Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Para refletir e guardar na alma



Em poucas situações na vida senti-me tão próximo de Deus como no encontro com a família Gibosky, semana passada, no Bairro Dona Clara, na Região da Pampulha. Para quem não acompanhou de perto o caso, trata-se de família vítima daquele desastre no Anel Rodoviário, que, no início do ano, alterou o rumo de várias pessoas, com cinco mortos e 12 feridos. Entre eles, Laura Gibosky (foto), de 4 anos, sobrevivente por milagre – já que teve grave traumatismo no crânio, no abdômen e na perna esquerda, além de profundo estado de coma. Da parte dos médicos, a pior previsão possível: apenas 2% de chances de sobrevivência.

Resultado do excesso de velocidade de carreta carregada com 37 toneladas de trigo, tocada por Leonardo Hilário, de 24, de Mundo Novo (MS), que arrastou, além do carro da família Gibosky, outros 14 veículos em fila, engarrafados na rodovia. Na tragédia, outra garotinha, Ana Flávia, de 2, prima de Laura, morreu na hora. Marcelo Ferreira dos Santos, de 12, a avó dele, Maria da Conceição dos Santos, de 60, Márcia Iasmine de Azeredo Villas Boas Sales, de 44, e Eduardo de Souza Oliveira, de 40, também perderam suas vidas no mesmo acidente naquele fatídico 28 de janeiro de 2011.

Tocou-me sobremaneira a união, o amor incondicional e a fé inabalável dos pais de Laura, Ricardo e Priscila, que não poupam esforços para trazer a menina novamente à vida. O quadro pode até parecer de esperança doída por causa do diagnóstico de paralisia cerebral, mas, considerando os avanços de Laura até aqui, a pequena guerreira tem tudo para surpreender sua equipe médica a cada dia. Ainda que sem falar e andar, com bem poucos movimentos, a vida percebida nos olhares da menina são de força descomunal. Laura é apaixonante. A mocinha tem um encanto natural arrebatador. Há um campo de luz contagiante em torno da menina de carinhar os sentidos.

Quando deixei a casa dos Gibosky, levei comigo imagem que jamais vou esquecer: a da pequena Laura no colo da mãe. Priscila não escondia ter nos braços porção mais preciosa de amor em seu sentido mais puro. O pai, Ricardo, bravo lutador, não esconde as cicatrizes da alma. Contudo, um só sorriso na presença da filha, o professor e advogado é exemplo de fé e determinação. Conheci também o garoto Yuri, de 10, filho mais velho do casal. Moço cheio de simpatia, apaixonado pela irmãzinha, que, em julho, comemorou cinco anos em casa, depois de passar mais de 150 dias internada nos hospitais João XXIII e Felício Rocho.

Nos próximos dias, Laura deve voltar ao hospital para se submeter a mais uma cirurgia no cérebro. A família está confiante de que o novo procedimento vai ajudar ainda mais na recuperação da pequena Gibosky. Do lado de cá, com todos os eus que me habitam, peço em oração a oportunidade de reencontrar Laura recuperada. Olhar bem fundo nos olhos da mocinha e dizer a ela o quanto sua história de luta me faz repensar a vida e minha relação com o mundo. Ricardo, Priscila, meu carinho e minha admiração de homem e pai de família. Vida longa, Laura! É meu desejo de espírito pelo tempo que se aproxima. Guardo você, menina. No peito e na alma.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 28/12/11

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

O Natal da vida


Natal de 2010. Laura Gibosky, de 4 anos, pede ao Papai Noel uma bicicleta sem rodinhas. Já sabe se equilibrar. A estrela dourada no topo da árvore luminosa foi colocada pela menina. De véspera, o brinquedo “surge” amarrado ao balanço. Laura duvida: “Ah… ele não ia amarrar a bicicleta”. Na noite de celebração, com a família reunida em outra casa, Papai Noel, contratado para fazer a alegria da criançada, surpreende a mocinha: “Então, Laura… gostou do presente que deixei no balanço?”. Boquiaberta, num suspiro, a menina linda corre para os braços dos pais. Está certa da existência do bom velhinho. Noite de sonhos, viagem de férias, ano novo e a vida segue. Fim de janeiro, já de volta a Belo Horizonte, em novo passeio – desta vez longe dos pais –, uma carreta bitrem carregada com 37 toneladas de trigo faz estragos na alma. Conduzida por Leonardo Faria Hilário, de 24, de Mundo Novo (MS), arrasta 15 veículos engarrafados no Anel Rodoviário, matando cinco pessoas e ferindo outras 12. Uma delas, Laura Gibosky, levada de helicóptero ao Hospital João XXIII. Pai e mãe recebem a notícia: traumatismo no crânio, no abdômen e na perna esquerda, além de profundo estado de coma, com apenas 2% de chances de sobrevivência. Só um milagre para salvar a menina.

Natal de 2011. Num canto da sala de dois ambientes na casa de número seis, no Bairro Dona Clara, na Região da Pampulha, sob a mesma árvore da estrela dourada, Laura é o presente da vida no colo da mãe, Priscila Gibosky, de 34. O pai, Ricardo de Carvalho, de 45, não esconde a alegria de ter a filha em casa depois da tragédia no Anel. No primeiro semestre, em cinco meses de internação, foram várias as intervenções cirúrgicas. Yuri, o mocinho mais velho da casa, com 10 anos, pausa as estripulias com os amigos para se juntar à família. Lolla, a mascote maltês, faz festa para o registro. Retrato de fé, amor e união, que se renova no mais legítimo espírito do renascimento. Há uma luz a mais a cobrir a família. Laura, de olhos vivos, arrebatadora, parece buscar a lente da câmera. Linda, de batom, vestida na moda, de calça legging fusô preta e camisa vermelha com estampa da Sininho – a Tinkerbell dos dias atuais –, chama a atenção pela força da presença, que afasta o clima do nunca. Impossível ficar indiferente aos olhares da menina, que (ainda) não anda, não fala e pouco se movimenta.

Antes de Laura ganhar a sala, a atmosfera da entrevista de Ricardo e Priscila ao Estado de Minas é uma miscelânea de sentimentos: dor pela morte de Ana Flávia, de 2, prima de Laura, que não sobreviveu ao acidente; revolta por conta da impunidade nas tragédias do trânsito e o descaso com o Anel Rodoviário; tristeza por saber de mocinha tão ativa ter a vida ao avesso; alegria pelo milagre da sobrevivência; esperança pela recuperação, ainda que lenta; e receio por mais uma cirurgia que se aproxima. A família acaba de receber a notícia da necessidade de mais uma intervenção no cérebro da garota. Uma válvula no sistema ventricular. Batalha longa e desgastante pela vida, que não afeta o otimismo de Ricardo e Priscila. Advogados de sucesso, ambos foram obrigados a rever a carreira para dar conta de dar atenção especial às circunstâncias. Apesar de a infraestrutura hospitalar 24 horas em casa ser mantida por convênio médico, os custos descobertos chegam a R$ 6 mil mensais, com alimentação, medicamentos e assistência particular.

De todos os sentimentos percebidos em duas horas de conversa, sobressaem o amor e a esperança. Priscila é mais força. Ricardo é mais sorriso. A mãe respira fundo repetidas vezes e tenta segurar as inquietações de quem demonstra amar além de todas as contas. Não se contém e desaba uma, duas vezes. O pai, desenvolto, chora por vezes. Sorrindo, derrama lágrimas enxutas pelas costas da mão. Explica o sentimento de “quebra no tempo e no espaço”, vivido desde o fatídico 28 de janeiro. “Primeiro, o choque com a quase morte, o vazio. Depois, o porquê. A gente tentava entender… por que com a nossa família? Em seguida, veio a realidade de UTI, com várias tragédias reunidas no mesmo lugar. E a gente unido, lutando contra todas as previsões. Todo dia sabendo que ela podia morrer e, ao mesmo tempo, comemorando um novo dia”, relata.

Ao falar de julho, mês em que Laura deixou o hospital, voltou para casa e comemorou 5 anos, o advogado abre ainda mais a envergadura do sorriso e fala de dias melhores: “Depois de tudo, uma fase muito boa de motivos de festa por cada conquista”. Comenta as dificuldades encaradas com determinação por todos os amigos e familiares e considera as incertezas com o futuro trazidas pelo quadro de paralisia cerebral. Priscila reconhece: “Não é fácil. Tem dias que falta força para sair da cama”. No entanto, fortalecida por nova dose de esperança a cada instante, apega-se à fé na recuperação da filha. “A verdade é que ninguém sabe nada do cérebro. As melhoras vêm do próprio cérebro. Os médicos acreditam que, como a Laura já tinha registros quando ocorreu o acidente, a recuperação seja possível.” Longe dos casados comuns, pai e mãe exibem cumplicidade admirável durante toda a conversa. Fazem-se soma e equilíbrio: ele fé, ela comunhão.

Há 17 anos juntos, Ricardo e Priscila fazem dos momentos mais difíceis razão para crescer. Mão e luva, se amparam para superar a dureza da síndrome pós-traumática. Demonstram olhar diferenciado sobre os dramas dos outros e se apegam às pequenas conquistas diárias de Laura. “Em todas as famílias, você vai vendo que cada um tem lá as suas tragédias”, diz Ricardo, que, daqui para a frente, só pensa na melhor maneira de trazer Laura para a própria vida como ela é, sem pensar apenas no futuro, vivendo o presente com a maior integridade possível. “Quero ter alegria. Parece que a sociedade, no fundo, quer ver você triste. Algumas pessoas se espantam com o mínimo de alegria preservada em você”, lamenta o professor. Muito emocionado, desabafa: “Quero viver o hoje da minha filha. Não quero mais viver de passado e com medo de não tê-la mais”.

Priscila vai até o andar de cima buscar Laura. No quintal, Yuri é pura energia com os amigos. “Filho, vamos fazer uma foto!”, convoca o pai. O garoto reclama. Natural. Não quer deixar a farra com os vizinhos. Ali, é tarde de água boa sob a chuva fina. Com a chegada de Laura na sala, a cadela maltês faz festa. A imagem da mocinha na escadaria, no colo de Priscila, parece pintura. Mãe e filha num cuidado de dar gosto. A advogada, funcionária pública licenciada, tem mais vida e luz na expressão de encanto. Deixa de lado qualquer resquício do que é lúgubre para dar espaço ao que é somente beleza. É preciso repetir: Laura é linda. Olhos profundos cheios de vida por viver. Pele bem cuidada que faz mínimas as cicatrizes do corpo. Boca vermelha, entreaberta, de quem sabe agradecer em silêncio. “No final, peça para que todo mundo continue orando por ela”, apela o coração da mãe. Do lado de fora, a bicicletinha sem rodinhas ainda espera por Laura, milagre da vida.

Estado de Minas - 25/12/11 - Jefferson da Fonseca Coutinho
Foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press

Papai Noel às avessas


“Faço o bem porque tenho uma missão e tento compensar um passado ruim”, diz Leonardo Thomasi, de 63 anos, que há quase duas décadas ganha a vida como Papai Noel e, sem fazer alarde, assiste a cerca de 600 pessoas carentes. Leonardo, de 1,90m, 130 quilos, olhos verdes, barbas brancas e óculos na ponta do nariz, comanda outros 12 Papais Noéis em Belo Horizonte e tem sua imagem maquiada, espalhada por vários cantos do Brasil. Ano passado, esteve até em reality show, exposto por 14 dias dentro de casinha de vidro em shopping chique do Triângulo Mineiro. Leo faz uso de apenas 20% do que recebe como microempresário e personagem. De todo o montante, fica apenas com o básico para si e para a família – 11 filhos, 17 netos e quatro bisnetos. Enquanto se transforma para mais uma apresentação beneficente, num banheiro de 3x3, Leo aceitou falar ao Aqui. Emocionado, deixa escapulir passado difícil como agente pelas nove fronteiras do país. Pede segredo por ações das quais não tem nenhum motivo para se orgulhar.


Mostra no corpo agigantado, com ilha tatuada no peito, marcas do tempo ruim: cicatrizes traçadas por armas brancas e de fogo. Bate em vários pontos do tronco, dos braços e das pernas para indicar a grande quantidade de platina junto aos ossos. Conta problemas recentes de pescoções e ameaças por parte de traficantes e maus policiais – “todos denunciados na corregedoria”, salienta. Pouco a pouco, o Leo, simples dono de pequena cantina, vai se transformando em Papai Noel, atração mais famosa do imaginário popular. Poliglota, além de bom português, fala francês, alemão, russo, italiano, inglês e espanhol. Já esteve em 74 países e contabiliza 200 outdoors em campanha pelo Natal. Ano passado, a serviço em pedaço do Polo Norte montado em grande centro comercial de BH, sofreu infarto que lhe rendeu encaminhamento para quatro pontes de safena. Teimoso, resistiu e fez “recauchutagem mais simples, com quatro stents apenas”.


Sábado, contratado a peso de ouro por gente graúda, percorreu cinco mansões com seu trenó automotivo puxado por 240 cavalos. A mulher de Leo, Svânia Souza do Nascimento, de 49, braço forte, aparece na porta do banheiro e avisa: “As crianças já estão esperando”. Papai Noel deixa o camarim improvisado, entra em cena e é recebido com galhardia por dezenas de criancinhas do Colégio Santa Tereza. As avarias no peito ele atribui ao trabalho com os pequenos. Para citar apenas um, traz da memória momento marcante vivido recentemente. “Foi numa ala de crianças do Hospital das Clínicas. Estava distribuindo presentes, carrinhos e bonecas, aproximei-me de uma mocinha bem pequena, coberta por lençol. Deixei o presente dela e virei as costas. De repente, ouço um chamado: ‘Papai Noel, troca pra mim!’. Quando me virei, ela estava com a boneca nos braços em toco e pediu: ‘Troca pelas minhas mãozinhas’”, desaba o gigante, tão valentão no passado.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 26/12/11
Foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A alegria dos pardais


Ontem, na cozinha, Johnny foi encontrado sem vida. Seguramente, o pardal mais serelepe de que já se teve notícia em todo o Bosque do Jambreiro, em Nova Lima. O mundo lá fora... mas o danado do passarinho só queria saber da cozinha. Não teve espantalho, palma ou reza brava que afastasse Johnny da mesa e das bancadas de guloseimas. Meu amigo não queria muito. Os restos apenas. Vez ou outra, fazia de banheiro as nossas mais belas toalhas, vasilhas e os tampões de granito. “Melhor do que o pó do asfalto”, repetia para a mulher companheira. Sempre procurei deixar as vidraças abertas para que ele pudesse arriscar seus mergulhos suicidas. Johnny gostava de aventuras. Conversávamos muito, em silêncio, e ele parecia entender minhas elucubrações. Mantinha seu ninho no telhado, com a minha cobertura – uma troca (injusta, reconheço): um pouco de segurança por muita inspiração. Fiz até acordo com os cães para que o deixassem em paz. Osho e Leona aceitaram na boa. É... há um tempo para tudo. Depois de rasante na janela fechada, meu intrépido parceiro das madrugadas descansa, agora, ao pé de nossa goiabeira. Salve, Johnny! Não esqueço você, amigo. Que venham os seus filhos!

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

O porco arrumadinho


“BH e a falta de educação”, texto publicado na semana passada, rendeu. “É cultural, Josiel. Tudo é uma questão de cultura”, ouvi de muitos. Pode até ser. Mas, como cidadão e pai de família, não posso aceitar que a falta de educação – que emporcalha e prejudica nossa cidade – seja algo sem solução. Mais um motivo para dar um basta no lixo que enfeia as ruas e entope bueiros, impedindo o escoamento das enxurradas. Já que o adensamento urbano não tem solução, precisamos aprender a lidar melhor com o lixo, com máxima urgência. Um triste fato: a cidade dos engarrafamentos está fadada a se transformar em concreto e pó de asfalto. “Vê se pode: para rodar 20 quilômetros, fico mais de duas horas por dia dentro do carro. Meia hora só para conseguir uma vaga para estacionar”, reclamou o Daniel, do Bairro Buritis.

A Silvana do Carmo espinafrou: “Minha rua no Bairro Caiçara é um lixo só. Estou cansada de ver gente jogando papel, sacola plástica, na calçada, Josiel. Cigarro, então, é um nojo. O povo fuma que nem desesperado e joga o toco em qualquer lugar, sem respeitar o direito de ninguém. Quer morrer, morre, mas não precisa sujar a cidade, que é de todo mundo. Outro dia, minha professora falou que as pessoas acham que a cidade é dever do poder público, que só a prefeitura é que tem que dar conta de deixá-la em ordem, sempre limpa e bem cuidada. ‘Em parte’, ela explicou. Porque a cidade também é obrigação de quem mora nela. Depois que a fêssora falou, fiquei pensando… é verdade. Ainda não tinha parado para pensar nisso. Agora, o problema é que, em Belo Horizonte, a maioria das pessoas mostra que não tem preparo nenhum para cuidar do que é público”. É, Silvana. É triste. Infelizmente, tenho que concordar que a maior parte dos belo-horizontinos é mesmo de doer.

Lúcia Helena, moradora da Avenida Augusto de Lima, no Barro Preto, enfermeira, participou por telefone: “A gente tinha que criar uma disciplina na escola voltada para os cuidados com o lixo e para a prática da gentileza urbana. Pais e filhos deviam cumprir duas horas por semana de matéria obrigatória sobre o assunto. Pode publicar isso, Josiel. Aliás, você bem que podia fazer uma campanha, né!?”. Estamos de sentinela, Lúcia Helena. Por uma BH mais limpa. É isso! O assunto rendeu também entre os companheiros de praça. Osmar, Adelson, Sueli, Oswaldo, Nenem, Arildo, Onofre e Zé Elias estão firmes no propósito de manter a cidade limpa. Estamos até fazendo uma vaquinha para distribuir uns adesivos educativos para carros.

Segunda-feira, debaixo da maior chuva, uma senhora de no máximo 50 anos, entrou no meu carro com um saco de biscoito. Comeu, comeu e depois, descaradamente, jogou o saco na rua, na Savassi. Só não parei porque tinha um ônibus na minha cola. “Minha senhora, tenho uma lixeira aqui na frente”, falei. Ela sorriu sem graça: “É o costume”. Agora, pense bem, amigo leitor: chovendo, a mulher abre o vidro e dispensa o saco no asfalto… na maior cara de pau do planeta. Isso é das poucas coisas que me tiram do sério. Tenho um passageiro, advogado, que adora mascar chicletes. Já perdi a conta de quantas vezes o vi embolar a goma na ponta dos dedos e jogar na rua. A cena é bizarra: o cara de terno, alinhadíssimo, dando peteleco em bolinha de chiclete no ar. E tem gente que acha exagero da minha parte. “Exagero, Josiel. O povo de BH até que é educadinho”, disse a Tia Eneida, domingo, na casa da Sueli. “Educadinho”, dona Eneida!? Educadinho é um porco arrumadinho.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 21/12/11

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A BH que eu amo


Keven resgatou com o cabo da vassoura o banquinho de madeira feito pelo avô a boiar na Linha Verde. “Um presente, Kevinho. O vovô fez pra você”, retumbou a lembrança quando trouxe o móvel salvo ao teto, único ponto de sobrevivência do barraco no Bairro Primeiro de Maio. Sentou-se sob as chuvas que castigavam Belo Horizonte. A imagem do avô, pedreiro, vindo de Taquaraçu de Minas nos anos 1960 para tentar a vida na cidade grande, não lhe deixava o pensamento. Ainda mais porque na manhã seguinte ao presente – o banquinho –, o velho Ananias foi abatido por mal súbito, encaminhado ao pronto-socorro e de lá para nunca mais. O adolescente era unha e carne com o mulato forte das barbas brancas e do coração cansado. “Tá descendo aí o meu pai”, chorou diante da cova no Cemitério da Paz, em 2000. Na época garoto, Keven não tinha somado 15 anos.

A morte do Ananias virou ao avesso a família. O barracão de três cômodos, única herança, foi motivo de discórdia, já que Tuca e Chumbinho só pensavam no dinheiro. Keven, o mais moço dos três irmãos sem pai, foi o único a se preocupar com a mãe, que teve quadro de doença psíquica agravado com o fim do arrimo da casa. Selma, em tarde de crise, saltou da passarela para mergulho no asfalto da Avenida Cristiano Machado. Na velocidade trágica do instante, foi um caminhão de combustível a fazer o serviço. De volta ao cemitério, em menos de ano, Keven viu a terra vermelha cobrir caixão barato mais uma vez. Os irmãos, ocupados com assalto pé de chinelo, não compareceram. Órfão e desamparado, Kevinho olhou para os lados e não disse palavra. Suspirou profundo apenas e decidiu vencer na vida. Deixou de lado amigos suspeitos e começou a trabalhar pesado para juntar dinheiro e comprar a parte dos irmãos no imóvel. Sentia no lugar a presença do avô, que ergueu sozinho tijolo por tijolo.

Em quatro janeiros, sem gastar tostão fora do que é necessário, o mocinho pagou no papel de ajudante de obra a parte de cada irmão. “Agora, cacem seu rumo”, disse com firmeza, no dia em que completava 19 anos. Caçaram nada. O bom coração de Keven permitiu que Tuca e Chumbinho continuassem por lá sempre que careciam de abrigo limpo e comida na geladeira. Às vezes, sumiam por meses. Volta e meia, o ajudante de pedreiro voltava para casa e encontrava um dos irmãos na salinha, de prato na mão: “Tô no apuro, mermão. Não esculacha”. Fazer o quê? Sentar e comer junto. No fundo, Keven até gostava de saber que eles estavam vivos e livres. O volume do Córrego do Onça desespera. E o tempo, como filme a rodar a cabeça do corpo do bom moço, encharcado, sentado no banquinho sobre a laje do barracão. As águas já cobriam as paredes. Impávido, Keven não arredou os pés da propriedade, arrasada pelas chuvas. Ficou ali a relembrar o avô e a mãe, enquanto a BH das obras, do futuro e da Copa do Mundo, derretia em estado de emergência.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 19/12/11

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

BH e a falta de educação


Nem é preciso ser crescido e criado em Belo Horizonte para ter opinião formada sobre a chuva que, entra ano, sai ano, promove o maior estrago na cidade. A tempestade de ontem, em menos de uma hora, fez correr perigo moradores de vários bairros. Tenho amigos no Prado que descreveram o ocorrido como “calamidade”. Teve gente que foi arrastada pela força das águas e muitos moradores e comerciantes tiveram prejuízos consideráveis. Graças a Deus nenhuma vida foi perdida. É a boa notícia em meio ao caos que se repete. Passado o temporal de segunda-feira, em casa, na calma das chinelas e com o céu mais manso sobre o telhado, desço a caneta na caderneta de papel pautado para discorrer o que penso sobre o assunto.

Em primeiro lugar, não dá para desconsiderar o adensamento urbano, com o crescimento desordenado da metrópole. Onde haviam casas, hoje, são prédios e mais prédios. Dentro da Avenida do Contorno, há até pontos – e conheço vários – em que predinhos de três e quatro andares deram lugares a torres com pisos a sumir de vista. Matemática simples essa: com o volume de lixo, de esgoto, de redes elétricas e de telecomunicação, mais o asfalto e o peso do concreto multiplicado somam muito mais do que o solo aguenta. Alguém tem dúvida disso? Basta contar as árvores perdidas – cortadas no toco ou mutiladas aos montes – em nome do progresso. Progresso? Que progresso é esse, amigo leitor?

Outro ponto polêmico do caos que toma conta da cidade com as chuvas é a falta de educação do belo-horizontino. Sei que vai render – toda vez que toco no assunto, chove reclamação, dizendo que estou generalizando. Mas não é isso. É claro que na cidade tem pessoas conscientes que fazem a sua parte. A minoria, infelizmente. Por isso, repito: a grande maioria não tem educação. Não sabe e não se importa com a cidade. É lixo espalhado por gente de todas as idades. Cansei de ver mocinho e mocinha jogar embalagens de picolés, balas e doces no chão, na presença dos pais, e ficar por isso mesmo. O Adelson, semana passada, comprou briga porque chamou a atenção de um garoto no zoológico. O rapazinho, de uns 12 ou 13 anos, jogou uma garrafa pet e um marmitex amassado na rua. E na frente da família, em piquenique, amontoada sob copa frondosa. “O pai do menino fingiu que não viu, Josiel. Vê se pode! E quando mostrei a lixeira para o garoto, o cara veio tirar satisfação comigo”.

Rodo muito e vejo coisas que me dão vergonha de ser desta cidade. Nos carros, por exemplo a coisa chega a ser criminosa. O camarada fuma, fuma e lasca a guimba pela janela. Outro dia, o carro da minha frente, no sinal, resolveu fazer uma faxina no possante e jogar o lixo sem nem olhar para fora. Fiquei de cara com a falta de consciência do indivíduo. Absurdo flagrado em toda a cidade, praticado por cidadãos de todas as idades e classes sociais. Já vi lixo voar de dentro de carro importado, de ônibus e caminhão. Será que não é de conhecimento público que o lixo é dos grandes responsáveis pelos problemas de escoamento das enxurradas? É o que diz sempre o velho Botelho: “Pior que o homem, só o homem.”

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 14/12/11

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Bodas de cristal


Verão. Aniversário de casamento. Palmira e Wenceslau sonharam programa diferente para festejar 15 anos de união. Na praia, claro. Sem a mulher saber, o comerciante resolveu fechar suíte do melhor motel de Guarapari para a ocasião. “Em Guarapari, Wenceslau!?”, duvidou o amigo, Moisés, colega de shopping popular. “Tamo indo amanhã. E, além do mais, tô podendo fazer essa extravagância, você sabe”, sorriu. Já Palmira era só empolgação: “15 anos. É tempo demais da conta. Misericórdia! Hoje em dia não é para qualquer uma. 15 anos! Tô até desconfiada que ele vai me fazer uma surpresa. É que ele anda falando baixo, meio escondido, no telefone. A gente vai tá na praia. Quero só ver. Comprei uma lingerie...”, contou, toda sapeca, para a Augusta, colega docente.

Estrada adentro, silêncio. Só sorrisinhos marotos, no canto das bocas, por nove horas de volante. Nunca foram de muita conversa. Havia quem dissesse que era este o segredo da união tão duradoura. “Casal que conversa demais dá bom-dia a cavalo. Está ali homem e mulher que sabem das coisas”, dizia em coro a vizinhança, no Vale do Jatobá. Não que não gostassem de boa prosa. Com os outros até que eram bem falantes. Mas, de fato, em casa, nunca foram de jogar conversa fora. Comunicavam-se muito com o olhar. Bastava o Wenceslau fitar a Palmira para ela ler seu pensamento. E vice-versa: era só a Palmira inclinar o olhão azul para o lado do Wenceslau, que ele tinha certeza do que ela estava querendo. E assim tocavam a vida de acordo: 15 anos!

De poucas palavras, o assunto predileto do casal era sexo. Entre os dois, uma harmonia. “Satisfação 100%”, ele fazia questão de dizer. Os amigos jamais entenderam porque o Wenceslau, em 15 anos, jamais pulou a cerca. Sério. Desde o sim na igrejinha do Barreiro, o moço sequer deu brecha para qualquer tentação. Para a cambada amiga, mérito da Palmira, “boa de cama”, que soube “trancar-lhe o quadril”. Quando conheceu o Wenceslau, teve certeza: “É ele”. E foi para nunca mais dar mole para ninguém. Leal como não costuma existir. Juntos: a fome e a vontade de comer. Daí, não havia jeito melhor de festejar os anos de sexo de qualidade: no céu com a bunda de fora.

Fim da estrada. Wenceslau sorriu safado e deu lenço vermelho para a mulher, que, sem demora, entendeu que era para os olhos. Não só amarrou a venda, como, para apimentar a intenção, desceu a calcinha minúscula sem tirar a saia. Foram direto para a suíte do “Toca do Coelho”. Lá, a coisa ferveu. Só que o Wenceslau teve um piripaque grudado na mulher, ensandecida, no minuto que precede o paraíso. Foi preciso ambulância no motel para resgatar o Wenceslau. Mais tarde tudo ficou bem. Difícil foi encarar os funcionários do hospital na semana de internação. Cidade pequena. O povo fala. E como fala.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho- 12/12/11

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

O espírito do Natal


Inesquecível ver duas mil crianças abraçadas pelo Papai Noel na manhã de sábado pela Jornada Solidária do jornal Estado de Minas, no Bairro Buritis. Balançou-me testemunhar a emoção da criançada de 23 creches de Belo Horizonte e Região Metropolitana ganhar o ginásio do Uni-BH – tão carinhosamente preparado para a importante ação social. Disciplinados, em fila, descalços pela liberdade de saltar em brinquedos infláveis, mocinhos e mocinhas, de até 7 anos, correram aos pulos quando a entrada foi liberada. Do lado de dentro, dezenas de voluntários formavam corredor de aconchego para a recepção. Vi quando a professora Luciana Cândida, da creche Santa Sofia, do Morro das Pedras, entrou no salão com seus 34 pupilos, todos de pulseirinhas de identificação, numa serelepice só. Foram os primeiros a chegar. “A expectativa é muito grande. O melhor de tudo é ver a alegria deles”, conta a educadora.

Com a entrada dos pequeninhos homenageados, o galpão em fantasias e uniformes multicoloridos é pura farra. A garotada aproveita a leveza dos pés no chão e corre, brinca, pula e pinta. E borda – os mais abusados até puxam o rabo do Tigrão, azaram o Bob Esponja e cutucam o Shrek, gigante verde, atração de destaque. “Calma aí, garotada!”. Nada que uma bronquinha da gentil assistente não dê jeito. Para manter a ordem, dezenas de voluntários, bem distribuídos pelo amplo galpão coberto, estavam atentos ao menor sinal de descuido. Vez por outra o microfone anunciava moçoilo ou moçoila desgarrado. Super-heróis, fadas, princesas, palhaços e protagonistas de desenhos davam brilho especial à animação. Batman, o homem-morcego “voa” baixo. Tem no encalço uma dúzia de intrépidos sujeitos. Sorrisão para foto. Uma beleza. O Homem-Aranha não fica atrás e também faz cena para a posteridade entre a meninada. Rafael Costa Reis, pequeninho, de 3, abraça a Bela Adormecida como quem parece viver conto de fadas. “Ela é linda”, diz baixinho.

A Jornada Solidária é a coroação de trabalho de empenho e dedicação de todo o ano. Ao longo de 2011, várias atividades foram realizadas para arrecadar fundos que vão beneficiar crianças de áreas de grande exposição a sérios problemas sociais. Creches são reformadas e aparelhadas pelo bem da comunidade. O programa tem 47 anos e já atendeu mais de 1,6 milhão de mocinhos em calças curtas. Glaucia Alessandra Pereira, de 36 anos, do Bairro Jaqueline, se desdobrava, ao lado de outros educadores, para acompanhar o pique de 60 crianças da creche Santa Terezinha. A professora destaca que, além dos recursos financeiros doados, a interação com outras comunidades é outro ponto importante para as crianças. “Natal é união. É uma melhor compreensão da importância da família”, ressalta.

Célia Alves Pereira, do Centro Comunitário Infantil Caminhando com Jesus, do Bairro Camargos, fala das histórias de vida sofrida de muitas das 120 crianças sob seus cuidados. “Sinto-me como aquele passarinho que leva água no bico para apagar o incêndio na floresta. O Brasil seria outro se existissem mais programas como a Jornada Solidária”, afirma. Andante ginásio adentro, guardei cenas lindas de se ver e contar. Fui tomado de especial alegria ao ver o bom velhinho, incansável, distribuir dois mil carinhos, com direito a fotos e beijinhos. Taí: é esse o espírito do Natal.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 7/12/11

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Gritos do silêncio


Uma cobertura marginal. Para dar mais emoção à tarefa da reportagem longe do campo ou da TV, cronômetro no celular sem conexão com a internet ou notícias do mundo da bola. Envergonhado pela falta de graça da competição nacional em Minas, neste domingo, o vento não parece soprar camisa celeste ou alvinegra no varal à mostra na área de serviço da Rua Maranhão, no Bairro Funcionários. Em Belo Horizonte, a 10 minutos para o Galo encarar a Raposa na casa do Jacaré, Expedito Cândido, o “Pelé”, atleticano, de 58 anos, não parece querer saber de futebol. “Quando o jogo começar, para não passar raiva, vou colocar um bolero no som: Romance de Cuba, sorri, anunciando cervejinha. Não para o jogo. Para a limpeza de dois carros na fila. O lavador arrisca o placar: “0 x 0”. O céu coberto não sugere espaço para o azul. Buzina tímida de motoca amarela quebra o silêncio da Rua Gonçalves Dias. Meia dúzia de foguetes anunciam o início da partida. 17h05. O tempo rola.

Dentro do carro da reportagem, foi preciso endurecer o apelo ao motorista Júlio César, atleticano doente, de 24, para desligar o rádio. “Pelo amor de Deus. É sério?”. Sim. Vamos acompanhar o clássico pelo movimento da cidade. O vazio da Avenida do Contorno lembra a madrugada. Na Praça Floriano Peixoto, em Santa Efigênia, dois amigos, em panos rivais, levam na esportiva o “jogo da degola”. “Acho que o Cruzeiro cai, infelizmente”, prevê o desempregado Edwagner Soares, de 25. Mal fechou a boca, fogos pululam próximo ao quartel da PM. Ao fundo, parado no ar, um berro: “Zêro!” 17h15. Buzinas cortam a avenida. “1 x 0. Roger!”, anuncia o rapaz de patins. Thiago Augusto, o atleticano, não diz palavra. Prefere fitar os olhos de Maria Francielle, que passeia sob as copas. “Acho que vou ver só o segundo tempo. Não quero sofrer o jogo todo”, diz a moça cruzeirense.

17h20. Alguém venta “Galo” da janela de prédio residencial. O som não reverbera. Nem buzina, nem berro irmão. Nada. No ponto de ônibus, em frente à funerária, Eliane de Souza, de 18, torcedora do Cruzeiro, tem fones nos ouvidos. Escutando o jogo? “Não. James Blanche”. Nada de futebol. A auxiliar de serviços quer é balada romântica para fechar o domingo de trabalho. Chega o busão. Fábio Benigno, de 33, atleticano, abre a porta. Satisfeito? “Como? Meu Atlético está perdendo”, lamenta o motorista da linha azul Taquaril. Pelo alto, longe, o céu acinzentado ameaça abrir brecha azul celeste. 17h35: mais fogos numa rajada. O barulho não espanta a pomba branca, solitária, em pose para fotografia, sobre fio de alta tensão em frente ao restaurante de luxo. Mais fogos e gritos de “Gaaalo!” e “Zêeeero!” num bar de esquina. (?) Não dá para saber o resultado. Os uivos pelo time da Raposa se repetem. 17h40. Em festa, o moço barbado grita de dentro do carro no semáforo: “3 x 0”.

Dentro do circular amarelo, o professor de artes Henrique Albuquerque ruma a rodoviária. Tem a sede nos ouvidos. “Tentei ficar sem ouvir o jogo… não teve jeito. A cidade inteira está em polvorosa”, diz com a orelha em pé na partida, de ponto eletrônico no ouvido. “Acharam um atleticano infiltrado lá no campo”, comenta. Hora de voltar para o carro da reportagem. Júlio César está que não se aguenta. Desliga o rádio. “Nenhum torcedor do Galo merece isso! É muita sacanagem”, sofre. Foguetes voltam a pipocar e sugerem o final do primeiro tempo. Na rodoviária, o movimento é intenso. Pouca gente ligada no confronto dos clubes da cidade. Marília Santana, de 25, estudante de psicologia, chama a atenção. De celular entre os dedos, tem o livro Ciência e comportamento humano, de B. F. Skinner, ao alcance das mãos. Sofrendo? “Sim, mas porque o Vasco está ganhando do meu Flamengo”. Baiana de Mortugaba, candidata a mestrado em Brasília, tem relação muito particular com o esporte.

Perturbação

De volta ao carro do EM, Júlio César comenta que o primo, Marcinho, lá da Arena do Jacaré, já começou a perturbar o sossego dele. “Ligou de lá, acredita?” Na Via Expressa, a mulher do carro ao lado mostra a mão cheia para um motoqueiro. “Não. Isso não. Outro gol do Cruzeiro? Pelo amor de Deus, deixa eu ligar o rádio?” Buzinaço. Outro motorista, no sinal, dá a notícia: “Gol do Galo”. 18h30. No Bairro Coração Eucarístico, amasso na esquina. Casal, entre mesas vazias no bar, namora ao som do DVD de banda pop brasileira. Sem futebol na TV? “Aqui, por segurança, a gente não vê futebol em dias de clássico”, explica o garçom Jucélio Xavier, sorridente, torcedor do baiano Vitória, da Segunda Divisão. Na pracinha, o maior barulho quem faz é o bem-te-vi na frondosa castanheira. O céu já é mais azul naquelas alturas da rua de nome santo. 18h45.

No caminho de volta, nosso motorista é silêncio. Pelos bares de ruas e avenidas da cidade, torcedores atleticanos de braços cruzados. Muitos fogos no Barro Preto, nas proximidades da Praça Raul Soares. 18h55: na Avenida Amazonas, em frente ao Edifício Tupis, farra nas duas pistas. Buzinaço. No terceiro andar do Edifício Assumpção, uma moça de camisa azul grita “Zêeeero!” três vezes da janela, em coro com outros moradores da Região Central. Conta alto e bom tom o placar final: “6 x 1”. Convidada, Roberta Oliveira, de Três Marias, estudante de administração, desce para falar com a reportagem e faz pose, numa só felicidade, tendo como fundo o lendário prédio “Balança Mas Não Cai”.


Na foto de Gladyston Rodrigues, companheiro do Estado de Minas, Roberta extravasa diante do edifício cujo nome simboliza a jornada do Cruzeiro: "Balança Mas Não Cai"


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 5/12/11