Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Os subterrâneos das paixões


Agenor, quarentão, estava que não se aguentava de saudade da enteada Carolina. Depois que a mulher dançarina abandonou a família por caso antigo, foram seis meses sem um sorriso sequer da menina única – cópia fiel de Inês, a mulher bandida. Três vezes ao telefone apenas. E tudo muito rápido, cheio de pausas. Da última, marcaram conversa na casa de shows onde o genro, performer, é atração na noite. Foi a condição de Carolina para o encontro, já que Agenor não aceitava Walace, o namorado.

Para o advogado, sistemático, cheio de regras, artista era sinônimo de problema. Sendo assim, Walace, com aquele cabelão black power, cheio de roupas coloridas e modo de falar descolado, não inspirava nenhuma confiança para ser o homem da menina tão querida. Além do que, desde que se casou com Inês – mãe solteira, com Carolina de 12 anos na bagagem –, Agenor foi tomado por verdadeira loucura pela enteada. Um amor descabido, impossível e secreto, trancafiado na alma por mais de dez anos.

Carolina, por sua vez, também sentia algo sem explicação por Agenor. Jamais conseguiu vê-lo como padrasto. Ela passou a adolescência provocando o marido da mãe, atualmente, dançarina em cabarés da Europa. Tanto provocava que a mãe sabia. Inês, no início do ano, quando largou Agenor, deixou bilhete de uma linha na bolsa da filha: “Meu marido agora é seu. Do jeito que você sempre quis, Carol”. E partiu, enrabichada com um dançarino espanhol. Carolina, aos 23 anos, sentindo-se culpada pela atitude da mãe, saiu de casa e foi morar com o tal Walace, colega do curso de artes plásticas.

Agenor chegou mais cedo para o encontro. Workaholic, levou pilha de trabalho para a casa de shows e ficou lá, no suco de laranja e descendo a caneta na papelada. Carolina não demorou. Estava linda, vestida em roupa de festa, em cores quentes. Walace, no camarim, se preparava para a dança performática em parceria com a banda da noite. Agenor, solitário que só ele, mergulhou nos olhos de Carolina e sorriu profundo como nunca fizera em toda a vida. A moça retribuiu com um suspiro sincero, cheio de intenção. Sentados, frente a frente, decidiram dar jeito nos subterrâneos das paixões. Depois do silêncio, deixaram a boate de mãos dadas sem olhar para trás.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

segunda-feira, 7 de outubro de 2013

Tudo vai ficar bem

Francisco não se abateu quando recebeu a notícia de que estava doente. Gravemente doente. Os pais, bem relacionados no estrangeiro, trataram logo de ajeitar hospital especializado nos Estados Unidos. Já Francisco, aguerrido, só queria que a irmã caçula, Mariana, ficasse bem. Foi ele, desde os 12, quando o pai e a mãe assumiram compromissos além da conta na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que sempre cuidou da menina.

Aos 22, cheio de vida, o diagnóstico de mal devastador assombrou o coração de Francisco, estudante de geografia e escoteiro. Contudo, ele se manteve firme. Por amor a pequena Mariana, de 10. Na rua em que morava, na Região da Pampulha, havia outro motivo para Francisco manter-se cheio de esperanças. A bela Catarina, estudante de teatro, voluntária em hospital infantil e ex-namorada.

O fim do namoro foi justamente no dia em que Francisco soube o resultado dos exames e a viagem já acertada para a próxima semana. Dois golpes em menos de 8 horas. Catarina foi dura e direta: “Acabou. Não dá mais. Estou gostando de outro e não posso mais enganar você”. Francisco ouviu em silêncio. Sorriu miúdo, em silêncio, e levou Catarina até a porta. E só.

Quem procurou ficar do lado do escoteiro, logo que soube, foi o único amigo, também vizinho: Fabinho. Francisco precisava dividir o drama com alguém e chamou Fabinho para “a conversa mais séria de todos os tempos”. “É sério. Acho que tô indo, sem volta, Fabinho… e quero que você me prometa que vai cuidar da Mariana por mim. Promete?”

Fabinho disse “sim”. Não teve muito mais a dizer. Estava com o coração em frangalhos, tomado pelo drama de Francisco, o melhor amigo. Silêncio e angústia no banco da praça em flor. Sem rumo, o Fabinho. Especialmente, porque estava de caso com Catarina.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho