Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

O jardineiro e o ladrão


Fabiano nunca foi de briga. Homem de bem, de paz: jardineiro. Nos raros quintais da Região Centro-Sul de Belo Horizonte, não há quem o supere na arte de cuidar das plantas. Sabe tudo de árvore, raiz e flor. Admirável, tamanha generosidade na lida com a natureza. Força do acaso, em 2001, Fabiano – quem diria – tirou a vida de sujeito.

Filho de Bastião, o chaveiro, Fabiano herdou do pai a habilidade manual. Mãos de neurocirurgião. Romântico, sincero e religioso, o moço escolheu a dedo moça com nome de flor para se casar: Margarida. Companheira em sensibilidade e beleza de encher os olhos. Conheceram-se na escola pública da periferia.

Na vida de Fabiano, três grandes paixões: a jardinagem, a mulher e a bicicleta antiga, de barra circular. Quem o conhecia sabia que ele morreria por qualquer um desses amores. Aos sorrisos, andava para tudo quanto é lado montado na raridade. Foi nela, depois de cortar a cidade, o primeiro passeio com a Margarida. Pedalou de Santa Efigênia até Venda Nova, meio dia, só para ver a moça, de férias na casa da avó.

Cena de cinema o buquê de rosas vermelhas amarrado na garupa em frente ao portão da casinha amarelada. Fabiano respirou fundo e bateu palmas para ver a moça, linda, surgir na janela de madeira velha. Com as flores plantadas por ele, o jardineiro arrebatou o coração da Margarida ali mesmo, na Avenida Vilarinho. Depois, os dois saíram para tomar sorvete. Em lábios melados, beijaram-se pela primeira vez.

Futuro de dias felizes: barracão erguido nos fundos da casa do pai, no Bairro Paraíso, e casório de dar gosto. Uma festa! A vida sorria: jardins, amor correspondido e a bicicleta – sucesso e motivo de orgulho desde garoto. Vez por outra, Fabiano se lembrava do Natal em que recebera a bicicleta do velho Bastião: “É pra te ver feliz, moleque!”.

Domingo de sol. Passeio com a mulher no alto da Avenida Afonso Pena. De assalto, foi abordado por três ladrões. Os criminosos tomaram os brincos e a bolsa da Margarida. Do Fabiano, o tênis, a carteira, o relógio e o celular. Vitimados, em silêncio, não reagiram. Um dos bandidos, o mais alto, de revólver na mão, exigiu a bicicleta.

Fabiano, tomado de força e velocidade sem precedentes, mandou ver mão e pernada para tudo quanto é lado. O revólver ainda disparou para o alto, antes de cair na calçada. Mesmo quebrados na pancada, os dois menores conseguiram fugir. Já o maior, que segurava o 38, agonizava com a cabeça ensangüentada sobre pedra pontiaguda.

Dois advogados, moradores da Avenida Bandeirantes, viram tudo. O bandido morreu a caminho do HPS. Fabiano foi inocentado: legítima defesa. Cinco anos passados, todo Dia de Finados, o jardineiro deposita flores no túmulo do ladrão morto, enterrado no Cemitério da Saudade. Vai com Margarida, de bicicleta.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 12/11/12

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