-los como se fossem seus, mesmo quando está disposto a gastar o mínimo possível com eles. Não são. Os festivais pertencem à comunidade, que os sustenta não apenas com os impostos que os patrocinam, mas também com a participação em massa, aos milhares.

O pior é que a medida vem na esteira de outras, igualmente danosas à democratização da cultura, como a proibição de eventos na Praça da Estação. É a comunidade que foi traída pela decisão de cancelar o FIT. E é em nome dela que deveria se pensar em nova estrutura administrativa para o evento, estrutura independente, capaz de realizá-lo mesmo contra a vontade do poder público, quando este renega seu compromisso com a cultura".

(Caderno EM Cultura - Estado de Minas - 19/3/10)

E agora Márcio Lacerda?

O que está ocorrendo com a Cultura em Belo Horizonte é inacreditável. A proibição de eventos de qualquer natureza na Praça da Estação; os cortes nas verbas de incentivo; o trato com os teatros públicos e o descaso com a população e com a classe artística ao anunciar em coletiva de araque o cancelamento do FIT 2010 são evidências vexatórias da administração burra que assola a prefeitura. Até quando? É a pergunta que ecoa. Todos à porta da Fundação (Rua Sapucaí, 571 - Floresta), às 10h, desta sexta-feira.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Instalação



Figurino de Ana Cândida Aguiar Cardoso, inspirado em "À margem da vida". A leitura da atriz e designer deu à obra de Tennessee Williams roupagem de especial transparência e sensibilidade. Um novo nome também: "Memórias de vidro". Aqui, um pequeno vídeo para quem perdeu a instalação.

Moisés, o velho Botelho e o Mar Vermelho

O velho Botelho, lá do Espírito Santo, enviou-me carta das mais belas de pai para filho. Impressiona-me cada vez mais a cabeça prateada daquele homem do mar. Aposentado e em muito boa companhia ao lado da gentil Maria Helena, o sujeito, ao que tudo indica, vem fazendo muito bom uso do tempo livre para aproveitar a vida. Disse-me que está escrevendo um livro de memórias. Mas não quer publicá-lo. Quer apenas presentear-me com algumas passagens de seu passado. “É um livro de único exemplar, meu filho. É para você”, escreveu.

Só o velho Botelho. Anda motivado e muito entusiasmado com o novo amor. Letrada e generosa, a parceira vem colocando a maior pilha nas ideias do moço. Estou cada dia mais convencido daquela tal lei da atração. Meu pai sempre disse que só voltaria a viver ao lado de uma mulher se ela fosse capaz de despertar nele o desejo de ser uma pessoa melhor a cada dia. Tanto falou nisso que acabou conseguindo. Demorou, mas conseguiu. Três décadas, mais ou menos. Quando conversávamos sobre o assunto, ele encerrava o papo assim: “Não tenho pressa. Posso esperar”.

Sabe, amigo leitor, enche-me de alegria o pai que tenho. O sujeito também foi boa mãe. Educador à moda antiga: linha-dura quando preciso, mas capaz de entoar canções de ninar. Ensinou-me muitas lições. Com ele aprendi a honrar o fio do bigode. Mostrou-me também, desde cedo, a diferença entre compromisso e comprometimento. “Compromissado qualquer um pode ser. Já comprometido – diz ele – é para poucos”. Exemplar, sempre com motivos de sobra para entregar os pontos, soube fazer dos obstáculos escada para dar a volta por cima. Faz-me pensar – e todos os dias penso nisso – que todos nós, no fundo, no fundo temos a vida que construímos.

Na carta, que tenho nas mãos agora, ele também fala sobre fé. Lembra-me que Moisés liderou seu povo a entrar nas águas com o mar ainda fechado. “Foi a fé, já com as águas no pescoço, que fez com que o oceano se abrisse. Ele não avançou apenas quando tudo parecia seguro. Acreditou. Muitas vezes, por falta de fé, passamos a vida à espera de que o mar se abra. Sigamos em frente, acreditando, pois só assim, um a um, os caminhos vão se abrir, meu filho”, encerrou o bom parágrafo de aconselhamento.

Violeta e eu passamos a tarde de domingo estudando o texto do velho. Havia recado para todos nós nas três folhas (frente e verso) preenchidas à mão. Há tempos não conversamos sobre o futuro e, ainda assim, ele parece saber bem de tudo o que há em meu coração. A sensação que tenho é de que, quase sempre, ele é capaz de sentir o que sinto. Por diversas vezes – outro dia mesmo isso ocorreu –, tenho que tomar uma decisão difícil sobre algo sério ou importante, o celular toca e ouço a voz rouca do velho: “Liguei só para saber se você está precisando de alguma coisa, meu filho”.

Falam muito sobre as mães. Hoje, queria apenas falar sobre um bom pai.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 17/3/10

sábado, 13 de março de 2010

JackDaniels e Muleka42 (final)

Depois de mandar ver mais um poema de André Di Bernardi, JackDaniels bambeou as pernas da professora Maria Helena – ali, na sala de bate-papo virtual, conhecida como Muleka42. O piloto de avião – como se diz – foi mais longe e, sincero, ao pedir desculpas pelo bolo da tarde, na quebrada em Macacos, abriu o coração como poucos dão conta de fazer:

“Sei que vc deve tá chateada comigo. Não tiro-lhe a razão. Coisa feia combinar e não comparecer. Mas quero que saiba que foi por amor. Não desses de mentira que muitos dizem ou escrevem fácil por aí. Falo do amor que está acima da brasa breve dos quadris. Daquele que faz a gente passar uma vida inteira ao lado de alguém sem nem se preocupar em saber como ou porque”. Muleka42 permaneceu estática, sem interromper o sujeito, apenas com o olhar fixo na tela do notebook, atenta ao que ele escrevia:

“Sou casado, vc sabe. Hoje, domingo, quando deixei minha mulher em casa, dizendo que ia trabalhar, sei lá, não sei bem explicar, bateu um arrependimento enorme de ter marcado o encontro com vc. Não trocamos telefone. Dei o meu e-mail para vc, mas fiquei sem o seu. Não tive como avisar. Até pensei em comparecer e dizer isso pessoalmente. Tive medo de não dar conta. A carne é fraca e na carência, vc sabe, a gente acaba perdendo a cabeça. Vc, Muleka, me parece ser do tipo da mulher pra toda a vida. Conversamos duas horas, talvez nem isso, mas senti-me profundamente envolvido com você. Não me leve a mal, moça. Seja feliz. É o que desejo a vc. Hoje, véspera do meu aniversário de casamento, passo a viver meu amor sem escalas. Estou decidido a fazer de tudo para resgatar a minha companheira. Seja feliz”.

Maria Helena já não estava mais on-line para ler a última linha do cidadão honesto. Na altura daquele ajuntamento das letras, ela já havia invadido o escritório do Leopoldo, no barracão dos fundos. Com o coração às cambalhotas, a professora arrancou o marido da frente do monitor pelos colarinhos e beijou-lhe o beijo mais molhado de toda a vida. Arrancou-lhe a roupa com habilidade de profissional e deu-lhe sobre a mesa de vidro a chave indecente do corpo em segredo. Ensandecidos, os quarentões se amaram com o atrevimento dos moleques. Nem de longe lembravam o casal preguiçoso e sem sal da noite passada. Esquadrinharam-se gulosos como da primeira vez, num acampamento batista na Serra do Cipó.

Embolados no chão, acabados em suor, nem deram confiança para o computador ligado, ladeado por uma garrafa de uísque vazia e pelo livro aberto do poeta Di Bernardi.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 13/3/10

quarta-feira, 10 de março de 2010

A resposta do Lilico

Sobre o texto “O estudo para a vida”, publicado em Bandeira Dois na semana passada, o Lilico – amigo citado – escreveu:

“Josiel,
Com a ajuda da minha filha, Clarinha, que vai muito bem na escola, respondo à sua coluna, na qual você me citou. Sou mesmo mal-humorado, Josiel, e também falo pelos cotovelos, como você disse. É herança do meu avô, que nunca foi pessoa de meias palavras e que sempre falou tudo que pensava sobre qualquer coisa. Acho que devo desculpas a você por ter ligado o ventilador na sua farofa, porque você está muito empolgado por ter voltado a estudar e a gente tem que entender isso. Não tinha pensado nisso dessa forma. A Clarinha, que gosta muito do jornal Aqui e lê toda semana a sua coluna, foi quem me chamou a atenção para isso. Estava meio bravo com a citação e ela disse que você tinha razão e que eu era chato pra burro. Aí, pensei melhor e cheguei à conclusão de que eu peguei pesado com você lá na casa do Oswaldo. Peço que você publique o meu pedido de desculpas lá no Aqui, mas quero que você publique outra coisa também. Pode dizer com as suas palavras se o meu jeito não ficar muito bom.

É que não soube dizer muito bem e aí fui grosseiro com você, mas, na verdade, eu penso aquilo mesmo. Ninguém gosta de dar oportunidades para quem já está mais velho. Tenho um monte de amigos, e você também tem, que eu sei, que passa até necessidade porque não tem emprego. Serviço a gente sabe que tem, mas emprego tá acabando. E a quantidade de concurso que só aceita quem tem menos de 30, 35 anos? A situação não é nada boa para quem já subiu a ladeira, Josiel. É isso que eu quis dizer quando falei que o mercado não quer saber da gente. Sei que o estudo é para a vida. Mas a situação não é fácil para quem já devia ter estudado quando era mais jovem. Na minha casa, dos meus nove irmãos, só a Teresa conseguiu estudar. E só porque o Roberto, marido dela, ajudou que ela é professora. Não é fácil voltar pra escola e por isso que estou escrevendo pra você. Parabéns e não me leve a mal. Aproveito para convidar você e a Violeta para comerem um franguinho com quiabo lá em casa no domingo. Lilico”.

Que tapa de luva, hein, Lilico!? Pois é. Aí, amigo leitor, depois de um e-mail desse, com um convite assim, não tive outra opção senão aceitar. Selamos a paz lá no Bairro União. O almoço feito pela Angélica, patroa do Lilico, estava sensacional. Violeta levou a sobremesa. Uma receita de um doce muito sofisticado que ela aprendeu na revista. O casal anfitrião, muito bom no carteado, fez a festa em cima da gente. No cair da tarde, as duas patroas pareciam amigas de longa data. Conversaram muito enquanto o Lilico me mostrava retratos de família e o desenho da reforma que ele vai começar na semana que vem. A Clarinha estava lá, feliz da vida com o encontro de paz entre amigos. Na segunda-feira, da boca do próprio Lilico, soube que tudo tinha sido ideia da Clarinha: o e-mail, o almoço e tudo. E que ele só teve o trabalho de assinar embaixo. Um beijo, mocinha. E que Deus ilumine ainda mais esses 9 anos de vida. Por tudo, obrigado!

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 10/3/10

sábado, 6 de março de 2010

Vida Bandida segue firme rumo à TV



Não é fácil. Só quem trabalha duro para somar sabe. Mas, enfim, esta semana o piloto de Vida Bandida deve deixar a ilha. São passos um por vez. Aos amigos agregados, peço um pouco mais de paciência. Abatidos, só no ar em pleno voo. Jamais dormindo. Se não por um caminho, por outro certamente.

www.jeffersondafonseca.blogspot.com/2009/07/natasha.html

JackDaniels e Muleka42 (4)


Dentro do fuscão branco, tatuada, a mulher da foto. Os três se olharam e entenderam a confusão. Maria Helena quis ter certeza do engano: “JackDaniels?”, perguntou. “Não... JohnnieWalker”, respondeu o bigode, que emendou: “Mas a gente já tá aqui… quem sabe um programa a três? Acho que a Madonna32 ali não ia achar ruim”. A professora negou com a cabeça, sorriu amarelo e calçou os sapatos. Ligou o Honda Fit e arrancou. Pelo retrovisor, ainda pôde ver JohnnieWalker e Madonna32 abocanhados, numa vontade voraz, encostados no jipe sujo de lama.

O caminho de volta foi longo. O sol se afundava nas curvas de Macacos, em São Sebastião das Águas Claras. A professora, sozinha, aproveitou a estrada para pensar no ocorrido. O coração saltava como se estivesse às bordas de arrependimento. “Você não fez nada. Nada”, dizia para a Muleka42 guardada em segredo. Num solilóquio endurecido, confuso, prosseguiu: “Como tem mulher carente nessa cidade, meu Deus! ‘Madonna32’. Credo! E aquele cara? Um maluco! Sujeitinho mais indecente. Ainda bem que o tal JackDaniels não foi. Cretino. Que piloto de avião o quê!? Deve ser algum moleque, desses viciados em internet, acostumado a seduzir a mulherada. Como pude ter sido tão idiota? E o poema do André Di Bernardi que ele me escreveu? Palhaçada”. No rádio, Dolores O’Riordan soltava a voz.

Ainda não eram 19h quando ela estacionou em casa, no Bairro Buritis. O marido, corretor, já havia chegado de Pará de Minas. Estava só, na cozinha, mandando ver pamonha com requeijão. Feliz pelo bom negócio fechado com fazendeiro, disse para a mulher: “Tem um presentinho pra você lá no quarto, em cima do criado”. Ela sorriu tímida e foi ver o mimo. Desde sempre era assim: toda vez que o Leopoldo vendia um imóvel presenteava a mulher. Quanto maior a comissão, melhor o agrado. Maria Helena voltou com os olhos umedecidos e um par de brincos caros nas mãos. Respirou fundo, beijou a testa do marido e foi lavar-se quase que por desespero.

Ficou por quase hora na suíte com vista para a Mata do Cercadinho. Fogosa, incendiada por dentro, vestiu sua melhor lingerie e decidiu procurar o marido para mergulho íntimo e profundo. Queria enterrar de vez as diferenças. Acabar com a distância tola dos últimos anos. Pelas bodas de prata, pelos filhos e por amor, perfumou-se para dar ao marido noite inesquecível. Antes, porém, aproveitando-se da ausência do companheiro no quarto, ligou o notebook para espinafrar o tal JackDaniels, piloto de avião. Antes de passar e-mail, resolveu procurá-lo na sala de bate-papo virtual. Não deu outra: lá estava o sujeitinho com nome de uísque, que, sem perder tempo, disparou um Di Bernardi:

“Muleka42,
‘Quando das folhas surgirem as flores
criarei também raízes
e sobre as rosas e os seus
espinhos falarei mais tarde,
para o completo tormento
dos sentidos’”.

(Continua no próximo sábado)

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 6/3/10

sexta-feira, 5 de março de 2010

De mulher para mulher

Mulheres em crise é das boas comédias em cartaz no último fim de semana da Campanha de Popularização do Teatro e da Dança. A trupe comandada por Wesley Marchiori dá conta do recado e garante ao espectador mais de uma hora de entretenimento e (até) reflexão. No que diz respeito à encenação, a montagem é de visível desvelo. Muito boa a produção que ampara o texto de Emília Marcílio – também protagonista da trama. O roteiro é desabafo de quem sabe o que diz, com experiência de vida, de comédia e boa vontade de fazer o outro rir do que, muitas vezes, parece nem ter remédio. Autora e companhia se apropriaram da ideia. São mulheres falando sobre mulheres, numa mistura sedutora e feliz de delicadeza, romantismo, escracho e sacanagem.

Tão divertida, quando se pretende séria – especialmente por meio do distanciamento, recurso de interpretação – Mulheres em crise se perde no campo do discurso. Fica chata e se alonga. Parece desnecessário à peça fazer-se óbvia no que já está tão bem contado em subtexto e intenção. Senão menor de dramaturgia perto de sua real estatura. A direção de Wesley Marchiori é limpa, ágil, distante do lugar-comum. Tem desenho e tiradas coreográficas divertidas e eficientes. Excelente o uso das geladeiras coloridas. O diretor – que também é bom autor – conseguiu maximizar as boas sacadas do texto. Soube agregar conjunto de luz, seleção musical, cenário e figurino. Aliás, as roupas e bolsas produzidas por Andrea Maia dão charme a mais ao elenco de Mulheres em crise.

