Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Da alegria dos pequenos



Li escrito de um tal Oscar Wilde que diz: “Se queremos crianças melhores, precisamos torná-las felizes”. O dito me tocou a alma. Assusta-me os pequenos sem rumo que vejo espalhados por Belo Horizonte e região metropolitana. São muitos. E nem é preciso rodar demais para vê-los pedintes, longe dos pais e das salas de aula. Anteontem, depois das 22h30, num supermercado próximo à Avenida Nossa Senhora do Carmo, um grupo de cinco garotos – de no máximo 8 anos – pedia, divertido. “Moço, compra um biscoito pra nós”, sorriu a menina miúda, de saia curta e chinelas surradas.

“Isso é hora dos mocinhos ficarem na beira da estrada?”, perguntei. O mais alto – mais franzino, porém – respondeu duro com intenção de homem feito: “A gente dorme tarde, tio. Compra...”. Nisso, antes que o garoto terminasse o pedido, um segurança se aproximou e a turminha partiu em disparada. “Não dê atenção a eles não. Todo dia é isso”, disse-me o homem uniformizado. A cena dos garotos correndo e pulando, às gargalhadas, no acostamento, rumo ao trevo do Bairro Belvedere, não me sai da cabeça.

Em casa, pelo computador, vejo a cena de violência no Aglomerado da Serra. Confronto da polícia com os moradores, tiroteio e morte. Ônibus incendiado, sujeitos de bem desesperados e revoltados com a ação policial. Em particular, outra cena envolvendo garotos me chama a atenção: um pequeno, de pouco mais de metro, exibindo o cofre do ônibus como se fosse um troféu. Madrugada longa de reflexão. De olho no filho, ainda recém-nascido, não consegui pegar no sono. O pensamento nas crianças perdidas precisava ganhar a caderneta de papel pautado.

Lembrei-me do Kiko, amigo de infância, que, aos 8 anos, vendia picolé nas ruas para ajudar a mãe e os irmãos menores. O garoto deixava cedo o barracão e ia para a sorveteria do Matias. De lá, rodava o bairro com a caixa de isopor pesada, abarrotada de picolés. Na época, lembro-me bem, queria ser como o Kiko. Cheguei a acompanhá-lo algumas vezes, escondido do meu pai. Numa dessas aventuras, levei uma bronca do velho Botelho para nunca mais. Ele não disse muito. Sua expressão dizia tudo. Não era para menos: sumi por uma tarde e ele chegou a pedir ajuda da polícia.

Mais de três décadas depois, a madrugada se faz dia nas sombras das preocupações. Na caderneta, em linhas corridas, rabiscos pelo futuro dos meus filhos, pelos mocinhos pedintes do supermercado e pelas crianças do Aglomerado da Serra. Fé e atitude. Já que não posso dar conta dos rebentos do mundo... ao menos uma prece pública pela alegria dos pequenos: que sejam felizes! Melhores e felizes!

Bandeira Dois - Josiel Botelho





segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A dança da solidão


Boa moça estava ali, no apartamento 101, do predinho cor de terra. Suzane, funcionária pública e cheia de virtudes, só não conseguia se casar. O sonho de vestir-se de branco, com os panos herdados da mãe, parecia ainda mais distante com a chegada dos 40 anos. Laís, amiga desde os tempos de faculdade e colega de repartição, já havia se casado três vezes. Era ela quem ajudava Suzane a lidar com o sonho ameaçado: “Casamento é besteira. Se eu pudesse voltar no tempo, amiga, pegava a fortuna que papai gastou com festa, metia o pé na bunda daquele traste do meu primeiro marido e ia cair no mundo. Se ia”.

Pouco adiantava as conversas com Laís. Suzane queria vestir-se de noiva e ponto. O problema ali, com a bela cheia de carnes, não era companhia. Homem tinha aos montes na cola da administradora. Todos casados. Caso para estudo a atração que os sujeitos comprometidos tinham pela morena de olhos grandes e cheiro cítrico. Com o último, um advogado de carreira, o romance durou sete anos. O sujeito, renomado, dizia que estava esperando o melhor momento para se separar da mulher. Jurou que levaria Suzane ao altar de véu e grinalda, pela Igreja Católica Brasileira. Marcou data e tudo. Por fim, aos prantos, ele deu para trás numa tarde de domingo. “Desculpe-me”, chorou o bigodudo.

Antes do bigode teve um tal Galego, de Sete Lagoas. Com esse a decepção foi ainda maior. O camarada, maior pinta de machão, casado com médica de família tradicional e pai de dois garotos, mantinha vida secreta no colo de muitos moços. Depois de um ano juntos, Suzane quase morreu de tristeza ao saber a ficha do sujeito. Também teve o Jonas, o Elenilson e o César. Todos, comprometidos, diziam-se apaixonados por Suzane. A bela, com sina incrível para amante, era quem chutava sempre o pau da barraca. “Homem não tem iniciativa. Chega uma hora que não dou conta. Facilito a coisa e acabo de vez com a situação. Não sei o que acontece comigo, Laís...”, desabafou com a amiga, em noite de bebedeira.

Os 40 anos chegaram num pulo. Em crise, pediu tempo até para as amizades. Sábado de chuva e falta de compromisso. Sozinha, Suzane decidiu abrir garrafa de vinho para se embebedar de vazio. “Feliz aniversário”, sussurrou para si mesma. Na última taça, foi até o baú do quarto de passado... lembrou-se da mãe morta e vestiu-se de noiva. Aproveitou o som da valsa alegre, vinda do salão de festas do prédio vizinho, e dançou a dança da solidão.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

O pastelão e a torta



Não sou advogado, menos ainda juiz de qualquer instância. Nem nas peladas de sábado gostava de apitar. Não tenho estômago para as brechas da lei, para os segredos de bastidores e menos ainda para as manobras de corredores. Cidadão de bem, cumpridor de deveres, sou um observador, catador de letrinhas e intérprete de notícias. Já fui leitor, apenas. Hoje, tento ir além: busco esquadrinhar para compreender.

Não provoca nenhuma surpresa a ninguém todo esse circo armado em torno do “caso Eliza Samudio”. Pauta da hora nos últimos dois anos, o mistério que envolve o desaparecimento da ex-namorada do goleiro Bruno é mesmo de grande interesse público. História absurda, é fácil entender o forte apelo popular. Como pode um astro do futebol, prestes a estrelar em campos internacionais, garoto ainda, meter os pés pelas mãos de maneira tão triste? É a pergunta que insiste entre os meus.

Ainda que seja inocente da morte de Eliza, o passado do jogador – e seu envolvimento com os coadjuvantes dessa história assombrosa – já vale roteiro de cinema e caso único de polícia. Adelson, Sueli, Neto, Osmar e eu chegamos a acreditar que a mãe do pequeno Bruno, filho do goleiro, pudesse até aparecer e enterrar de vez a suspeita de assassinato. No entanto, as falas ao vento de que ela foi fazer carreira em filmes pornôs internacionais, que foi vista em São Paulo e na Europa, arrancaram de vez a nossa fé na menor possibilidade.

Conversa demais. Mau teatro demais. Difícil saber onde está a verdade nesse caso trágico de ascensão e queda de um moleque pobre e bom de bola. De um lado, morte e silêncio de acusados e testemunhas cheias de contradições. Do outro – como diria Nelson Rodrigues –, a canastrice fantástica de advogados bizarros, chegados aos holofotes. Ontem, durante conversa com amigo, professor de direito em conceituada universidade de Minas, fiquei ainda mais convencido de que há uma tenda enorme erguida em Contagem para grande circo internacional.

Dentro, tomada por malabaristas, acrobatas, feras domadas e espectadores de fé. Do lado de fora, imprensa, urubus, curiosos, manifestantes e aparecidos de toda a espécie – o que é aquele sujeito “crucificado”? Para o meu amigo, doutor, os tumultos armados nos dois primeiros dias no fórum são apenas o início de um julgamento que ainda vai dar muito que falar. “Vamos, certamente, ter ali um grande apanhado do que há de melhor e pior num tribunal de júri. A juíza é competente. Por hora, é o que salva”, disse. Que prevaleça a justiça, esperamos.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Era uma vez...


Thibau tinha o corpo fechado por parente de reza forte. Criado por avó, o garoto cresceu valente, impossível. Quando não dava conta na mão, havia sempre uma pedra ou pedaço de pau para fazer valer superioridade. Não havia quem levasse a melhor em cima do moleque, rei da rua e dos campinhos de futebol da Zona Norte – já na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O líder, o cara.

Com Thibau não tinha tempo ruim. Sob chuva ou sol, o moleque, que não queria nada com os estudos, estava sempre pronto para se superar. Com tanta vocação e talento para a rua, não lhe faltavam amizades cheias de má intenção. O difícil ali, em bando, era saber quem era a pior influência – já que, no grupo, não havia um único sujeito de juízo ou razão.

Thibau ainda não tinha 12 anos quando começou a roubar. De início, coisa pouca: galinhas, enlatados e roupas no varal. Para as bicicletas foi um pulo. Antes dos 15 já era puxador de carro profissional. Ganhou o apelido de “Theflash”. Isso porque, no cronômetro, 8 segundos era o tempo máximo que Thibau gastava para abrir qualquer automóvel.

Crescido, o sujeito fazia e acontecia. A polícia e as seguradoras jamais haviam visto a sombra de Thibau. Todos que passaram pelo bando caíram ao menos uma vez. Thibau, aos 19, sete deles no crime, orgulhava-se da condição de “invencível”. Tuim, o amigo mais chegado e braço direito, puxava o coro: “O Theflash é o cara!”.

Mas Theflash conheceu Efigênia, moça boa, evangélica e cheia de encantos. Thibau jamais havia sentido algo parecido por qualquer sujeita de saia. Bem apessoado, teve garotas aos montes. Pintava e bordava com duas, três, quatro ao mesmo tempo. Com Efigênia, o futuro. Estudiosa, trabalhadeira, aos 22 anos, a crente era rara.

O encontro dos dois foi de cinema, debaixo de tempestade. Thibau, ensopado, esperava brecha para atravessar a rua, quando a universitária lhe ofereceu espaço sob a sombrinha florida. “Vai ficar resfriado”, sorriu a bela. Ele não disse palavra. Apenas se aconchegou protegido para cruzar a via. O cheiro bom dos cabelos negros, compridos, e a pintinha perto da boca carnuda marcaram o marginal.

Ela estava a caminho da igreja. Dia de culto. Ele foi junto. “Coincidência. É pra lá que tô indo... marquei com um amigo...”, disse. Mentira. Thibau tinha outra parada com Tuim e outros três comparsas: assalto na Região da Pampulha. No templo evangélico, na companhia de Efigênia, o marginal teve o coração tomado por sentimento bom. Ergueu as mãos e fechou os olhos, fortalecido, como nunca em quase 20 anos.

Thibau deixou de lado o bando e voltou a pedir a bênção à avó. Retomou os estudos, arrumou trabalho e tomou jeito de gente decente. Com Efigênia, foi feliz para sempre.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Um mergulho na pediatria


Na última quarta-feira de outubro, publicamos “Falta de pediatra assombra o futuro”. O texto rendeu. Tema de grande interesse público, a falta de médicos pediatras é motivo de grande preocupação para o cidadão de bem. Paulinha Andrade, passageira e jovem mãe de família, escreveu entristecida sobre as agruras que ela e o marido passaram em 2010, quando nasceu o pequeno Lucas:

“Josiel, que bom que você conseguiu encontrar um bom pediatra para o seu filho. Conheço o doutor Hugo, lá do Vila da Serra. Ele é médico da minha sobrinha. Realmente é um profissional muito diferente da maioria que temos por aí. Lendo a sua coluna, soube que você e Violeta passaram pela mesma novela que Juarez e eu. As consultas são cada vez mais corridas e parece que é um favor. Criança não dá lucro. Acho que é isso. Pagamos caro pelo convênio e ainda temos que enfrentar os tais ‘encaixes’ que você escreveu. É um absurdo. Alguém tem que fazer alguma coisa urgente, né!? Parte desse povo que faz medicina tem que parar de pensar em dinheiro. Por que eles não entram para a política?”

Tocado pelo e-mail da Paulinha, mergulhei no assunto. Esquadrinhei notícias da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP) – ouvi a boa gente de lá – e fui atrás de estudantes de medicina e residentes de pediatria. Ouvi até doutores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Também estive conversando com profissionais do Hospital Sofia Feldman, referência no Brasil, com mais de 100 mil nascimentos em 30 anos. Estive na PUC Minas, em Betim, e ouvi alunos do primeiro ano de medicina. Lá, para a primeira turma, foram 98 candidatos por vaga. Encontrei quatro jovens decididos a abraçar a pediatria. O espaço aqui é curto para reproduzir tudo o que encontrei.

Encontrei meia dúzia de estudantes de 20 anos, sonhadores, que dizem estudar medicina para fazer diferença no Brasil. Preocupados com o futuro, dizem querer, em primeiro lugar, o bem das crianças. Mostram-se avessos ao lucro – mesmo com os quase R$ 4 mil pagos por alguns pela mensalidade do curso. Encontrei moça residente que não quer nem ouvir falar em convênios médicos. “Pagam mal, desvalorizam o nosso trabalho e estimulam um atendimento raso, às pressas. O médico que aceita ganha na quantidade. Não quero isso para a minha carreira”, disse a jovem doutora.

Dos melhores depoimentos, o de uma pediatra, especialista em neonatologia, com década de formada. Doutora Juliana Cantarelli é retrato de uma categoria que merece respeito. Em vez de consultório de luxo e consultas de “encaixes” por R$ 300, a pediatra encara jornada de 54 horas semanais pela melhor condição de vida dos recém-nascidos. Em consultório e em sala de aula, conheci o doutor Eduardo Tavares, outro valente de branco que ensina paixão e valores que muitos doutores desconhecem.

Há muito o que escrever sobre a especialidade em baixa – de 2000 para cá, segundo a SMP, o número de candidatos à titulação pediátrica reduziu em mais de 50%. Hoje, o mais urgente a dividir com o amigo leitor é que encontrei bons sujeitos – jovens e veteranos – trabalhando pela valorização do pediatra e pelo futuro de nossas crianças.

Bandeira Dois - Josiel Botelho


Os pais agradecem

Por Jefferson da Fonseca Coutinho

No corredor que dá para a sala de aula de medicina, os alunos de direito distribuem mensagens em papel picado. Tarefa de filosofia câmpus adentro. O recado diz: “Não é tanto o que fazemos, mas o motivo pelo qual fazemos que determina a bondade ou a malícia”. Quem assina é Santo Agostinho. Lhaiza Emanuele Marques de Souza, de 19, e Laura Alvares Marton Rangel, de 23, recebem seus bilhetes de letra miúda. Mostram-se tocadas. As duas são estudantes do primeiro ano de medicina. Raras, tão cedo, já estão decididas pela pediatria. Sabem bem das agruras da especialidade – má remuneração, carga horária de trabalho sem igual e hospitais de portas fechadas para a vocação. Em Minas, nos últimos 10 anos, de acordo com a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), o número de candidatos à titulação pediátrica, reduziu em mais de 50%. Lhaiza e Laura, idealistas, querem ajudar a aumentar o número de profissionais no estado. Hoje, há um pediatra para 2.720 crianças em todo o estado.

Laura e Lhaiza entendem que, em questão, estão outros valores além de salários e benefícios com a carreira. “Quando entrei para o curso não pensava em pediatria. Lá fora, há uma aversão a especialidade. Como se você, pediatra, deixasse de ter vida própria para cuidar do filho dos outros”, conta Laura. A estudante diz que na universidade passou a ter outra visão da especialidade. Diz-se tocada pela paixão dos professores, pediatras bem sucedidos, que ensinam uma profissão “muito além do dinheiro”. Lhaiza, vinda de Ubaporanga, no Vale do Rio Doce, está igualmente feliz com o curso. Especialmente depois de vencer quase 100 candidados pela vaga na primeira turma da Puc Minas. Acaba de assistir ao primeiro parto no Hospital Regional de Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Acompanhei o exame clínico do bebê. A gente não pode visar só o financeiro. É preciso acreditar que você pode fazer a diferença”, emociona-se. No bolso de Lhaiza, o papel recebido das mãos do estudante de direito: “O dinheiro é a essência alienada do trabalho e da existência do homem; a essência domina-o e ele adora”. Um tal Karl Marx.

Daniela de Cássia Sampaio Miranda, de 19, mora na Região da Pampulha. Até o câmpus da medicina, na Região Metropolitana, são cerca de 4 horas diárias – somadas ida e volta – pelo sonho de formar-se pediatra. Com outras 8 horas em sala de aula, o resto é para mais estudo, alimentação, sono e, quando é possível, um pouco de lazer. A estudante, sorrindo, comenta que, pela boa formação, serão mais pelo menos oito anos assim. Tanto esforço e dedicação pelo propósito de “ajudar as crianças”. “Sinto que posso ser mais útil para a sociedade como pediatra”, diz. A opção pela especialidade, segundo Daniela, foi também influência do bom atendimento recebido, guardado na memória. “Minha pediatra, doutora Vânia, sempre foi muito boa comigo. Gostava demais de ser atendida por ela”, relembra. Outro que venceu 97 candidatos pela vaga de medicina, já pensado em pediatria, foi Jhonson Tizzo Godoy, de 20, vindo de Uberlândia, no Triângulo Mineiro. Foram 15 vestibulares e uma iniciação em Biotecnologia. Para o estudante, que quer cuidar de crianças com câncer, a falta de pediatras é uma motivação a mais. “A medicina já é um sacerdócio e a pediatria é ainda mais que isso”, considera.

Em sala de aula, o professor Eduardo Carlos Tavares, de 63, aposentado pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da Puc Minas. Médico desde 1974, o pediatra não esconde o carinho pelos 59 alunos. Menos ainda o amor pela especialidade com a qual faz história e educou a família. “Quantro entrei para a medicina a única certeza que eu tinha era a de que não seria pediatra. No último ano,  a pediatria, em três meses, foi indiscultivelmente a melhor parte do curso. Encantei-me pelas crianças e pelos meus professores”, diz. A profissão em baixa, segundo o veterano, se deve a dois fatores: “O primeiro, é o da especialização, como já acorreu com a Clínica Médica, quando os médicos buscaram outras áreas de atuação em busca de novas oportunidades”. O segundo, diz o professor, é, de fato, a remuneração. “Não há, na pediatria, valor agregado com exames, como ocorre com o oftamologista e com o cardiologista, por exemplo”, explica. Além disso, o doutor professor avalia que os convênios, como estão, contribuem ainda mais para a baixa remuneração do pediatra.

Retrato da vocação

No Hospital Sofia Feldman (HSF), maior maternidade de Minas Gerais – responsável por mais de 100 mil nascimentos em 30 anos, com cerca de 800 partos por mês –, a doutora Juliana Cantarelli, de 34 anos, fala da paixão pela pediatria por amor às crianças. Com jornada semanal de 54 horas, Juliana, entre pequenos – alguns com pouco mais de 1kg – no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) ou na Unidade de Cuidados Intermediários (UCI), é retrato da vocação. Para a médica, o pediatra não é um profissional qualquer. “Você tem que se dedicar, estar disponível. É uma tristeza que a pessoa trabalhe por dinheiro e esqueça o próximo”, diz.

Mãe do Matheus, de 2, e do João Pedro, de 4, Juliana conta que se decidiu pela neonatologia, quando – logo no início da carreira – viu morrer um recém-nascido com 7 dias, tomado por infecção. “É paixão. Quem escolhe a pediatria não escolhe pela criança apenas, escolhe a família. Vejo com entusiasmo a estrutura familiar se formando”, sorri. A maior recompensa do pediatra, segundo Juliana, não é a remuneração. “É a satisfação de ver as crianças saudáveis, se desenvolvendo... é a alegria das mães”. Mães como Karen Lopes dos Santos, de 20, há 76 dias no hospital, de plantão pela saúde do filho Kaio, prematuro, nascido com 28 semanas e 1,1kg.

De olhos iluminados, Karen, de Belo Vale, a 82 quilômetros de Belo Horizonte, comemora a recuperação de Kaio. Com o quadro agravado por pneumonia, o mocinho viveu dias difíceis no CTI. Saudável, com 40 semanas e 2,490kg, o bebê acaba de chegar à UCI e a jovem mamãe não vê a hora de ir para casa. Satisfação que a doutora Juliana não esconde ao ver a jovem mãe, feliz, embalar o rebento. Na UTI, bela e miúda, Ana Cláudia, nascida com 1,3kg e 31 semanas, espera a sorte do belovalense Kaio.


Entrevista/Paulo Poggiali

“A pediatria é uma atuação que se traduz em cidadania”

Quando entrou para a Faculdade de Medicina de UFMG, em 1970, interessado nos aspectos psicossomáticos das doenças, o médico Paulo Poggiali pensava em ser gastroenterologista. Bastaram as primeiras aulas de pediatria, com professores como José Silvério Santos, para a especialidade marcar de forma definitiva os rumos do jovem Poggiali, hoje, presidente da Sociedade Mineira de Pediatria (SMP).

Em algum momento da carreira o senhor pensou em deixar a pediatria?
Definitivamente não! Faria novamente e faria melhor. Não me vejo atuando em outra área da medicina. O envolvimento com a pediatria, de forma ampla, é parte inseparável de minha vida.

Porque os jovens médicos devem continuar optando pela pediatria?
Primeiro porque devem, no envolvimento que se deseja seja intenso com todas as matérias ministradas nas escolas de medicina, deixar acontecer a vocação. Mas também porque praticar a pediatria, com toda a sua abrangência e complexidade, com consequente enorme exigência na formação universitária e na especialização, mas com emoção e o natural  reconhecimento e respeito com que os pais e as próprias crianças retribuem, permite    ser verdadeiramente médico.

Qual é a verdadeira importância do pediatra para a sociedade? 

Creio que pode ser resumida no fato real de que a atuação pediátrica contribui de forma essencial e  definitiva para o crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes. Resulta em adultos saudáveis física e psiquicamente. É uma atuação que se traduz em cidadania, garantidora do futuro do país.

Como o senhor vê o futuro da pediatria?
Vejo com confiança e tranquilidade. Sou muito otimista, porque percebo que a população, em todas as faixas sociais, entende ser o pediatra  o profissional realmente preparado para a atenção à infância e adolescência. E os gestores de Saúde Pública e Suplementar percebem a pressão resultante deste entendimento.

A insegurança dos pais, que acaba exigindo muito do pediatra (atendimento a qualquer hora, telefones, e-mails...), ajuda a afugentar os profissionais da área? 
Não! O pediatra gosta do que faz, interage com grande satisfação com os pais de seus pacientes. O pediatra é o verdadeiro "médico da família". Interage com pais , avós e crianças com alegria e habitualmente com emoção.

Existe algum plano de campanha nacional para atrair estudantes de medicina para a pediatria?
Sim. A Sociedade Brasileira de Pediatria e, em Minas, a SMP, apoiam a criação e manutenção das Ligas de Pediatria, cuja atividade científica nas faculdades de medicina permite aos acadêmicos ampliar o conhecimento específico  que, ali, lhes é ministrado.  E as ligas permitem que os estudantes se envolvam com a fascinante pediatria, reforçando ou estimulando vocações. Também, a abertura para participação dos estudantes nas atividades científicas (congressos, simpósios, cursos) de pediatria, que acontecem por iniciativa das sociedades de pediatria em todo o país, aproximam e despertam nos jovens acadêmicos o interesse pela especialidade.

Palavra de especialista
Maria do Carmo Barros
Professora Associada do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG

Sou pediatra com orgulho. O pediatra é aquele que consegue visualizar o bebê, a criança ou o adolescente em seu contexto de vida, incluindo a família, a escola e o circulo de amizades. A consulta demanda um tempo maior, com orientações sobre prevenção, vacinas, desenvolvimento e crescimento. A profissão requer boas condições de trabalho e tranquilidade para a tomada de decisões. Os jovens residentes que optam pela especialidade buscam a realização de um sonho, que um dia também foi o meu. Nos últimos anos tem ocorrido diminuição no número de pediatras, fechamento de serviços e desinteresse do recém-formado pela nossa área. Nossos colegas estão se mobilizando e a defesa profissional de forma individual e coletiva deve ocorrer no nosso dia a dia. Sou professora do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da UFMG e busco a educação de qualidade, permeada pela construção do conhecimento, acompanhando as mudanças nesses novos tempos tecnológicos e informacionais. Mostro aos alunos e residentes o “lado bom” e os aconselho a combater a falta de tempo para o atendimento dos pacientes, as condições inadequadas de trabalho, a exploração da mão de obra e a pouca agregação de valor à consulta. Não dormir para dar cobertura a plantões, receber telefonemas de madrugada ou aos finais de semana são fatos corriqueiros na nossa vida, mas se fazemos o que gostamos, de forma saudável, seremos felizes, e a felicidade, segundo Kant, é o objetivo de todo ser humano. Existe do “outro lado” da nossa mesa pessoas que nos procuram, confiando na nossa sabedoria e vocação. O nosso olhar e a nossa “escuta” podem salvar ou melhorar a qualidade de muitas vidas!

Saiba mais: pediatria

A especialidade surge em 1722, na Suiça. Théodore Zwinger, médico, demonstrou que os sinais e sintomas das doenças nas crianças são diferentes dos que se observam nos adultos. Os médicos, então, passaram a acentuar a necessidade de se conhecer as peculiaridades das reações do organismo infantil. Com a introdução da metodologia científica na produção de conhecimentos, a pediatria delimitou-se como ramo da medicina especializado no ser humano em crescimento e desenvolvimento.

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O jardineiro e o ladrão


Fabiano nunca foi de briga. Homem de bem, de paz: jardineiro. Nos raros quintais da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, não há quem o supere na arte de cuidar das plantas. Sabe tudo de árvore, raiz e flor. Admirável, tamanha generosidade na lida com a natureza. Força do acaso, em 2001, Fabiano – quem diria – tirou a vida de sujeito.

Filho de Bastião, o chaveiro, Fabiano herdou do pai a habilidade manual. Mãos de neurocirurgião. Romântico, sincero e religioso, o moço escolheu a dedo moça com nome de flor para se casar: Margarida. Companheira em sensibilidade e beleza de encher os olhos. Conheceram-se na escola pública da periferia.

Na vida de Fabiano, três grandes paixões: a jardinagem, a mulher e a bicicleta antiga, de barra circular. Quem o conhecia sabia que ele morreria por qualquer um desses amores. Aos sorrisos, andava para tudo quanto é lado montado na raridade. Foi nela, depois de cortar a cidade, o primeiro passeio com a Margarida. Pedalou de Santa Efigênia até Venda Nova, meio dia, só para ver a moça, de férias na casa da avó.

Cena de cinema o buquê de rosas vermelhas amarrado na garupa em frente ao portão da casinha amarelada. Fabiano respirou fundo e bateu palmas para ver a moça, linda, surgir na janela de madeira velha. Com as flores plantadas por ele, o jardineiro arrebatou o coração da Margarida ali mesmo, na Avenida Vilarinho. Depois, os dois saíram para tomar sorvete. Em lábios melados, beijaram-se pela primeira vez.

Futuro de dias felizes: barracão erguido nos fundos da casa do pai, no Bairro Paraíso, e casório de dar gosto. Uma festa! A vida sorria: jardins, amor correspondido e a bicicleta – sucesso e motivo de orgulho desde garoto. Vez por outra, Fabiano se lembrava do Natal em que recebera a bicicleta do velho Bastião: “É pra te ver feliz, moleque!”.

Domingo de sol. Passeio com a mulher no alto da Avenida Afonso Pena. De assalto, foi abordado por três ladrões. Os criminosos tomaram os brincos e a bolsa da Margarida. Do Fabiano, o tênis, a carteira, o relógio e o celular. Vitimados, em silêncio, não reagiram. Um dos bandidos, o mais alto, de revólver na mão, exigiu a bicicleta.

Fabiano, tomado de força e velocidade sem precedentes, mandou ver mão e pernada para tudo quanto é lado. O revólver ainda disparou para o alto, antes de cair na calçada. Mesmo quebrados na pancada, os dois menores conseguiram fugir. Já o maior, que segurava o 38, agonizava com a cabeça ensangüentada sobre pedra pontiaguda.

Dois advogados, moradores da Avenida Bandeirantes, viram tudo. O bandido morreu a caminho do HPS. Fabiano foi inocentado: legítima defesa. Cinco anos passados, todo Dia de Finados, o jardineiro deposita flores no túmulo do ladrão morto, enterrado no Cemitério da Saudade. Vai com Margarida, de bicicleta.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 12/11/12

domingo, 11 de novembro de 2012

Um salto para dentro

Bem-vindos, Matheus, Ana Luisa e Lucas! Lá se foram as três primeiras horas pela desconstrução do ator, na dilatação da presença. Nada de textos inventados ou personagens traçados. É o que somos, como somos, a tempo e hora do que podemos ser. Com "o ator invisível", simples assim, limites não são barreiras. Indicação de leitura em www.casadoator.blogspot.com. Sábado que vem, às 9h, tem mais verdades construídas.















O ator invisível
Últimos dias de inscrição para o Grupo 2, turma de terças e quintas, das 20h30 às 22h30. A oficina começa dia 13. Informações: www.casadoator.blogspot.com

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A encantadora das letras

 A voz é sedutora, o olhar vai longe e as mãos, pintadas de carmim, dominam a narrativa no traço do imaginário. Tudo o que é texto – a entrevista até – ganha vida, nuança e ritmo arrebatadores na cadência da oradora. Desse modo, não é de surpreender o sucesso de Rosana Mont’Alverne na arte de contar histórias. Advogada de carreira, mestre em arte-educação, a fundadora do Instituto Cultural Aletria, aos 52 anos, em plena era digital, trabalha pelo resgate e pela propagação dos contos tão encantados por nossas avós. Além de rodar meio mundo em busca de fábulas, Rosana fundou escola para contadores e editora pela valorização da memória. Desde 2007, sua Feira de histórias é atração, aos sábados, na arena da Praça Tom Jobim, no Bairro Santa Efigênia. É ela, também, quem está à frente de um dos projetos de recuperação mais bem-sucedidos dentro do sistema prisional brasileiro: o Encantadores de Histórias, da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac), de Itaúna, na Região Centro-Oeste do estado.

