Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Alice está de volta


"Alice ao avesso", da Querida Companhia de Arte, faz ensaio geral hoje no teatro João Ceschiatti, no Palácio das Artes. A estreia na boa casa intimista vai ser amanhã, às 21h. A peça é agrupamento comandado pelas atrizes e produtoras Ana Cândida Cardoso e Paula Sá (na foto, Alice e Coelho). Desde o ano passado, quando foi criado, o espetáculo caiu nas graças dos fãs de Lewis Carroll. Em janeiro, o professor e crítico de arte Marcello Castilho Avellar escreveu:


A lógica do absurdo

O romance Alice no país das maravilhas, de Lewis Carroll (1832-1898), pertence a uma categoria integrada por poucos membros. Mais do que contar uma história ou apresentar personagens e peripécias, propõe ao leitor uma lógica que pertence exclusivamente ao universo da ficção, que não finge ter vínculos objetivos com as lógicas do mundo real, e povoa-a com arquétipos. Talvez por isso sua adaptação para outras linguagens seja tão difícil, como verificamos recentemente no filme homônimo dirigido por Tim Burton. O espetáculo Alice ao avesso, que Jefferson da Fonseca dirigiu para a Querida Companhia, vence exatamente por compreender a singularidade do material em que se inspira.

Alice ao avesso não pretende simplesmente recontar no palco o livro de Lewis Carroll, nem explicá-lo. Na essência, aceita sua lógica absurda, assume seus arquétipos e verifica sua atualidade. Arquétipos, como entes do inconsciente humano, tendem à atemporalidade. Se no século 19 criaturas como Alice ou a Rainha de Copas falavam das contradições da Inglaterra vitoriana, no Brasil do século 21 elas continuam capazes de dizer algo, mesmo que este algo seja diferente do que era há século e meio atrás. Uma festa, música eletrônica, piadas e situações contemporâneas constituem o material colocado sobre a estrutura criada pelo autor. No processo, Alice ao avesso fala ao espectador tanto de seu tempo quanto do que ele divide com milênios de história humana, dos medos contemporâneos ao fascínio pelo desconhecido que parece inerente à humanidade.

É produção que confia mais no elenco que em recursos materiais. E os jovens intérpretes se saem bem, transformam em algo que parece ser deles a história escrita por outro e sonhada por muitos. Se não chega a fazer de sua precariedade material um manifesto estético, Alice ao avesso pelo menos é capaz de incorporá-la a certo clima de teatro underground que combina tanto com o espaço em que se apresenta – o Sesi Holcim é apertado, claustrofóbico – quanto com o clima onírico que propõe. O resultado é algo que consegue produzir desconforto mesmo enquanto diverte. (Marcello Castilho Avellar - Estado de Minas)

ALICE AO AVESSO
Estreia amanhã, dia 27/5. Teatro João Ceschiatti - Palácio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537). Ingressos na bilheteria a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia). Sextas e sábados, às 21h, domingos, às 19h.


Informações técnicas

"Alice ao avesso" é livremente inspirada na obra de Lewis Carroll – "Alice através do espelho" e "Alice no país das maravilhas" – e dá sequência ao trabalho de pesquisa iniciado pela produção em "Chovia, mas os ladrões não usavam guarda-chuvas" (2005-2006). No elenco, Ana Cândida Cardoso, Emílio Zanotelli, João Porto, Lílian Campomizzi, Paula Sá e Wallison Reis.

Alice ao avesso
Da obra de Lewis Carroll

Produção: Querida Companhia de Arte
Adaptação e direção: Jefferson da Fonseca Coutinho
Cenário e projeto de luz: Criação coletiva
Figurino: Ana Cândida Cardoso
Maquiagem e objetos de cena: Mauro Gelmini
Trilha sonora: Wallison Reis
Fotografia: Adriana Porto
Vídeo: Antônio Mourão

Contatos:
Ana Cândida – 3261-5605/8869-2808
Paula Sá – 9637-1416

Mais informações:
http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdNoticia=160394,OTE&IdCanal=4
http://jeffersondafonseca.blogspot.com/2010/10/alice-ao-avesso-estreia-amanha.html

quarta-feira, 25 de maio de 2011

O Brasil do jeitinho brasileiro


Na praça, entre os colegas de volante, há ainda quem se ofenda quando o assunto é a mania que muito brasileiro tem de querer levar vantagem, mesmo que para isso tenha que dar as costas para valores éticos ou morais. É aquela velha história que ficou famosa como “Lei de Gérson”, lembram? Muita gente sabe, mas para o jovem leitor do Aqui, vou explicar. Gérson, famoso jogador da seleção brasileira de futebol, dos anos 1970, fez propaganda muito badalada para uma marca de cigarro barata. Nela, ele dizia assim: “Gosto de levar vantagem em tudo, certo? Leve vantagem você também”. Pronto, bastou. Daí, dos anos 1980 em diante, esse lance de querer levar vantagem em tudo virou “Lei de Gérson” ou Síndrome de Gérson”.

O fato é que a expressão por tempos virou moda e retrata bem aquela gente que adora dar um jeitinho nas coisas. O assunto ganhou a coluna de hoje porque, ontem, o Plínio, companheiro bom de volante, recém-chegado ao “Clube da Janta”, saiu em defesa do povo brasileiro, à noite, quando a conversa fervia sobre a questão dos perueiros: “Esses piolhos e perueiros... isso é um problema isolado. O Amadeu não pode falar que o brasileiro é assim mesmo, que gosta é de passar a perna nos outros. Não concordo. Tem gente que faz isso e tem gente que não tem nada a ver com isso. Tenho mais de 50 anos, posso falar porque sei do que estou falando: o brasileiro é bom, alegre, trabalhador. Só que a gente tem que entender que em todo lugar é assim: tem a maior parte de gente honesta e um bocado que não presta”.

Tomei nota de tudo, até da rima, para poder compartilhar com o amigo leitor. Mas o debate ferveu foi quando o Plínio disse que entendia alguns perueiros: “Entendo sim. Já tive um amigo que, desempregado, sem nenhuma condição de arranjar outro trabalho, colocou comida em casa por quase um ano como perueiro”. Aí, o Amadeu jogou pesado e carregou na fala:

“Foi bandido. Não tá certo. A gente se mata para dar conta de se manter na legalidade, aí aparece um sujeito desse, tenha ele a razão que tiver, e vai fazer transporte clandestino de passageiro? É um absurdo. É querer dar um jeitinho pra levar vantagem. É muito mais lucrativo ser perueiro do que ficar batendo o volante na praça como a gente faz. Digo e repito: esse povo não tem jeito. É em tudo o que é lugar. É aqui, é em Confins, é em Brasília. Olha só esse Palocci... Na política e em todo lugar que tem poder, que circula dinheiro, tem gente que aprende rápido a tirar algum proveito. Minha mulher já foi contadora, fazia muita declaração de imposto de renda pra gente cheia de dinheiro. Já soube de cada coisa, de cada tramoia, que pediam pra ela fazer. Ela até largou de fazer esse trabalho de tanta coisa absurda que queriam que ela fizesse. Esse povinho brasileiro não tem jeito não. Até o sujeito comprar carro com desconto especial para deficiente em nome do primo eu já vi”.

É, Amadeu. Aí, fica difícil.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 25/5/11

segunda-feira, 23 de maio de 2011

O filho da noiva


Vera teve o Mateus menina ainda. Mal havia completado 17. Enfrentou o cão quando soube da gravidez por estripulia de amor com o Fabinho, colega de sala de aula. A pior barra foi abandonar a mãe, dona Silvéria, que queria porque queria o aborto: “Vai tirar sim! Vai tirar porque eu não tirei, aí, comi o pão que o diabo amassou, sozinha, com você”. Verinha deitada estava, deitada ficou. De olhos fechados, moída por dentro, continuou ouvindo o vômito da mãe:

“Esse seu namoradinho é que nem o pilantra do seu pai. Vai dar no pé e deixar você na pior. Até hoje tenho que me matar como empregadinha dos outros por covardia. Porque não tive quem me desse apoio, como eu estou dando pra você. Vê se entende, criatura: vai tirar e ficar livre disso pro resto da vida. Isso aí não é brincadeira de boneca não, menina! Tô falando é pro seu bem. Quando você tiver o seu dinheiro, a sua casa, aí, você faz o que bem entender. Mas, aqui, é na minha regra. Vai tirar sim! Tá aqui na mesa o dinheiro e o endereço da clínica que eu arranjei. Procura lá a tal da Dasdor”.

Verinha esperou a mãe, como de costume, cair no sono diante da TV e deixou o barracão do Bairro Rio Branco com a roupa do corpo. Andou a madrugada até tomar lotação rumo a casa de Mércia, gentil professora, que havia assumido a direção de colégio em Vespasiano. Depois de contar o ocorrido, recebeu abraço e silêncio de conforto. Fortalecida pelo apoio da pedagoga, decidiu fazer docinhos para vender na nova escola e dobrar o destino. Tamanho capricho da feitura, não demorou três meses para que o sabor da palha italiana de Vera se espalhasse pela região.

Enquanto isso, no Rio Branco, Fabinho, 19 anos, pai do filho que a garota esperava, corria meio mundo atrás de notícia. Até a cidade de Curvelo o motoboy esquadrinhou depois de ouvir de dona Silvéria: “Deve de tá lá, moleque. Já fez isso antes. Tá na casa da tia que não gosta de mim. Levou o problema pra lá. Melhor assim”. A informação correta veio de uma funcionária da ex-escola da moça. De tanto o garoto insistir, a secretária ligou para Mércia, que permitiu que ela desse ao moço o endereço em Vespasiano. Na mesma noite, na sala de visitas, os dois se acertaram de mãos dadas.

Foi tudo muito rápido. Trabalhador, o casal alugou casinha na mesma rua de Mércia. Lá, os dois jovens foram viver juntos e, sem deixar os estudos, aumentaram a produção dos docinhos. O Fabinho passou a comandar a distribuição. E assim tiveram o pequeno Mateus, que começou a andar cedo, amado e cheio de saúde. Sábado de maio, em igrejinha sem preconceito, com decoração de bom gosto, o mocinho venceu 25 metros de tapete vermelho, levando as alianças dos pais. No último banco, em segredo, vovó Silvéria ouviu muda o burburinho geral: “Não é lindo o filhinho da noiva!?”.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 23/5/11

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O garanhão da cabeça branca


Nadeo era o bicho. Traçava todas. Depois que descobriu o viagra então, turbinou o entusiasmo. Quando casado era vez por outra. Ficou viúvo, não deu outra: encapetou-se. No ápice da melhor idade (84 anos completados no início do ano), não podia ver um rabo de saia. Os amigos do carteado e da sinuca comentavam: “O Nadeo é o cara!”


Nadava três vezes por semana. Caminhadas, musculação e dança de salão. De tudo ele fazia. Sua maior fonte de renda estava nos aluguéis. Em 70 anos de trabalho construiu vários barracões e lojas em Venda Nova. Filhos e netos encaminhados na vida, o resto era curtição. Cabine dupla; moto (ele adorava uma motocicleta) e, claro, mulheres.


E só gostava de menininhas: “Gosto daquele jeitinho desengonçado das mocinhas de 20, vinte e poucos. Passou dos 25, pego não. Dá mais trabalho.” Até que conheceu Selena. Mocinha de Ibirité, 26 aninhos, branquinha e de boas carnes. Foi na padaria, depois da ginástica. Em trajes de atleta, ele chegou na balconista:


– Ainda não conhecia você.

– Estou começando hoje. O senhor quer mais alguma coisa?

– Você. Me chame de você…

E Selena não deu muita trela. Tinha namorado. E, por dias, o Nadeo marcou em cima, ficou na cola, com simpatia e gentileza. Na segunda semana, depois que soube de um pequeno desentendimento entre o casal, resolveu dar presentinho:

– Uma lembrança…

– Sério? Não faz zoação!

– Abre.

– É lindo!

Um vestido curto, azul piscina. De alcinhas finas. Custou-lhe os olhos da cara. Mas para a Selena ele estava disposto a dar tudo. Queria porque queria arrebatar a ninfa. Aproveitando o clima provocado pelo mimo, deu o bote:

– Gosta de festa?

– O quê?

– Festa. Gosta de uma festinha?

E, por educação, talvez, Selena topou o convite para o aniversário dele, num sítio em Betim. Conversa. Ele era de fevereiro. Isso era julho. Sábado. Ela conseguiu folga na padaria. Eles chegaram cedo para curtir a piscininha. E durante todo o dia, com talento de ator, ele resmungava: “Não vem ninguém. Todo ano é assim! Nunca vem!” E ela, doce: “Ainda é cedo…”

O fato é que, brigada com o namorado, a branquinha das boas carnes começou a gostar daquela história de dona da casa. Cervejinha na cabeça, olhou para o Nadeo de sungão e pensou: “Até que não é nenhuma desgraça…” E cedeu à armação do velho tarado.

Selena esperou a noite chegar e colocou o vestido azul. Sem roupas íntimas, uma indecência. Fez charme em jogo de pernas de matar de inveja a Sharon Stone em seus tempos de glória. Os dois dançaram em sarro adolescente.

Foram para a suíte no andar de cima… e, ali, na cama, o garanhão serelepe sofreu infarto fulminante. Bateu as botas sem ao menos desamarrar os sapatos.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Com a palavra, o leitor

Neste quintal, desde sempre, preserva-se a liberdade de expressão. Por ocasião da coluna da semana passada – “Os médicos e o bafo do dragão” –, Joaquim Duarte Pinto, respeitável leitor, de Varginha, no Sul de Minas, enviou o e-mail a seguir:


“Prezado Josiel,

Não sou nem nunca fui de enviar mensagens a articulistas, limitando-me apenas a gostar ou não do que leio. Mas no seu caso fiz a primeira exceção e o fiz com grande satisfação, pois o assunto de que tratou em sua coluna – que leio diariamente – tocou-me diretamente, tratou de coisas que a mídia em geral se recusa a mencionar, possivelmente por medo da famigerada ‘máfia de branco’.


Tudo aquilo que li em seu artigo já vivi e até bem mais nas minhas 82 bem vividas primaveras. Ao longo dos anos vi a medicina se transformar num imenso balcão de negócios, onde o interesse pecuniário ocupou o lugar do tratamento digno dos pacientes, notadamente no que diz respeito aos usuários de planos de saúde. O cliente hoje em dia é visto pela grande maioria dos médicos meramente como um cifrão. O ser humano que ali está, que aceite o que lhe é oferecido e ainda agradeça pela graça de ter sido atendido.


Como desde algum tempo deixei de confiar em nossos médicos, pouco os procuro e, quando o faço é para fazer um check up periódico. E mesmo nessas poucas vezes, enfrento o pouco caso dos profissionais que, em sabendo tratar-se de cliente oriundo de plano de saúde, realiza um exame tão perfunctório, tão superficial, que ainda que fosse ele um vidente, jamais poderia atinar com o mal que poderia estar me afligindo. Mas uma coisa é certa: fatalmente ele me indicará o laboratório onde fazer a análise, a clínica de um parente ou amigo para fazer algum exame complementar, ou coisas do gênero. Já me indicaram como de extrema necessidade fazer um cateterismo, em virtude da minha pressão ‘altíssima’ – 9 x 14. Não é preciso dizer que quem faria o cateterismo era ele mesmo.


Em outra instância, sentindo uma forte dor muscular na perna esquerda (essa foi bem recente) fui procurar um especialista no ramo, médico de renome aqui na cidade. Em menos de cinco minutos de consulta, na qual ele procedeu a somente alguns movimentos com a perna afetada, diagnosticou tratar-se de ‘má irrigação sanguínea’ e indicou-me um colega,cirurgião vascular, para tratar do meu caso. Ainda que não acreditando muito, eu fui. Esse médico, que por sinal, procedeu a um exame mais meticuloso e insinuou que ‘meu colega deve ter bebido um pouco além da conta’. Era dor reumática mesmo e tive que me submeter a trinta sessões de fisioterapia. Claro que em uma clínica indicada por ele. Só algum tempo depois é que eu atinei com o "recado" que o reumatologista quis me dar: que o meu caso era de ‘veiíce’.


Mas até que eu me considero um afortunado. E os que, em número cada vez maior, são alvos de erros médicos, morrendo em virtude de ‘barbeiragens’ inadmissíveis numa profissão como a medicina. A menina que em vez de soro recebeu vaselina líquida; a que perdeu uma perna (faleceu recentemente) depois de sofrer queimaduras de terceiro grau pelo contato da placa negativa do bisturi elétrico; amputação de membros errados, e uma infinidade de outros casos que seria enfadonho enumerar. E eles continuarão a cometer esses erros, pois sabem perfeitamente que jamais sofrerão algum castigo: a ‘máfia de branco’ sabe como proteger os seus membros. Os conselhos regionais de medicina recebem as denúncias e engavetam-nas até que o fato seja esquecido e o autor estará de novo sorridente, prontinho a perpetrar novas barbaridades.


E a classe reclama que os planos de saúde pagam mal. Eu até concordo, se comparado ao preço exorbitante que cobram pelas consultas particulares. Mas aqui eu faço uma pergunta: se são tão mal pagos, por que vivem implorando às operadoras que os incluam em suas listas? Digo isto de cadeira, pois meu filho trabalha justamente nessa parte administrativa de um conhecido plano de saúde regional e recebe diariamente dezenas de pedidos para novas inscrições, ao ponto de a operadora ter agora endurecido as normas para a admissão de novos médicos, obrigando o candidato a prestar exame de títulos e conhecimento prático. Portanto, essa reclamação me parece de quem chora de barriga cheia, uma vez que é o chamado ‘pinga-pinga’ de clientes proporcionado pelos planos que lhes garante as gordas receitas mensais, pois se fosse viver dos particulares, a maioria morreria de fome.


Meu caro Josiel, desculpe esse meu longo desabafo, mas é preciso que alguém lúcido como você empunhe a bandeira contra esse estado de coisas, contra esse maus médicos que, em vez de terem feito o juramento de Hipócrates, no máxino fizeram o juramento dos Hipócritas. Muito grato pela atenção.”


Bandeira Dois - Josiel Botelho - 18/5/11

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Coisas do futebol


Não bastasse a maré de desgosto com a mulher Djanira, seu time de paixão tinha que perder o campeonato. “Isso não. Tô cagado de Arara”, lamentou quando o juiz apitou silvo longo, colocando fim ao dissabor de dois tempos. É duro. O Murta se preparou bem cedo para a final. Nem se importou com o esculacho da Djanira, ainda no café da manhã: “Tenho que dizer porque tô que não me aguento. Tô até aqui de agonia com esse seu trabalho. Todo dia, trazendo serviço pra casa. Você tá perdendo a família e nem tá vendo. Tchau! Tô indo pra mamãe”. E saiu pisando duro 23 passos até à casa da frente, da dona Conceição.

No barracão de fundos, o Murta terminou de mastigar o pão dormido e subiu para a laje com vista para a Avenida Vilarinho. Lavou o lugar e ajeitou o bandeirão para que todo mundo soubesse que ali havia um futuro campeão: “É hoje!”, pensava. Subiu com rádio, cadeira, mesinha, churrasqueira elétrica e caixa de isopor abastecida, abarrotada de cerveja, comprada há mais de semana para a ocasião. Lá embaixo, da janela da casa da mãe, a Djanira observava tudo, com pena do maridão: “Coitado”.

O casal, sem filho, não era de todo problema. Havia muito sentimento construído naqueles sete anos de casamento. A questão é que nos últimos tempos o Murta estava trabalhando dobrado em busca de futuro melhor. E o futuro nada. Djanira, atenta, morria de pena do companheiro. A mulher já estava no limite. Entendia absurda tanta ralação. Por isso, nos últimos meses, vivia a espinafrar a situação. Mas o Murta, estóico, estava disposto a encarar as agruras à espera de dias melhores. Tanto que, naquele domingo, não acreditava em mais um desastre do clube do peito: “Hoje, não!”.

A tarde caiu num instante e o Murta lá, com a carne na brasa para ele só. O almoxarife acreditou minuto a minuto da partida. Torceu, saltou, gritou, xingou e, embargado, engoliu seco. Fim de jogo. Buzinaço. Fogos pipocavam no lote e no entorno de Venda Nova. As bandeiras do time vencedor se multiplicavam, enquanto outras, murchas, escorregavam janelas abaixo por meio mundo envergonhado. “Que fiasco”, dizia baixinho, em coro, batalhão entristecido. Murta ainda ficou sentado, com a bandeira dobrada no colo, com o coração e as asinhas de galinha secos na grelha. Virou golo de cerveja quente, na lata, e pensou na companheira, que o observava do basculante.

Suspirou como quem manda embora o diabo e levantou da cadeira num salto. Desceu a escada de madeira e tomou a mulher pela mão na casa da sogra rival, fardada, a soltar foguetes e fazer carnaval. Voraz, Murta entrou com Djanira no barraco para fazer as pazes e esculachar quadril até a madrugada. Exausto, suando bicas, soprou ao teto: “Que futebol que nada!”. Segunda-feira, feliz, Murta decidiu não trabalhar mais dobrado.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 16/5/11
Cruzeiro – Campeão Mineiro de 2011

A casa é sua

Para a atriz e artista plástica Juçara Costta, os mecanismos de incentivo são lentos e burocráticos


Norma Sueli de Souza quer fazer da Casa MAC um espaço de valorização da arte feita em Minas


Em Belo Horizonte, há quem pense além da cultura de botequim que dá fama à cidade. Artistas como Juçara Costta e Norma Sueli de Souza, que abriram as portas de suas casas ao público com sede de arte na capital da cerveja e do tira-gosto. Seja plástica, cênica, literária ou musical. Antiga ou contemporânea. O Juçara Costta Espaço de Arte, no Bairro Serra, e o Instituto Cultural Manoel Antônio de Carvalho (Casa MAC), na Cidade Jardim, juntos, reúnem de tudo um pouco na programação de seus quase mil metros quadrados de área construída. São dois casarões sonhados e pensados para convivência e experiências culturais, onde acervos particulares estão abertos à visitação com dias e horários regulares. Nos espaços múltiplos, desde o ano passado, ocorrem exposições, lançamentos de livros e eventos, shows, encontros de grupos organizados e encenação de espetáculos.

Sem um único centavo do poder público, as duas casas são mantidas com recursos próprios de suas fundadoras – já que o dinheiro de locação para eventos culturais e bilheteria é pouco. Sonhos que, somados, chegaram a custar R$ 1 milhão em seu primeiro ano de existência, apenas com readequação, manutenção e segurança dos imóveis. Não há levantamento ainda do valor estimado de seus acervos (quadros, esculturas, antiguidades, livros e discos), mas os imóveis valem cerca de R$ 5 milhões. Todo o esforço de sobrevivência pela vontade fora do comum das duas empreendedoras – uma arquiteta de interiores, a outra atriz e artista plástica – em contribuir com o cenário artístico cultural da cidade. Norma, a arquiteta e designer, da Casa MAC, quer ir além e, para o segundo semestre, tem intenção ambiciosa de levar a arte de Minas para Nova York.

“AMA – A Arte de Minas na América pretende realizar mostra para divulgar e valorizar a cultura mineira na cidade de Nova York. Dessa forma, oferecer a um público diversificado, nos 15 dias da mostra, a oportunidade de conhecer um pouco das diversas manifestações artístico-culturais de Minas, representadas por artistas de destaque. Com isso, buscamos também promover o trabalho destes artistas no mercado internacional e estimular a reflexão, a partir de debate sobre a importância da cultura na construção da identidade de um povo”, justifica a presidente da Casa MAC. A equipe do projeto AMA, orçado em R$ 2,5 milhões, está em busca de patrocínio.

Entre os artistas envolvidos estão Milton Nascimento, Marcus Viana, Paulo Braga, Toninho Horta, Yuri Popoff, Sérgio Pererê, Juarez Moreira, Maurício Tizumba, Elisa Paraíso, Flávio Henrique, Márcio Borges, Tavinho Moura, a família Falabella (Vanessa, Débora, Cynthia e Rogério), Yara de Novaes, Rui Moreira, Ricardo Wagner, Yara Tupinambá, Petrônio Bax, Carlos Bracher, Ricardo Carvão, Helena Neto, Pedro de Castro, Zé Bento, Marcos Benjamim e GTO. “A expectativa é muito grande, mas a gente ainda precisa fazer com que o projeto ganhe mais força em Minas. O AMA tem sido muito mais falado em Nova York do que aqui”, lamenta.

Diferentemente de Juçara Costta, no Bairro Serra, Norma já não mora mais em sua casa na Cidade Jardim. O belo casarão construído pelo português Manoel Antônio de Carvalho, no início dos anos 1950, há mais de ano está inteiramente à disposição de eventos culturais, com infraestrutura e administração que buscam viabilizar seus custos mínimos – cerca de R$ 30 mil mensais. “Não é fácil. É um sonho que custa caro. Completamos um ano agora e estamos justamente no momento de rever e buscar soluções. Tem que ser possível. Acreditamos no projeto, mas ainda não encontramos a solução financeira para a casa. Estamos trabalhando para levar adiante a ideia de um espaço consolidado, aberto à diversidade e que promova o encontro da arte com o seu público. Acreditamos em parcerias e este é um caminho natural da Casa MAC”, afirma Norma.

Namoro com a arte
Há muito em comum entre os dois espaços além dos sonhos das duas realizadoras. O mesmo namoro com o futuro e a dificuldade de manutenção da Casa MAC é encontrado no Juçara Costta Espaço de Arte. Na Rua Pouso Alto, 199, no Bairro Serra, também é tempo de fazer contas. Em drible constante no assédio das construtoras, que querem levantar um prédio no lugar, Juçara trabalha pesado para tentar manter seu ateliê, galeria, palco e residência, ao menos, até o fim do ano. Os R$ 16 mil mensais, gastos apenas para manter as portas abertas das 14h às 20h, de segunda a sexta-feira, vêm de economias e de muito trabalho com as artes plásticas desde mocinha, aos 17 anos, quando mergulhou na pintura. A artista, aos 59 anos, filha de empresário bem-sucedido no ramo da alimentação, mais madura, mãe e avó, admite que é hora de olhar para a lua com as contas sob controle.

“Vivi muitos processos na arte e na vida. Passei por muitas transformações e mudanças. Sempre acreditei que o produto artístico só alcança sua maturidade com vivências e experiências. Em todos esses anos, fiquei envolvida nesses processos e agora, com a maturidade , veio a necessidade de buscar a outra parte, que é a estruturação e possibilidades de parcerias e ações viáveis ao mercado de arte e cultura”, conta. Força, poder de transformação, na vida, no teatro ou nas artes plásticas, definem bem Juçara. Quem a conhece sabe. Pouco antes de morrer, em 2004, o respeitado poeta, filósofo e professor Moacir Laterza escreveu: “A audácia suprema de Juçara Costta veremos quando numa experiência inédita sua inventividade passar a delimitar sua experiência criativa no campo restrito do próprio corpo. O corpo, já sede de tanta transformação natural, servirá também de mediação para uma nova metamorfose. Não poderia ser revalorizado de maneira mais profunda com os novos elementos que lhe permitem também as potencialidades de uma fala, de uma ‘linguagem’.”

Assim como Norma, da Casa MAC, Juçara abriu as portas de sua propriedade acreditando fazer diferença numa cidade frágil com os assuntos da cultura por parte do poder público. “Depender de leis, de incentivo é tudo muito lento, burocrático. Sou artista, não sei fazer isso. Estou sendo obrigada a aprender, mas não combina com a minha alma”. Pensando assim, a empreendedora buscou apoio e se cercou de mão de obra qualificada para dar sobrevida às suas aspirações. Hoje, seu espaço conta com administração e produção profissionais.

Num esforço concentrado para subsidiar seu centro de cultura, Juçara começou sexta-feira nova temporada do monólogo Júlia e a memória do futuro, de 2007, com texto e direção de Jair Raso. A peça, que aborda retalhos do universo feminino, fica em cartaz no teatrinho intimista da casa – 70 lugares – até 5 de junho. Sextas e sábados, às 21h, com degustação e exposição de bordados, às 20h.

CASA MAC
Rua Eduardo Porto, 612, Cidade Jardim, (31) 2555-5524. De segunda a sexta-feira, das 14h às 19h.

Em cartaz:
. Exposição Entre as montanhas de Minas, com Beth Lírio, Marília Pierazoli (pintura) e Belkiss Diniz (esculturas). Até dia 31.

JUÇARA COSTTA ESPAÇO DE ARTE

Rua Pouso Alto, 199, Serra, (31) 3225-9882. De segunda a sexta-feira, das 14h às 20h.

Em cartaz:
. Júlia e a memória do futuro. Sextas e sábados, às 21h (degustação e exposição às 20h), domingos, às 19h. Ingressos: R$ 30. Até 5 de junho.


Texto e fotos: Jefferson da Fonseca Coutinho

Estado de Minas - EM Cultura

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Os médicos e o bafo do dragão


E a inflação, hein!? O dragão voltou a galope. Primeiro os combustíveis, depois quase tudo o que é transporte. Nesse ritmo, onde vamos parar? A coisa tá começando a arrochar. Na universidade, entre meus professores, mestres e doutores, o assunto rende. Só perde para o imbróglio dos convênios médicos com os profissionais da saúde. Inclusive, meus colegas, ontem, promoveram discussão saudável durante aula de economia com o Fabrício, doutor em temas que pegam fogo. Provocador – para ver se a turma está antenada com as últimas notícias –, o professor cedeu espaço para debate sobre a questão. Otávio, vizinho de cadeira, é filho de médico. Segundo ele, o pai está possesso com os convênios. Disse que é um absurdo o que as seguradoras repassam para o profissional. “Uma vergonha”, ele disse. E emendou: “Trabalho com o meu pai. Vejo as contas. Esse povo fatura cada vez mais alto nas costas dos médicos”.

A conversa pegou fogo quando Helena, aluna de destaque em todas as disciplinas, resolveu entrar: “Não dá para ficar do lado dos convênios, mas talvez seja a hora dos médicos reverem algumas posturas. Lá em casa, a gente passa o maior sufoco para pagar sempre em dia a mensalidade. Aí, sempre que vou marcar médico para a minha avó, é sempre a mesma história. Nunca tem vaga para o mês. É sempre para dois ou três meses adiante. Certa vez, fiquei tão zangada que liguei para um outro consultório do mesmo médico e disse que a consulta era particular. Vejam só: a secretária perguntou até que horário seria melhor. E para o dia seguinte. Pode? É um abuso. Teve também um domingo que levei meu pai na emergência de um hospital chique que atendia o nosso convênio. Lá, enquanto a gente esperava, pude testemunhar o descaso de um médico com um paciente conveniado. No mesmo dia, depois que meu pai estava melhor, não tive dúvida: escrevi uma carta e fiz questão de entregá-la à direção do hospital. Se o médico foi punido, não sei, mas deixei registrado o meu testemunho. Saúde é coisa séria”, disse. Tomei nota, claro, e pedi para publicar.

O que sei, que já senti na pele, é que já fui muito bem atendido nas Unidades de Pronto Atendimento (UPA), da PBH, e que – por mais incrível que possa parecer – já fui muito mal atendido em hospital bacana, por meio de convênio. Na sala de aula, falei da vez que fiquei muito triste com uma médica que, durante anos cuidava do meu pai pelo convênio. Foi assim: a gente precisou falar com ela, por razões de emergência. Era cedo ainda, numa noite, e ela não deu a menor atenção. Mandou recado pelo atendente do hospital: “Diz para ligar no consultório depois de amanhã”. Francamente. Se fosse particular a história seria outra. Tanto é que conseguimos atendimento particular, com outro médico, na mesma hora. Então, o que posso dizer é que tem alguma coisa muito errada nesta história toda. Os convênios devem precisar mesmo pagar melhor. Mas muitos médicos, certamente, precisam parar de lidar com a saúde como se fosse negócio simplesmente. De resto, depois de dia de debate na universidade, pude concluir que, na doença ou na saúde, a hora é de ficar de olho no dragão.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 11/5/11

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Vai entender o amor


Inês estava para completar 45 anos quando o marido a trocou pela estagiária, 25 anos mais jovem. Um pitel de nome Celeste, de boas carnes e pouco juízo. Embora amasse verdadeiramente o Athaíde, Inês não fez barulho, nem carnaval. Chorou em silêncio e recolheu-se em frangalhos, sem permitir que ninguém a dissesse coitada. Mesmo assim, amigas da advogada e colegas mais próximas da repartição comentavam:

– A coisa se repete.
– Homem é previsível demais.
– Ela sofre. Sei que sofre.
– Devia era arrumar um PA.
– É mesmo.
– PA? O que é isso?
– Um pinto amigo. Tá na moda agora.
– Inês não é disso.
– Sempre viveu para a família.
– Que que tem?
– Toda mulher sozinha precisa de um PA.

Mas a Inês, só, não queria saber de outro homem. Decidiu se fortalecer antes de novo envolvimento de qualquer nível ou natureza. Já o Athaíde, cinquentão, estava do jeito que o diabo gosta. Celeste, o novo amor, era uma loucura. A indecência em forma sem conteúdo. Para que conteúdo? Para o que o Athaíde queria ela bem que servia. O sujeito deu até aquela remoçada ridícula, comum aos homens da situação. Mudou o guarda-roupa, fez lipo, novo roach e mandou aparar as bordas da orelha – quis dar jeito no apelido de Dumbo, que o perseguia desde a infância. Também trocou o carro utilitário por um esportivo e foi morar num flat na Savassi. Só para ficar perto de um tal Pátio, lugar preferido da Celeste.

Foi mais de ano de gastança, sexo e diversão. Até na Disney, nos EUA, o casal se divertiu. O Athaíde passou período tão entorpecido que deixou de lado os filhos com a Inês. Inventou viagem de negócios e compromissos sérios que nunca existiram. Tudo para se acabar em cima ou embaixo da Celeste. Até que, numa manhã de domingo das mães, a moça, por telefone, resolveu despachar o coroa: “A gente é muito diferente, bebê”. “Bebê”, foi esse o apelido que o Dumbo ganhou depois das intervenções da cirurgia plástica. “O Alex, meu ex, sabe!? A gente tá ficando de novo. Decidi contar porque ele e eu vamos morar juntos na Austrália... Bebê? Alô... Bebê?”.

Athaíde nem esperou a Celeste encerrar a ligação. Foi às pressas rever a família. No caminho, longo até a Pampulha, sentiu saudades dos carinhos da Inês. Ao chegar na esquina, no casarão do Bairro Ouro Preto, avistou a ex-mulher na varanda. Inês – vai entender o amor – sorriu ao ver seu homem voltar.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 9/5/11

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Muito além da comédia







Quem esteve ontem no ensaio geral de "Por pouco", do francês Samuel Benchetrit, com direção de Ary Coslov, que reúne em cena Ilvio Amaral, Maurício Canguçu, Flávia Fernandes e Wolney Oliveira, no Teatro Alterosa, pode ver em primeira mão trabalho que promete ser o mais novo sucesso da Cangaral. Direção, elenco, luz, figurino e texto para quem gosta de rir e de pensar. É de dar orgulho ver grupo de amigos e artistas tão queridos realizar peça tão além do que é bom. Vida longa a este "Por pouco" em Minas e Brasil afora. A estreia é logo mais, às 21h. Imperdível.


Por pouco

Teatro Alterosa, Avenida Assis Chateaubriand, 499, Floresta, (31) 3237-6611. Temporada até 15 de maio, de quinta a sábado, às 21h; domingos, às 19h. De 20 a 29 de maio a peça cumpre pauta no Teatro Dom Silvério e de 3 a 19 de junho no Teatro Imaculada. Ingressos: R$ 40, R$ 20 (meia) e R$ 15 (Sinparc).

quinta-feira, 5 de maio de 2011

No Teatro da Assembleia, por Camila Fonseca







Os filhos crescem. Os espetáculos também. Camila Raposo Fonseca, quem assina as fotografias desta temporada no Teatro da Assembleia, ainda não havia completado 3 anos quando viu "Vincent" nascer. Na época, embora já demonstrasse vocação para a fotografia, ainda não dava conta de segurar uma câmera profissinal. Hoje, 16 anos passados, Van Gogh ganhou a companhia de "O comedor de batatas". Camila, futura engenheira pela UFMG, esteve no Santo Agostinho para registrar o espetáculo. Mandou bem demais a moça!


Última semana!

VINCENT E O COMEDOR DE BATATAS
Com Jefferson da Fonseca Coutinho, Ferdinando Ribeiro e Emílio Zanotelli. Sexta e sábado, às 21h; domingo, às 19h, no Teatro da Assembleia, Rua Rodrigues Caldas, 30, Santo Agostinho, (2108-7826). Ingressos: R$ 30 (inteira); R$ 15 (meia-entrada); R$ 10 (estudantes de teatro).

Mais informações:
http://jeffersondafonseca.blogspot.com/2011/04/van-gogh-no-teatro-da-assembleia.html

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Como nascem os terroristas


O assunto ecoa pelo planeta. A morte de Osama bin Laden é a bola da vez. Depois de todas as lentes voltadas para o conto de fadas inglês – o casamento do Príncipe William e Kate Middleton – é a vez dos EUA encabeçarem as manchetes dos noticiários internacionais. Engraçado o mundo: uma semana, historinha daquelas da Disney, um sonho; na outra, a caçada ao terror vem à tona, o pesadelo. É claro, sabemos todos, que a morte de Bin Laden – com corpo ou sem corpo – não vai encerrar nenhuma guerra. É simbólica. Infelizmente, outros Osamas já estão espalhados, aos montes, cheios de ódio, dispostos a matar e morrer. Muito triste isso. Tenho conversado bastante sobre esse negócio de terrorismo. Até dedico tempo de leitura e pesquisa para fundamentar melhor as ideias. Mas, devo confessar, desde sempre o estudo sobre as guerras não entra bem na minha cabeça. Nem quando garoto, fã das aulas da professora Palmira, eu avançava na matéria. Nunca compreendi a lógica das invasões, dos extermínios em massa, das lutas intermináveis por território e poder.

Menos ainda os conflitos religiosos. Esses são os que mais me perturbam os pensamentos. Na minha cabeça miúda, de amador, não dá para aceitar nenhum tipo de conflito em nome de Deus – ou seja lá qual nome dão ao criador. Sou pai. Olho para os meus filhos, já bem crescidos, e ainda os vejo crianças. Como não amar as crianças? Osama bin Laden foi criança. Ditadores, criminosos, os piores vilões da história, também foram crianças. De onde vem o ódio contra este ou aquele país? Contra o povo daqui ou dali? O que pensam os pequenos que crescem em meio à destruição? E aqueles meninos e meninas que testemunham o assassinato de seus pais e irmãos? Que futuro de paz e amor pode haver aos que herdam o ódio? Não. Definitivamente não há guerra boa. Cresci, filho de pai budista, ouvindo que o homem é essencialmente bom. Que devemos trabalhar pela paz mundial. Soube bem cedo da lei de causa e efeito.

Professor Fabrício, homem viajado, de muitos títulos, teve conversa interessante comigo e com a Violeta na noite de domingo. A gente nem podia imaginar que logo mais seria anunciada a morte do Bin Laden. Falamos sobre as nossas pequenas ações diárias pela paz. Entendemos que saber se comportar no trânsito, por exemplo, pode fazer toda a diferença. Nós que rodamos a cidade todos os dias vemos coisas de entristecer qualquer cidadão de bem. Até de tentativa de assassinato por causa da fechada de ônibus o professor foi testemunha. Concordamos que a nossa postura diante das situações de conflito, o exemplo que damos aos que estão próximos, fazem muita diferença. Concluímos que ainda não se teve notícia de guerra boa. Que não há livro de história ou doutor no assunto capaz de nos convencer de que exista conflito armado pelo bem. Não há causa que justifique atentar contra a vida de inocentes. Não cremos, por fim, que exista bem ou poder entre o céu e a terra capaz de justificar o terror.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 4/5/11

segunda-feira, 2 de maio de 2011

A casa do adeus


Garoto, pequeninho, aos 6 anos, Romildo se despediu do tio Orestes, em casa mesmo, no casarão rosa, de esquina, comprado pelo pai, empresário, na mão de grupo de 37 herdeiros da avó viúva, portuguesa. O moleque, morador da mansão, não arredou a presença da sala de luxo, tampouco as mãos do caixão reforçado, feito especialmente para dar conta dos quase 200 quilos do amigo boa gente. Os dedinhos corriam pelos cravos amarelos que enfeitavam o morto. “O menino vai ter pesadelo, Luiz Otávio... e a mão dele... olha lá... vai ficar com cheiro de defunto”, sussurrava a mãe, nervosíssima, irmã do falecido, entre uma centena de amigos e parentes distantes. O pai, centrado, rebatia: “Deixa quieto. Deixa quieto”.

Menino Romildo não disse palavra. À beira da urna, sob lustre do século passado, em pé-direito altíssimo, lembrava-se de dias felizes com o padrinho. Não fazia muito tempo, foi o Orestes quem o ensinou a andar de bicicleta. Coisa de dias, na Praça da liberdade. A magrela, uma BMX amarela, também foi presente do tio, que não teve mulher nem filhos. O bom Orestes, funcionário público, jamais teve sorte com as mulheres. Tímido, extremamente reservado com as moças, viveu para o trabalho e para as crianças. A família soube mais tarde que a metade do salário, por mais de 20 anos, era destinada aos pequenos de um abrigo para portadores de necessidades especiais.

Tampa fechada, depois de missa e choro sentido de muitos presentes, Romildo segurou firme a alça do caixão e não a largou até que o tio fosse colocado na veraneio da funerária. No carro da família, a mãe fez de tudo para que o filho desistisse de ir ao cemitério. Já o pai, Luiz Otávio, entendeu bem a expressão e o silêncio do garoto: “Deixa quieto, Dagmar. Deixa quieto”. No Parque da Colina, Romildo foi o primeiro a retomar a alça do caixão. A mãe não segurou: “Sai daí! Isso é pesado, meu filho! Deixa o seu pai!” O moleque não obedeceu e seguiu segurando a alça de aço até a cova de número ímpar. Pouco a pouco, viu o caixão ser coberto pela terra avermelhada. “Tchau, tio!”, disse baixinho.

De volta ao casarão cor-de-rosa, o tempo ganhou asas e muitos mortos. Família grande, não demorou mês para que novo velório ganhasse o salão principal da residência. E outro e mais outro. Em mais de 15 anos, foram dezenas de velórios na casa do Romildo. Até que Dona Dagmar, assim como o irmão Orestes, partiu de repente, vítima de infarto, dias antes do aniversário do filho. Romildo, homem feito, deu a maior força para o pai, tristíssimo com a morte da mulher. Viu-o ajeitar com amor o vestido e as rosas brancas que cercavam o corpo da falecida. O lustre antigo aceso, as lembranças do padrinho Orestes, anos atrás, e de todos os parentes ali velados, fizeram com que o crescido Romildo convencesse o pai, dono de grande funerária, a encontrar novo lar e a transformar o imóvel cor-de-rosa em “A casa do adeus”.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 2/5/11

O Rei da Babilônia


André Heller-Lopes apresenta nova ópera do Palácio da Artes, Nabucco, de Verdi


Em 2013, mundo afora, comemora-se o bicentenário de nascimento de Giuseppe Verdi (1813-1901). Minas Gerais sai na frente e não poupa recursos nem parceiros para produzir Nabucco, clássico em quatro atos do compositor italiano, que conta a história do rei Nabucodonosor, da Babilônia, com estreia marcada para 19 de junho, no Grande Teatro do Palácio das Artes. Com direção musical e regência de Silvio Viegas, e orçamento na casa de R$ 1 milhão, a ópera envolve os estados de Minas, Amazonas, Rio de Janeiro e São Paulo, além de artistas nacionais e internacionais. A concepção e direção de cena são de André Heller-Lopes, 38 anos, carioca, com doutorado em ópera e carreira de sucesso na Europa. Professor da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), André destaca a iniciativa de parcerias da Fundação Clóvis Salgado (FCS) e defende que o investimento na cultura por parte do poder público seja valorizado e levado a sério, assim como ocorre nas áreas da educação, da segurança e da saúde. Arte como gênero de primeira necessidade.

“O que está ocorrendo aqui, com a iniciativa da Fundação Clóvis Salgado de fazer com que um trabalho dessa grandeza circule, é o que se vê hoje na Europa. Essa ideia de parceria é a grande chave da ópera internacional. Na Europa, hoje em dia, você tem uma ópera em Madri, que depois é reapresentada em Londres, vai para Varsóvia e segue para Houston, por exemplo. Você tem umas quatro ou cinco casas dividindo os custos de uma grande produção”, explica. Para o diretor, outra grande vantagem é a ampliação do público. Até 2013, Nabucco vai ser vista por mineiros, cariocas, amazonenses e paulistas. André Heller-Lopes chama a atenção ainda para o fato de que montagens de grandes óperas geram trabalho e promovem intercâmbio fundamental para a experiência de artistas e técnicos envolvidos no projeto – cerca de 400 profissionais.

A ascensão do gênero no Brasil é reflexo do bom momento econômico que o país atravessa. “O dinheiro atrai uma certa demanda por excelência. Custa mais, chama mais a atenção. Isso é muito positivo. É o que digo para as pessoas que trabalham comigo: há um investimento alto por parte do Estado e temos que fazer a nossa parte. Acreditar na arte, na cultura, faz toda a diferença. É essa a política pública na qual acredito. Quando você tem um país em crescimento, com mais dinheiro circulando, as pessoas buscam ser mais profissionais, tentam ganhar mais, trabalham ainda mais por reconhecimento. Precisam sobreviver num mercado onde todos querem ser melhores e, com isso, o mundo vai olhar com outros olhos para o Brasil – e isto já está acontecendo. Não somos só o carnaval e o futebol. Somos a Carmen Miranda, o samba, a mulata, a cerveja. Somos todas essas coisas, mas também somos a ópera”, entusiasma-se.

Com os pés no mundo e o olhar voltado para o Brasil, André Heller-Lopes, que recentemente defendeu doutorado junto ao Kings College, de Londres – tese dedicada ao universo operístico brasileiro do século 19 –, fala com paixão pela sua terra: “Aqui se faz ópera. A gente ainda não começou a reconhecer as óperas nacionais como elas merecem. Existem compositores fantásticos. Há poucos dias, ouvi com a filarmônica a obra de Marisa Rezende, uma colega na UFRJ. Há muito tempo não ouvia nada dela com orquestra e é muito bom, muito bonito. Você tem o João Guilherme Ripper e vários grandes brasileiros que compõem”.

Talentos Tendo passado pelo teatro, mas vindo da música, expoente do Rio de Janeiro, onde também foi coordenador de ópera por cinco anos – de 2003 a 2008 –, André Heller-Lopes considera importante o trânsito de profissionais do cinema e da cena teatral pelo mundo operístico: “Muitos deles fazem trabalhos maravilhosos. Sabem bem o que fazem, com uma grande noção de encenação”. No entanto, pontua que a direção de grandes espetáculos, que reúnem profissionais muito especializados, exige um cuidado redobrado com uma série de particularidades, além das marcações de cena, do desenho e da movimentação. “É preciso conhecer muito bem também a música para saber o que dá e o que não dá para ser feito, para conseguir obter o melhor possível de seu elenco”, explica. O professor faz questão de destacar a importância do coro para as óperas de qualidade: “Um erro bem comum é tratar o profissional do coro como funcionário público. O coro é composto por artistas de muito valor. É preciso valorizar o talento e o trabalho desse profissional”.

Se a partir dos anos 1990 surgiu uma geração de cantores extraordinários no Brasil, de uns anos para cá parece ser o momento dos diretores especializados. “Gente que entendeu que havia espaço para trabalhar bem no Brasil. E isso fez com que se buscasse conhecimento lá fora”, ressalta André. Para o diretor, o crescimento da produção de musicais no Brasil também é um fator de fortalecimento da ópera. Elogia versão de Os saltimbancos, realizada este ano pela FCS, com direção de Carlos Gradim, e acredita que trabalhos assim despertam no artista a vontade de trabalhar em busca de conhecimento e qualificação. Por isso considera enriquecedor o diálogo entre os dois gêneros – ópera e musical – e diz que isso é muito bom para o mercado. “Estamos vivendo momento de reinvenção em muitos aspectos da arte. Não tem mais espaço para os velhos chavões. ‘Ah, musical é coisa de americano’; ‘Ah, ópera é coisa da elite’. Não. Esse tempo já passou”, comemora.

Parceria e inspiração

Desde o ano passado Verdi está na pauta da Fundação Clóvis Salgado e de André Heller-Lopes. Por dificuldades de agenda, o projeto Nabucco acabou cedendo espaço para outro trabalho: Andrea Chénier, obra do também italiano Umberto Giordano (1867-1948), apresentada em outubro de 2010 no Palácio das Artes. O diretor, que deixou recentemente o trabalho de formação de jovens intérpretes no Teatro Nacional de São Carlos, em Lisboa (“a crise é uma realidade em Portugal”), anuncia um Nabucco moderno, em produção requintada, com raízes clássicas, voltado para o gênero humano, para ele, fonte maior de toda a sua inspiração.

Nabucco, de Giuseppe Verdi
Estreia em 19 de junho, no Grande
Teatro do Palácio das Artes
Direção musical e regência – Silvio Viegas
Concepção e direção de cena – André Heller-Lopes
Cenógrafo – Renato Theobaldo
Figurinos – Marcelo Marques
Iluminador – Fabio Retti
Maquiagem e caracterização – Elizinha Silva

Elenco
Nabucco – Rodrigo Esteves
Abigalille – Eiko Senda
Zaccaria – Savio Sperandio
Fenena – Rita Medeiros
Ismaele – Marcos Paulo
Anna – Fabiola Protzner
Abdallo – Júlio César
Sacerdote – Cristiano Rocha

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 30/4/11