Emília Marcílio não é novidade no tablado. Boa atriz, repete o desempenho de sucesso em A virgem de 40 – Agora ou nunca. A surpresa é Lívia Galdêncio, que, caricata e vazia em apresentação de estreia no ano passado, consegue dar a volta por cima e erguer personagem arrebatadora. Faz de papel difícil, certamente, rampa de salto na carreira. Gabriela Chiari é outra que cresceu no trabalho. Agora, encarna com habilidade tipinho interessante de segredos. Ótima de texto, verve e timing, tem recursos bem particulares. Nilmara Gomes – do time das melhores atrizes de Minas – é contraponto perfeito em Mulheres em crise. Passeia pela missão de boa mulher casada, ingênua e trabalhadeira. Fácil acreditar em suas emoções construídas. Renan Rangel, único homem no elenco, tem bons momentos iniciais por química com Emília Marcílio. Porém, ao longo da peça, perde a mão e ainda se mostra despreparado.

Por tudo o que há de melhor em Mulheres em crise, Gustavo Becker, produtor, começa com o pé direito como empreendedor. Traz à cena comédia de diferencial que merece vida longa. Em terras que têm, em grande parte, plateias que gostam de valorizar o humor e, por trás dos muros, corrente miúda que trabalha contra o maior evento popular do teatro no Brasil, a graça bem vestida vai ter sempre o seu lugar.


MULHERES EM CRISE
Sexta e sábado, às 19h, no Espaço Cultural Imaculada, Rua Aimorés, 1.600, Lourdes. Tel (31) 3014-5382. Ingressos: R$ 10 nos postos do Sinparc. Classificação: 14 anos.

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 5/3/10

quarta-feira, 3 de março de 2010

Vila dos mortos está de volta



Sucesso em 2009, "Vila dos mortos" está de volta ao Espaço Cultural Puc Minas. São apenas quatro apresentações dias 4, 5, 11 e 12 de março (quintas e sextas), às 20h. O espetáculo traz à cena vidas que se cruzam num bairro qualquer de Belo Horizonte. O medo, tema inicial da proposta colaborativa de dramaturgia e montagem, acabou ganhando dimensões sobrenaturais. O grupo experimental, formado por atores profissionais, ex-alunos da Escola de Teatro da Puc Minas, passa por reformulação e investe na criação de companhia. Boa sorte à trupe!


Em setembro, a jornalista Janaina Cunha Melo escreveu no Caderno de Cultura do jornal Estado de Minas:


"NOVA PROPOSTA

Amanhã tem mais uma sessão de Vila dos mortos, no Teatro da PUC (Rua Sergipe, 790, Funcionários), às 20h30. A montagem da Escola de Teatro da PUC/MG tem méritos que a tornam uma experiência curiosa para a plateia. Situação rara no teatro mineiro e nacional, o argumento leva para cena elementos do realismo fantástico, com ótimos resultados. A partir de seis histórias, que em algum momento se encontram, a trama revela as muitas maneiras como as pessoas se relacionam com seus mortos. A bem da verdade, trata das perdas. Algumas inesperadas, outras nem tanto. E da maneira como é possível lidar com elas, com mais ou menos habilidade.

O cenário é outro ponto importante da montagem. Bem resolvido e com inspiração em linguagem cinematográfica, ajuda na dramaturgia. Cada uma das histórias é apresentada de forma clara e favorece o entendimento do texto. Pela complexidade do que é proposto, facilmente a trama poderia se embaralhar, mas, com ajuda dos objetos e da estrutura da montagem, a narrativa ganha força em cada núcleo em movimento crescente, até encontrar nexo como espetáculo. Como experimentação, Vila dos mortos depende de pequenos ajustes e amadurecimento de atuação, mas merece destaque, sobretudo pela coragem de propor algo novo para o público e os próprios estudantes. Aventura corajosa, que pode render bons frutos para a companhia, com 25 integrantes. Eles demonstram que nem sempre o caminho mais curto, óbvio e fácil, é o melhor.

Janaina Cunha Melo"

(Coluna Holofote - EM Cultura - Jornal Estado de Minas - 2 de setembro de 2009)

O estudo para a vida

Alguns amigos leitores têm perguntado porque optei por estudar administração. "Conte porque escolheu o curso, Josiel. Por que não jornalismo ou letras?", escreveu a Maria Luísa, lá do Bairro Ouro Preto. Por várias razões, companheiros. Especialmente, porque o assunto está em tudo em nossas vidas. "Planejamento, organização, direção e controle" foi o que entendi logo nos primeiros dias de aula. O bom trato com as letras tento entender nos livros, com os escritores e com os poetas. O jornalismo deixo para os colegas que dão show de cobertura no Aqui e no Estado de Minas - basta citar a fantástica atuação do grupo no caso do maníaco. É de dar orgulho.

Estou é bastante feliz com as boas lições que venho aprendendo na universidade. Não está nada fácil (quem disse que seria?). Reduzi a carga horária no volante para poder ter tempo para os estudos. A grana está mais curta, é verdade. Mas, por outro lado, já começo a me sentir recompensado. São muitos os novos amigos na escola. Nunca me senti tão "tio" em toda a vida. Não sou o mais velho da sala, mas são mais de 30 abaixo de mim. Uma farra. Ando pelo câmpus com meu fichário sob o braço, com a cabeça erguida e feliz. É muita gente bacana e interessada reunida. Temos na turma também, naturalmente, quem não quer nada com a dureza. Paciência. Há tempo para tudo nessa vida. Daqui a pouco, penso, vão sentir o peso da responsabilidade.

No mais, é um barato essa nova fase da vida. Melhor ainda poder contar com o apoio e com a generosidade da mulher companheira. Violeta é única. Vejam só como é criativa até para lidar com o ciúmes: deu-me de presente uma bela camiseta para ir às aulas com os dizeres "Sou legal, não tô te dando mole". Não é uma beleza?! Ri até quando li o texto, bordado à mão por ela mesma. É claro que estou usando o mimo. A galera faz a maior farra com o meu romance. Vamos até fazer um churrasco no próximo fim de semana, em Esmeraldas, na casa de um colega. Todo mundo quer conhecer a Violeta. É assim que tem que ser. Também quero que ela conheça meus novos amigos.

Não me lembrava do tanto que o estudo e o trabalho, juntos, podem fazer bem ao homem. A gente se sente mais útil e produtivo. Tenho conversado com os amigos na praça sobre isso. Muitos deles estão até motivados a seguir o meu caminho. Uns vão puxando os outros. É assim. Também estou seguindo o caminho de outro amigo que, em 2000, resolveu mudar de vida. Voltou a estudar e, hoje, comanda um lava-jato de sucesso na cidade. Vivia a me dizer: "O estudo é tudo, Josiel. A faculdade é ambiente que só faz bem para a pessoa". Grande William! O amigo sabe das coisas. Foi o primeiro amigo a me dar os parabéns quando soube que retomei os estudos.

Evidente que há sempre alguém para falar pelos cotovelos. O mau-humorado do Lilico me veio com essa: "Estudar pra quê? O mercado não quer saber de quem já chegou aos 40". Não estudo para o mercado, Lilico. Estudo para a vida.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 3/3/10

terça-feira, 2 de março de 2010

Mulheres em crise

Na sexta-feira, em Vida Bandida, texto sobre "Mulheres em crise", boa comédia em cartaz na reta final da 36ª Campanha de Popularização do Teatro e da Dança.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Os sem vergonhas - última semana

Encerra-se esta semana a participação de Os sem vergonhas na campanha de popularização do teatro e da dança. Última oportunidade para quem ainda não viu as trapalhices dos paspalhões Chevrolet, Edinho, Vanderley, Pança, Peixoto e Mangueira. Somente hoje (segunda) e amanhã (terça), às 21h, no Teatro Dom Silvério.
Aos amigos que compareceram, muito obrigado!