Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 27 de maio de 2013

“Stephanie, 23, tudo de bom”

Hoje é dia. Toda segunda-feira, às 19h, o velho Cantareira tem programa marcado com moça qualquer dos classificados de “relax”. Há duas semanas, em noite de massa ao pesto, carmenère e bolero, foi uma tal “Iolanda”, que mais tarde se revelou Maria Helena. No último encontro, o setentão recebeu “Stephanie”.

– Stephanhie.
– Vamos… entre.
– Licença!

Stephanie, curiosa, soltinha, mede canto por canto da sala de visita.

– Amor, posso fumar? O filho da puta do taxista não me deixou acender o cigarro… até com a janela aberta o infeliz amarrou… tem uns malas que não dou conta…

Vicente traz um cinzeiro. Olha a menina de aluguel com carinho. Serve vinho. Vai até a cozinha e traz o prato da noite: tilápia ao molho de tangerina.

– Amor! Arrasou! Pra mim? Tá de sacanagem… olha que eu fico mal acostumada… E quando eu pego não solto mais… Bonitão, elegante…  Assim eu até caso, amor!
– Há quanto tempo?
– Não entendi, amor… repete.
– Quanto tempo tem que você trabalha nisso?
– Trabalho não, amor… eu me divirto. Gosto, sabe? Gosto muito. Sou puta de nascença.
– Quantos anos você tem?
– Hoje? … Quantos anos você me dá?

Ela se levanta e gira. Mostra-se inteira, vaidosa e oferecida.

– É tudo natural, viu, amor… tem nada de plástico aqui, não. Olha bem… Quer pegar? Pode pegar… É de nascença mesmo… Então… Quantos anos tenho?
– Vinte e… oito.
– Trinta e três, amor. Nem parece… parece?

Ela volta à mesa. Senta-se e devora o peixe.

– Você está muito bem.
– No anúncio eu coloco 23… acha que estou forçando a amizade? Pode falar…
– De forma alguma, Stephanie. Sinceramente, eu acho que nem faz muita diferença para quem quer contratar você… No fundo, o seu cliente até gosta dessas mentirinhas… a idade… o nome…
– Você gosta de Stephanie?
– Não desgosto. Só não entendo porque variam tão pouco… Natasha, Rebeca, Jessica, Kelly, Camila, Mel, Bárbara…
– Você não disse Stephanie…
– É que Stephanie ainda é quase uma novidade. Você sabe o que Stephanie significa?
– Sei… Gostosa, tudo de bom… (ri)
– Também significa coroada de louros, vitoriosa… é nome de quem sabe o que quer da vida e o que fazer para conseguir tudo o que quer…
– Você tá de azaração comigo?
– Não. Falo sério… é que gosto de nomes. Atrás de um nome tem sempre uma pessoa… Sou um colecionador de nomes. É isso.
– Jura? Cada doido com a sua mania… Já vi colecionador de muita coisa… de cobra… até de inseto… mas de nome nunca tinha visto… e o seu? O que significa?
– Vicente quer dizer “aquele que sempre vence”. Dizem que é nome de quem possui uma lucidez incomum, especialmente no que se refere julgar o mundo e as pessoas. Mas não podemos acreditar em tudo o que aprendemos nos livros…

Stephanie vai deixando de lado a puta e, pouco a pouco, traz à cena a mulher sofrida, esquecida por trás da máscara de pintura carregada.

– E Etelvina? O que significa Etelvina, Vicente?
– Etelvina. É nome de quem está sempre alerta. Dona de personalidade múltipla, sintonizada com o mundo. Também significa nobre amiga, Etelvina.  

Vicente saca a carteira e paga o combinado pelo programa. Com certo constrangimento Etelvina guarda as cédulas no peito, dentro do sutiã. Vicente olha-a profundamente.

– Se não se importar… gostaria de fazer uma foto sua… posso?

Com a cabeça Etelvina diz que sim. Vicente vai até a estante e pega a máquina fotográfica polaroide. A mulher começa a despir-se. Ele a interrompe.

– Não, por favor. Fique assim, de roupa. Prefiro você vestida.

Ela parece entender. Sorri tímida e bebe o resto da taça do vinho. Ele dispara a câmera. A mulher de aluguel pega a bolsa sobre o sofá e vai embora. Vicente observa a fotografia, retira uma caneta do paletó e escreve um nome atrás do papel: Etelvina. Leva o retrato até quadro na parede do corredor. Lá, dezenas de mulheres tristes.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

domingo, 26 de maio de 2013

Um filme para atores

Um roteiro pensado para atores de fato, em formação permanente. Depois de quatro meses de mergulho em treino e mapeamento de personagens, o elenco de Nós Outros se prepara para os próximos dias de filmagens. O curta-metragem é uma realização da Casa do Ator em parceria com Guerrilha Filmes, Noir Filmes, Lou Fernandes e Querida Companhia de Arte. Nós Outros entrelaça, numa penitenciária qualquer, vários dramas pessoais estabelecidos a partir da ausência. Seis histórias de amor e afeto, assombradas pela impossibilidade da vida comum além dos muros da prisão.






















quarta-feira, 22 de maio de 2013

Para reaprender com o tempo



Se está difícil reencontrar o amor e o tempo para viver melhor, o amigo leitor dever correr até a locadora de filmes para assistir A vida de outra mulher, com a belíssima e competente atriz francesa Juliette Binoche (foto). No fim de semana, Violeta e eu não falamos em outro assunto. O filme faz pensar e muito. A sinopse é simples: “Marie (Juliette Binoche), uma mulher de 40 anos, acorda pensando ter 25. Esqueceu de 15 anos de sua vida e ainda vive uma história de amor que já terminou. Agora, ela tem uma segunda chance de reconquistar o amor de sua vida”.

Um pensamento não me deixa a cabeça depois de ver e tentar compreender melhor A vida de outra mulher: muitos de nós insistimos em não acordar para a vida. Perdemos um tempo enorme dando valor ao que não tem valor e correndo para ganhar algum dinheiro pelo futuro que nem sabemos ter. É aquela velha história: o sujeito trabalha dia e noite, perdendo a saúde, para, depois, usar o dinheiro para cuidar da saúde que ele perdeu trabalhando. Pode?

Tem uma excelente historinha que já ouvi em salas de aula e em rodas de amigo que diz mais ou menos assim: um norte-americano, especialista em administração de empresas, foi passar umas férias de semana numa praia do nordeste brasileiro. Lá, conheceu um pescador muito sossegado, que trabalhava umas quatro horas por dia apenas, três vezes por semana.

O norte-americano, empolgado com os estudos da língua portuguesa, fez amizade com o nativo e queria exercitar a língua e os conhecimentos em negócios. Quando soube quanto o bom pescador ganhava, trabalhando apenas 48 horas por mês, o estrangeiro não teve dúvida: sacou a calculadora financeira da bolsa e, no papel, mostrou por A + B para o baiano que, se ele dobrasse a carga horária e investisse nisso e mais naquilo, em pouco tempo, teria recursos para ser patrão, ampliar os negócios e até exportar. Assim, teria muito mais dinheiro para, em 20 anos, poder usufruir de mais tempo com a mulher e com os filhos. O pescador disse:

“Fico muito agradecido com a preocupação que vossa senhoria está tendo para com a minha pessoa, mas, não me leve a mal de jeito maneira… é que… não tenho interesse não, senhor. O senhor quer dizer que se eu, Valdomiro do Nascimento, trabalhar dobrado, daqui a 20 anos, eu vou ter o tempo que eu já tenho hoje? É isso mesmo? Mas que diacho de matemática abestalhada é essa, se o tempo que eu teria lá no futuro de meu Deus, que eu nem sei se vai existir, eu já tenho é hoje?”

Agora, o que a história do Valdomiro do Nascimento tem a ver com o filme da Juliette Binoche, A vida de outra mulher… Isso o amigo leitor só vai saber depois de ver a fita. A gente se fala!

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 20 de maio de 2013

"Iolanda, 25, fogosa e sincera"

O velho quer mais. Descobrira um prazer descomunal às segundas-feiras, à noite, na companhia de meninas de aluguel. Por 60 minutos, tomado de felicidade rara, Vicente Bueno Cantareira voltava no tempo e no espaço. Sempre o mesmo ritual: telefone escolhido a dedo em classificado popular, roupa de gala e prato especial. Para aquela noite, massa fina ao molho pesto. Tudo para receber “Iolanda”. “Fogosa e sincera” - dizia o recorte de papel jornal. Às 19h03, o interfone anuncia.

- Iolanda.

Cantareira não titubeou. Destravou a fechadura, conferiu a massa no forno e foi até a porta para receber a encomenda.

- Vicente?
- Sim. Sou eu.

Olhar profundo do velho. Iolanda, observadora que só ela, esquadrinhou cada centímetro do lugar ao ganhar a sala. Falante e risonha, não imaginava-o setentão.

- Sua voz é bonita. Pelo telefone, parecia ter no máximo 40.
- Vou considerar o comentário um elogio... Iolanda... É isso mesmo? Iolanda?
- Sim. Iolanda. Bonito aqui. Você vive sozinho?
- Já há algum tempo. Bebe comigo?
- Adoro vinho. De vez em quando até que bebo uísque, vodka, conhaque... umas bebidas mais fortes... mas eu gosto mesmo é de vinho. Você não tem família?
- Não. Quer dizer... ainda tenho dois irmãos, mas eles moram no interior.

Vicente vai até a cozinha e traz o prato para a mesa.

- Jantarzinho? Que romântico. Foi você quem fez pra mim, foi a sua empregada ou você pediu pelo telefone?
- Gosto de cozinhar. É um prazer que descobri há pouco tempo.

Iolanda come esfomeada.

- Isso aqui tá bom mesmo. Hum... O macarrão que a gente faz lá em casa não fica assim nem a pau. Nenhuma das meninas que mora comigo cozinha desse jeito. Tá ótimo. Você tá de parabéns, “mestre cuca”. Você tem namorada? Tem filhos?

O velho não responde. Sorri, apenas. Os dois comem e bebem. Iolanda não faz mais perguntas. Diverte-se, levemente embriagada pelas três taças seguidas. Pratos vazios, Vicente vai até o aparelho de som e coloca música para encerrar o programa.

- Dança comigo, senhorita?
- Com todo prazer, amor. Adoro dançar, mas não me roda senão eu vou cair, hein!?

Dançam, íntimos, como se não fosse a primeira vez. Iolanda, empolgada, profissional, começa a despir-se. Ele a impede.

- Agora não. Dança comigo. Só dança comigo, é o que peço a você... Iolanda.

Eles dançam. Por dois minutos e meio, sem palavras ou grandes diferenças. Um homem e uma mulher, silenciosos, carentes de sinceridade, somente. Ao fim do bolero. Vicente sorri, saca a carteira e, feliz, paga os R$ 250 combinados. Longa pausa na sala do Cantareira. A moça de aluguel perde a pose e a personagem.

- Meu nome é Maria Helena, Vicente. Não posso deixar de agradecer o jantar.

A mulher ajeita a blusa desabotoada e a saia embolada na cintura. Pega a bolsa sobre o sofá, beija o rosto do velho e vai embora. Segue para dormir em paz com os dois filhos de fraldas e sem pai, em barracão de fundos do Bairro São Gabriel.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quarta-feira, 15 de maio de 2013

É o que digo para mim mesmo: 'Alegria é felicidade demais para ser perdida'

O Adelson, leitor assíduo de nosso Aqui, aprendeu na marra a ter uma visão muito interessante da vida. Na segunda-feira, almoçamos juntos e, para minha satisfação, ao fim do prato feito, o amigo colocou a página do Bandeira dois sobre a mesa e disse: “Agora, vamos falar desse caminho da felicidade”. Até leu um pedacinho do último parágrafo:

“São muitos os que desarmonizam os lares e os escritórios por uma conversa atravessada ou por qualquer contrariedade besta. Desses, tenho pena. Porque a alegria é felicidade demais para ser perdida”.

Adelson é parceiro das antigas. Tem história de aprendizado exemplar. Soube dar a volta por cima nos momentos mais difíceis. Alegra-me saber que o texto da semana passada, no Aqui, tocou-o sobremaneira.

Disse-me que o que estava escrito era exatamente o que ele precisava ouvir. Falou de problemas particulares na família e no trabalho. Emocionou-se ao falar da irmã caçula, em crise com o marido, prestes a se separar com três crianças pequenas – duas de colo ainda.

“Sabe, Josiel, a vida pra mim é como uma roda gigante: tem hora que a gente tá em cima, tem hora que a gente tá em baixo… o importante é manter a alegria e a coragem. Não perder a alegria quando sobe e não perder a coragem quando desce”, filosofou.

O Adelson esteve preso. Vou contar isso aqui porque ele pediu. Nos anos 2000, na volta da Bahia, foi pego numa blitz próximo a Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri. No carro, meio quilo de maconha. O moço amargou condenação de três anos. Réu primário, bons antecedentes, com um ano recobrou a liberdade.

Fato é que a vida foi ao avesso. “Juro pra você, Josiel… eu achava que podia tudo. Meu pai não me deixava faltar nada. Facilitou ao máximo a vida pra mim e eu não soube valorizar. Depois que ele se separou da minha mãe, quando eu tinha 8 anos, passou a me dar ainda mais. Me dava o que eu queria e não queria”. Mais uma vez, o Adelson se emocionou na mesa do bar.

O taxista precisava falar. “Em Neves, é que fui entender a diferença entre fazer o que a gente gosta e fazer o que é necessário. Entre fazer o que é bom só pra mim e o que é bom também pra quem está perto de mim. Minha mãe quase morreu quando fui preso, Josiel. Se há uma coisa que não esqueço é a primeira visita dela lá na penitenciária”.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 13 de maio de 2013

"Priscila, 22, linda e liberal"

Depois que o coronel Vicente Bueno Cantareira, viúvo, contratou Brigitte, garota de programa, para jantar e dança apenas, gostou tanto da experiência, que não parou mais. Foi no aniversário de 70 anos, no ano passado. O velho se sentiu tão bem naquela hora com a companhia de aluguel que decidiu repetir a dose uma vez por semana.

Sexo? Não era mais importante. Cantareira havia sublimado o calor do quadril depois que perdera Mercedes, a fogosa companheira de longa data, em 1993. Maduro, o prazer para o coronel Bueno estava na alma. Aos 71 anos, contentava-se com o céu azul e com as noites de estrelas. O médico, amigo, até sugeriu remédio para reacender o entusiasmo. Nada. Cantareira não quis. Agradeceu e mandou ao lixo o papel com a prescrição.

A felicidade dos últimos tempos estava em conhecer bem pouco das mulheres comuns por trás daqueles anúncios em colunas de indecências para adultos. Cantareira esquadrinhava os classificados para escolher a garota da semana, sempre às segundas-feiras. Um ritual: o prato especial para o jantar – feito por ele; a música antiga, rara, para dança de rosto colado e a mulher de aluguel para os 60 minutos de delicadeza.

Manhã de dia de rito. Logo às 6h, com o jornal popular sobre a mesa, o velho leu quadrinho por quadrinho: “Priscila, 22, linda e liberal”, dizia a publicidade curta de duas linhas ao pé da página. “Linda e liberal” não importava ao coronel. Mas, o nome, ainda que de mentira, chamou a atenção do velho.

Priscila era o nome da filha única que Cantareira e Mercedes perderam em tempos de agonia. A mocinha nasceu com doença grave e não completou meio ano de vida. O casal, doído, então, optou por não ter mais filhos. Passado. O coronel não costumava remoer a linha da vida. Orgulhava-se da fé particular no bom coração. Bastava.

Assim, guardou o número do telefone da garota de aluguel, para ligar mais tarde. Como de costume, desceu até o mercado central para a compra da semana. Tomou café da manhã e caprichou na limpeza do apartamento na Região Central. Às 9h, o coronel ligou para a tal Priscila e agendou o compromisso de R$ 300.

À noite, às 19h, recebeu a menina profissional para tratá-la como mulher fina, de família e futuro. Jantaram, dançaram e sorriram juntos. Ao fim da hora de satisfação, o dinheiro combinado, abraço e beijo no rosto de boa-noite. Pela primeira vez, em três anos, Priscila pôde voltar para casa sem tirar a roupa ou fingir alegria.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O caminho da felicidade

“Alegria é a melhor coisa que existe. É assim como a luz no coração”, escreveu o poeta Vinicius de Moraes a quatro mãos com Baden Powell em Samba da bênção. Encanto antigo, trata-se de uma ode à felicidade: “É melhor ser alegre que ser triste”. Um hino ao amor próprio e às boas energias que devemos tratar por dentro. Alguns amigos me criticam, dizendo que estou me saindo “um bom escritor de autoajuda”. Não tenho nada contra essa história de autoajuda. Se ajuda, se pode fazer bem à alguém, que mal pode ter?

Neste quintal, não dá para ficar preocupado em agradar a meia dúzia de amigos intelectuais que odeiam Paulo Coelho e que não tiram os olhos das páginas de nosso Aqui – brincadeira, Lúcio, Henrique, Juarez, Helena, Marília e Hugo. Este espaço é para todos os sujeitos de bem. E do mal também, desde que queiram dar novo rumo à vida. Para isso, autoajuda é uma beleza.

Voltando ao poeta – é o que interessa –, ano passado, ganhei um CD com Samba da bênção gravada 23 vezes. A leitora Ana Cristina, vizinha do Osmar, mandou pelo amigo taxista. Presente que não sai do aparelho do carro e que não me canso de agradecer. Não passo dia sem ouvir a música e os versos falados que tanto me inspiram. Há um trecho que já sei até de cor:

“Cuidado, companheiro! / A vida é pra valer / E não se engane não, tem uma só / Duas mesmo que é bom / Ninguém vai me dizer que tem / Sem provar muito bem provado / Com certidão passada em cartório do céu / E assinado embaixo: Deus / E com firma reconhecida! / A vida não é brincadeira, amigo / A vida é arte do encontro / Embora haja tanto desencontro pela vida”.

É bonito demais. Digo o texto acima para mim mesmo, sempre, como uma oração. “A vida é pra valer e é uma só. E a vida gosta é de quem gosta da vida”, acredito. Lição decorada na alma. Os desencontros existem aos montes –sabemos todos. A doença talvez seja o maior deles. Derramei lágrimas à beça com os males que sucumbiram gente próxima, muito amada.

Não é fácil. De resto, desagrados como a falta de dinheiro não me abalam. Nunca perdi uma noite de sono com aborrecimentos menores. Menos ainda: jamais desperdicei um bom-dia nas manhãs de qualquer cor e natureza.

Tenho lá as minhas fraquezas. E são muitas. Mas o que não tenho é a doença do pessimismo ou mal algum das feridas imaginárias que vergam o corpo e mandam ao ralo simpatias. Há quem destrata os mais próximos, de graça, por uma noite mal dormida.

Pior ainda: são muitos os que desarmonizam os lares e os escritórios por uma conversa atravessada ou por qualquer contrariedade besta. Desses, tenho pena. Porque a alegria é felicidade demais para ser perdida.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A traíra da perna grossa


O camarada fez de tudo para salvar o casamento. Faltou fazer curso de vidência e adivinhação para atender os caprichos da traíra ruíva da perna grossa. Ela já estava enrabichada com outro. A moça pisou na bola e esfrangalhou o companheiro. Corno de muletas, acidentado, em flagrante triste de tarde bandida. A dona picou a mula, caiu no mundo com sujeitinho qualquer, deixando para trás marido e filhos. Nunca mais deu notícia.

Desde moça freqüentava o corpo de muitos rapazes. Fogosa, entregar-se era algo quase incontrolável. Já ele, comportado, até gostava de uma farra. Com os amigos. Futebol semanal. Cervejada. Churrascos, em encontros de família. Quando se conheceram foi uma loucura. Ela lhe deu chave de pernas de pirar o cabeção. Cegou o peladeiro. O negócio dele agora era abater a pelada em cama barulhenta, em outro campo de suor e palavrões. Abandonou os amigos e passou a viver no ritmo da serelepa.

Namoro, noivado e, em pouco mais de ano, lá estavam os dois, lindos, de joelhos no altar. Encenação modesta de sentimentos tolos embrulhados em tecidos chiques. Ele, babão, apaixonado, cego e perdido em panelada de sonhos e projetos. Ela, perfeita no papel da mocinha branquela, de família, que quer cuidar de casinha e criar barriguinha. Uma beleza. Os pais da noiva não fizeram economia: festão, farra, música em caixas amplificadas, na voz de cantora contratada. E registro, em vídeo e fotografia, de fazer inveja a muito bacana.

A lua-de-mel foi espetáculo. Teatrinho sexual rídiculo em praia carioca. Na pousadinha modesta, o casal não passava despercebido. Só andava juntinho, em babação infantil: “morzinho” pra cá, “tchutchuquinha” pra lá. Um nojo. Rídiculo, não?! Casalzinho marmanjo, fazendo voz de criancinha!? Tenha paciência! E na praia, indecência: ela fantasiava fazer “amorzinho gostoso” no mar. Num cair da tarde, lá estavam os dois, grudadinhos, dentro d’água, na maior safadeza no chacoalhar da maré. Já voltaram do passeio grávidos. Juravam, em tom retardado, que o espermatozóide valente nadou, sem braçadas, em águas salgadas. Era comédia pastelão ouvir os dois conversando sobre a concepção do bebê.

O tempo passou e a moça destrambelhada liberou a periquita. Com um, dois, três… Corneava sem dó nem piedade o “morzinho” dela. Do casamento, três filhos. A trairagem durou tempo, até que o marido, atropelado no horário de almoço, fraturou a perna e, em muletas, foi dispensado do trabalho. Ao chegar mais cedo em casa, flagrou a “princesinha” infiel na cama com outro. No desespero, quebrou a muleta na cabeça do visitante e botou a mulher para fora de casa. Viveu dias de drama sem fim.

Já a dona ruiva das pernas grossas e do rabo torto foi tentar vida nova no interior com outro sujeitinho qualquer. Paizão, é o moço do chapéu de boi quem cuida dos três filhos adolescentes. Dez anos passados, e até hoje ele sente falta dos carinhos da bandida.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Deus é a própria vida

O texto da semana passada rendeu. E quando o assunto rende, em respeito ao amigo leitor, que participa e comparece, a gente o traz de volta. Teve e-mail, telefonema e mensagem no celular. Visita também. O Osmar, que há tempos não aparecia, teve lá em casa. Já chegou dizendo: “Cara, será que a pastora que trabalhava na casa do Euclides não é a dona Jabulani, não!?”.  “Jabulani” é como o Osmar se refere a mãe da ex-mulher. Assim como a “pastora”, personagem da coluna passada, a ex-sogra do Osmar via o “coisa ruim” em todos os lugares e tanto fez e disse que acabou por infernizar a vida da filha.

Do Barreiro também teve manifestação. Leonardo M. Santos escreveu: “Josiel, leio sempre o Aqui e toda quarta-feira gosto de ler Bandeira dois, porque você escreve muita coisa que parece que aconteceu comigo, na minha casa. A história do Euclides, professor, que você contou na semana passada, aconteceu comigo um pouquinho diferente. Lá em casa, não foi com a empregada porque eu nem tenho empregada. Foi pior porque foi com minha mulher que entrou para uma igreja dessa, evangélica e doente, e a nossa vida ficou de cabeça para baixo. Tudo era coisa do diabo e nada era de Deus. Eu disse pra ela: ‘Você fala mais no capeta do que em Deus. Que diacho de crente é isso?’. Infelizmente, é isso mesmo que você escreveu. Fé errada é doença”.

“Engraçado, Josiel. A mulher da coluna da semana passada falou que a pneumonia do Euclides era coisa do diabo. Por que ela, evangélica, não disse que a melhora dele foi obra de Deus?”, escreveu a Marta, universitária, filha do Irani. Chico, André, Neuzinha, Thaís, Pablo, Inês, Valdir, Moacir, Túlio, Elias, Sueli, Sarah e Roberta ajudaram a render o tema da fé. No domingo, entre amigos, Deus, nossa força maior que rege o universo, como sempre, foi conversa boa. Sabemos todos que o mal, o negativo, existe. Mas para quê destacá-lo?

Para tudo o que é ruim, há em contra ponto o que é bom. Equilibrio. São dois pontos de vista para tudo na vida, creio. São dois os tipos de sujeitos que observo pelo caminho: há aquele, otimista, que se apega ao que é de Deus. E aquele, pessimista, que faz questão de enxergar apenas o lado ruim do que está ao seu redor. É mais fácil, pelo que compreendo, entregar-se à derrota. Achar que tudo é doença, miséria e fome que mata.

Difícil, no entanto bem simples, é ver que a vida é bem maior da natureza. Que há alguém bem perto de você, certamente, em situação muito mais complicada que a sua. Conheço gente aos montes que só sabe é reclamar da vida. Que perde um tempo precioso desejando apenas o que o outro tem. Gente incapaz de olhar para o lado e ver a alegria das crianças e agradecer pelos céus de todos os dias. Tem gente que é capaz de passar toda a vida procurando por Deus. E, assim, esquece-se de que Deus é a própria vida.

Bandeira Dois - Josiel Botelho