Na garagem feita varanda, as poltronas coloridas são um convite à transposição do tempo e do espaço. O belo casarão de cor alegre na Rua São Domingos do Prata, no Bairro Santo Antônio, é cenário para o trato das letras e salão de ensino pela vida das palavras. No endereço de número 697, são formatados livros e compartilhadas experiências no encantamento dos enredos. Numa das salas, pequena e expressiva pista do que alimenta o lugar: “Contar histórias é fazer afagos no coração. Pisque os dedos”. Presente de ex-aluno, pendurado na parede. Modo de doçura, mimo e retribuição para a posteridade. Orgulhosa, Rosana sorri: “A palavra, em nós, é alimento para a alma. As histórias são etapas para a evolução”. Na mesa, entre encadernações, restos da campanha “Quero o saci mascote da Copa do Mundo”. A Aletria fez de tudo para emplacar o traquinas de uma perna só como símbolo internacional. “Perdemos para o tatu-bola”, diverte-se. Ali, não há tempo ruim ou desfecho sem graça.

Janela para a imaginação, os livros pululam desde o cômodo de entrada. Nas mãos de Juliana, filha e sócia de Rosana, A condenação de Emília – O politicamente correto na literatura infantil e Através da vidraça da escola – Formando novos leitores, ambos de Ilan Brenman, e Textos & Pretextos – Sobre a arte de contar histórias, de Celso Sisto. Mais adiante, escritos por Rosana, ganham a cena Meu pai é uma figura e O ovo amarelinho da galinha do vizinho. Já são 27 títulos em três anos, mais sete trabalhos no prelo. Realização de braços dados, mãe e filha Mont’Alverne, na administração do que foi sonho. Vontade tocada em profundidade durante o Festival de Inverno de 1995, na histórica Ouro Preto, quando Rosana participou de oficina para contadores ministrada pelas professoras Cecília Caram e Gislayne Matos.

A passagem como aluna reacendeu na advogada a chama herdada dos pais e do avô Pedro, “de voz de trovão”, em Roças Novas, quando menina ainda. “Lembro-me bem do meu avô, sentadinho, muito magro, cheio de causos da roça, especialmente sobre os bichos de lá. Fonte onde nem bebia, nadava em histórias”, conta. Rosana relembra ainda a mãe, Lilia, descascando bacia de laranja-serra-d’água para os filhos, reunidos, sedentos por histórias. Antes do festival em Ouro Preto, Rosana cursou artes cênicas no Teatro Universitário (TU), da UFMG. em 1987, Verve na veia, quase 20 anos depois, em 2005, a inauguração do Aletria, nome sugerido pelo irmão mais velho, Ruilon, inspirado por Tutameia, de Guimarães Rosa. Nesse hiato – dos estudos da cena até a fundação do instituto –, a carreira no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, especialização e mestrado em arte-educação.

No repertório de Rosana, em andanças nacionais e internacionais, mundaréu de histórias colhidas em campos dos mais diversos – além de outras tantas inventadas ou adaptadas por ela. Para a artista, está nas crianças e nos bichos, na natureza, a maior fonte de inspiração. Estudiosa, vê com entusiasmo o trabalho dos brinquedólogos, “que quebram a cabeça para resgatar a infância”, na contramão dos recursos tecnológicos e da febre virtual do século 21. Para a mestre em arte-educação, haverá sempre espaço para o calor das histórias, para a imaginação dos jovens e dos adultos. “Falaram que o computador iria acabar com o emprego. Não foi o que aconteceu. No caos, voltamos ao princípio. E o princípio é a fase oral. Voltamos para Homero, voltamos para a palavra”, ressalta. Rosana justifica o fenômeno do contador de histórias nos grandes centros urbanos, como movimento natural de equilíbrio, das raízes interioranas do homem.


Memória afetiva e recuperação

“É a vida. Todo movimento que vai muito para um lado acaba criando um movimento também no sentido contrário. A contação de histórias ressurgiu nos anos 1970 e ganhou força na Inglaterra, justamente uma das primeiras sociedades industriais do mundo”, avalia. Perguntada sobre a nova infância, tempo em que pais permitem que os filhos passem horas diante de animações hipnóticas nas tevês, ela não vê a época de todo sem solução. “A infância tem jeito. Por outro lado, existem novos pais preocupados com a sensibilidade dos filhos, que ainda contam histórias e valorizam a presença.”

Para Rosana, o que nos liga fortemente às nossas raízes são as memórias afetivas, que passam pelos nossos sentidos. “O barulhinho do grão caindo, o cheiro do café torrado, o som da tábua corrida da casa antiga, a voz dos avós… são esses sentidos que vão formando a pessoa que você é”, ensina.

Motivos de satisfação com o Aletria não faltam. Entre tantos, um se destaca: Os Encantadores de Histórias, grupo formado com recuperandos do sistema carcerário de Itaúna, dão brilho a mais aos encantos de Rosana Mont’Alverne. “Já abrimos o ano letivo de faculdade de direito de universidade carioca”, orgulha-se. Na ocasião, o grupo se apresentou para auditório com cerca de 700 pessoas. Tudo começou com uma carta-convite de um juiz letrado, que citou Cecília Meireles: “Não faças de ti um sonho a realizar. Vai”, finalizou o magistrado.

Embora o convite tenha sido feito em 2002, apenas em 2004 a advogada e artista pôde abraçar a causa e desenvolver o trabalho com os recuperandos da Apac de Itaúna. Desde então a experiência bem-sucedida com o grupo ganhou projeção nacional.


ERA UMA VEZ...
Desde 2007, o Instituto Aletria promove espetáculos com entrada franca, aos sábados, na Feira Tom Jobim, no Bairro Santa Efigênia. Este ano, desde 4 de agosto, contadores profissionais e alunos do Instituto Aletria dividem a arena no encontro das avenidas Bernardo Monteiro e Brasil, com expositores de antiguidades e barracas de comidas. A Feira de Histórias é atração a partir das 11h e vai até 1º de dezembro. Vale agendar as quatro últimas apresentações: Brincadeira e história com Rúbia, dia 10, com Rúbia Mesquita; Prosa na praça, dia 17, com Olavo Romano; Histórias de encantamento e cordel, com Olegário Alfredo e convidados. Para fechar a temporada, Contos de Natal, com o Grupo Aletria, dia 1º.


SAIBA MAIS:
literatura oral
Trata-se da mais antiga arte de exprimir eventos reais ou fictícios em palavras, imagens e sons. Os humanos, naturalmente, têm habilidade para o uso da comunicação verbal no ensino e no entretenimento. Muitos elevaram essa habilidade ao nível de arte. Na década de 1970, uma assim chamada "Renascença" da literatura oral teve início nos Estados Unidos e, com isso, muitos narradores tornaram-se profissionais. Daí, foi criada a National Association for the Perpetuation and Preservation of Storytelling (NAPPS), agora National Storytelling Network – Rede Nacional de Literatura Oral. No mundo contemporâneo, a figura do contador de histórias está intimamente ligada ao incentivo à leitura, entretenimento cultural e difusão do folclore regional. E a maneira como é transmitida a história contada também encontra novas técnicas e formas, mescladas a antigas – o teatro de fantoches e de formas animadas, o teatro de bonecos e a pantomima.

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 8/11/12

domingo, 4 de novembro de 2012

Marcello Castilho, o super-herói



Chegado às grandes aventuras, aprendi cedo que super-herói é aquele sujeito de habilidades particulares, de ações em prol do interesse público. Na história, o primeiro de que se teve notícia foi Percy Blakeney, em 1903. Um nobre inglês, mestre do disfarce e das fugas, que, durante a fase do terror na Revolução Francesa, conseguia salvar indivíduos da morte pela guilhotina. Recebeu o nome de Pimpinela Escarlate. Depois veio o Super-Homem, a partir de 1938, e a galeria da ficção não parou mais.

Moleque, sonhador, quis identificar algum sujeito de carne e osso, que, mesmo sem aquelas proezas físicas sem precedentes, preenchia alguns pré-requisitos à minha concepção de super-herói. Tentei que o título ficasse em família. Impossível: imperfeitos demais, não havia no meu sangue alguém acima do bem e do mal. Já crescido, numa sala de estudos da arte, tive contato com um sujeito extremamente curioso: Marcello Castilho Avellar. Um cavalheiro, fumante inveterado, pragmático, de simpatia discreta – imperceptível aos olhares rasos. Mestre que, vez por outra, gostava de mandar beijinhos para os alunos mais legais.

Marcello Castilho já era um velho conhecido das letras. Colega de corredor na redação do jornal Estado de Minas – na época, na Rua Goiás, na Região Central. Lá, até então, jamais havíamos trocado idéia de valor no campo da amizade. Admirável, inacessível à maioria dos “humanos”, o crítico era também colaborador na maior diversidade de assuntos de que já se teve notícia num veículo de comunicação. Contudo, foi no Centro de Formação Artística (Cefar), da Fundação Clóvis Salgado, no início dos anos 1990, que selamos nossa amizade e parceria. Juntos, rodamos Brasil, dividimos o palco e demos boas gargalhadas. Com ele, são intermináveis as lições sobre a arte e a vida.

Melhor amigo, irmão, diretor, professor e jornalista, Marcello se fez exemplo. Um homem livre, de ações em prol do interesse público, de conduta impecável no trato com o justo. O artista-educador, orientador até dos mais soberbos das artes cênicas e do jornalismo em Minas Gerais, pensava e agia com liberdade rara, sem o menor compromisso com os interesses do poder e da prata. No ano passado, em novembro, sem dar conta de sua genialidade, o plano terreno perdeu a sombra de sua estatura. Pequeno, perdi um guia, meu super-herói. Saudades eternas, meu irmão!

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho