Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Que venha 2011!

Tá bom. Reconheço a rabugice da semana passada. A coluna “É Natal. E daí?” pode até ter tido lá os seus excessos, mas continuo assinando em baixo tudo o que escrevi em relação às incoerências do período. Ficamos no meio a meio, ok!? 4x4, já que Paula, Lucio, Mauro e André escreveram dizendo que o Natal é legal; e Vanessa, Ediberto, Rubinho e Batata espinafraram a hipocrisia que ronda o mês de dezembro. Então, por hoje não falamos mais no assunto. Vamos olhar pra frente porque dezembro já é quase passado. Falta uma beiradinha só pra gente virar a folhinha e começar a contar os dias, cheios de gratidão e otimismo, de novo.

Acho um barato esse lance de calendário. Quem inventou isso foi genial. O ruim é só porque marca o quanto a gente envelhece. Bom, mas a gente ia envelhecer de qualquer maneira, não é!? Afinal, só não envelhece quem já morreu. O caso é que conto os meses com muito gosto. E não sou do tipo que fica olhando pra trás. Coisa boa é poder olhar pra frente, amigo leitor. Com ou sem a ajuda do calendário, gosto de rumar o futuro. Sei que pode parecer uma incoerência, já que, se pararmos pra pensar, o futuro nem existe. Mas a maneira que encontrei de pensar no futuro é viver muito intensamente o presente. Sei bem que cada passo que dou hoje reflete logo ali na frente. Então, comigo é assim: rumo o futuro com os pés bem firmes no presente.

Gratidão e otimismo. Só tenho a agradecer por 2010 e esperar muito, com fé e esperança, de 2011. Disse o Jabor: “A vida gosta de quem gosta da vida” – também não esqueço a frase, Neidinha. Coisa boa é viver bem. E viver bem é pra bem poucos. Porque tem gente que só sabe mesmo é reclamar. São os que chamo “vampiros de energia”, capazes de secar até plantação de pimenteira. Tem gente assim, aos montes, por aí. Mas desses escrevo outro dia, porque isso rende assunto pra mais de metro. O negócio é não dar confiança e olhar pra frente. Todo mundo tem problema. O lance é como cada um lida com os seus desacertos. Pra mim, digo sempre, tendo saúde, o resto é lucro e ponto de vista.

Aprendi cedo com o velho Botelho a não confundir mal-estar com doença, tampouco força das circunstâncias com azar. O mais, é lá com meu São Jorge guerreiro, que me protege de noite e de dia. Sabe, amigo leitor, há um Deus forte e generoso em cada um de nós, tenho certeza, capaz de combater tudo o que não presta. Basta crer sempre. Como? Com gratidão e otimismo. Sempre e cada vez mais. Obrigado, 2010! Que venha 2011, a beira-mar, como um rei de chinelas!

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 29/12/10

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

A solidão de quem fica

É no Natal que a solidão doída de Iolanda mais aperta. Desde que Maurício se foi, há sete anos, não houve um só dezembro de felicidade na vida da costureira de vestidos finos. Só o prazer pela costura a lhe manter o sentido da casa vazia. O filho? Foi tomar jeito com as forças armadas. Oficial dos bons do Exército brasileiro, vez por outra telefona ou passa e-mail: “Oi! To vivo! E aí? Na próxima folga vou ver se apareço. Câmbio desligo”. Não. Não aparecia. Cresceu largado, sem nunca dar bola para a família. Fabrício não era mau garoto, mas não tinha o menor talento para ser filho – algo bem comum nos dias de hoje. Não que Iolanda não tenha sido boa mãe. Até que foi. Só que depois da viuvez, caiu em depressão profunda e não deu conta de lidar com as manhas do adolescente rebelde.

O garoto pintou e bordou, fez e aconteceu. Tanto deu trabalho que, aos 18 incompletos, acabou saindo de casa para morar em república de desvairados. De lá, dois anos passados, influenciado por primo amigo resolveu prestar concurso para oficial. Só assim deixou as drogas e acertou rumo. Mas da mãe não parecia querer saber. No entanto, a costureira não sofria de morrer com a ausência de Fabrício: “Filho criamos para o mundo”, resignava-se. Era Maurício, o marido, quem mais fazia falta no casão de esquina, no Bairro Santa Tereza. Morto, Iolanda o amou ainda mais. Amava-o com tamanha verdade, que podia senti-lo presente a qualquer tempo ou instante. Algo jamais experimentado ao longo de quase meio século de vida. Iolanda chegava a preparar pratos prediletos do marido para jantarzinhos a luz de velas, sozinha.

Menina ainda, nem bem chegados os 50, mantinha-se vaidosa em homenagem ao piloto. Maurício, comandante de boeings, ao partir ou voltar de suas intermináveis viagens, jamais deixou de elogiar a beleza da mulher. Iolanda não se perdoava por não ter feitor sequer um voo com o marido. Até tentou, mas jamais conseguiu colocar os pés numa aeronave em que o comandante Maurício estivesse. É que Iolanda tinha certeza morrer de desastre de avião e não queria levar o marido. Em todos os grandes passeios juntos foram sempre em voos separados. E assim, em mais de duas décadas, rodaram o mundo. Viagens revividas por fotografias nas paredes da casa. Iolanda passava horas a navegar por todas aquelas lembranças.

A notícia da morte de Maurício foi dura numa manhã de 25 de dezembro: “Sinto muito”, disse o presidente da companhia aérea. Não por problemas com o avião. Infarto fulminante em quarto de hotel no estrangeiro. Minutos antes da fatalidade, Maurício ligou para desejar boa-noite: “Flor, falta você. O quarto é lindo e tem vista para o Pacífico. Boa noite!”. Isso ficou como música, que ainda hoje faz sonhar Iolanda na solidão de quem fica. Forte, a viúva só não da conta de conter lágrima no Natal. Fim de semana ela chorou. Não pelo filho ausente em missão de paz no Haiti. Mas pelo marido piloto no céu, que continua a riscar estrelas.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 27/12/10

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

É Natal. E daí?

Entra ano, sai ano é sempre a mesma história. Não gosto do Natal. Pode até parecer rabugice, mas há algo que me encuca: não pode estar certo todo o espírito de bondade, de generosidade, de paz, de amor e de solidariedade estar concentrado numa só época. Melhor seria equilibrar todo esse bem ao longo do ano. É beijo, abraço e tapinha nas costas aqui, ali e mais acolá. Não dou conta. Tenho pra mim que o verdadeiro Cristo nasce todos os dias. No mais é esquema do comércio. Jogada sensacional pra aumentar as vendas. Conversa pra boi dormir.

Não sei onde está escrito que no fim do ano todo mundo tem que amar mais, comer mais, beber mais, e tudo mais. Besteira! Religião à parte, a celebração do nascimento de Cristo bem que merecia ser diária. Uma vez por ano é bem pouco. Talvez o mundo fosse melhor sem o consumo desenfreado e as festanças rasas de fim de ano. No Natal e Ano Novo todo mundo é amigo de todo mundo. Toda gente quer e sabe fazer um social. Haja fartura! Uma beleza! Sabemos não ser bem assim. Relações profundas não precisam de pretexto para se renovar. Renovam-se a todo instante, simplesmente.

Em família, então, para muitos, é uma encenação. O sujeito passa meses sem fazer uma visita, sem dar um telefonema pra saber como vão as coisas. Chega o Natal, é papai pra cá, vovó querida pra lá, uma farsa. Não dou conta. Aí, os meus amigos, companheiros de todos os dias, dizem: “É o espírito do Natal, Josiel”. Espírito do Natal é o da carambola! Espírito do Natal de verdade é outra coisa: é a presença da mente. Conheço sujeitos aos montes que não tem presença que vale um café.

Entendo os compromissos pela sobrevivência. Especialmente aqueles que, muitas vezes (ou quase sempre), nos fazem ficar distantes daqueles que amamos – eu mesmo, agora, por força das circunstâncias, estou bem distante de pessoas muito amadas. Mas quem disse que o amor de todo dia não sobrevive à distância de duas semanas? O que não vale é fazer de 25 de dezembro único pretexto para ser o bom, ser o tal. Sei de gente assim, incapaz de fazer um agrado ao irmão ao longo de 360 dias, e que, no Natal, distribui restos aos estranhos debaixo das pontes.

Contudo, não posso crer que o Natal seja apenas época em que as diferenças se acentuam ainda mais. Aos afortunados, tudo; aos que nada tem: qualquer migalha basta. Afinal, caríssimos, é Natal e é preciso saber agradecer, ora essa. Porque, é claro, há também, um mundaréu de mal-agradecidos. Estes, os piores: os que nada fazem nunca e esperam pela generosidade do outro sempre. Falar disso pra quê? Nasceu o menino Jesus! É tempo de paz – por estes dias apenas. Depois, deixemos o pau quebrar. Ano que vem tem mais Jesus. Francamente, pai! É Natal. E daí?

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 22/12/10

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

O olho do capeta

Mateus foi o caçula de família bandida. No barracão de fundos, só ele não era chegado da bandidagem. De resto, o menos ruim era Piolho, dois anos mais velho, que, aos 16, covarde, já havia chutado a cabeça de cruzeirense abatido em noite de vale-tudo. Mateus jamais gostou da nuvem negra que rodeava os cinco irmãos mais velhos. O menor parecia fruto de outra barrigada, já que até a mãe cumpria pena: assassinato. Dasdor matou o terceiro marido, pai de dois de seus filhos, dormindo. Descarregou tresoitão no peito do infeliz. Mateus testemunhou o desabafo de fogo da mãe traída. Os irmãos estavam na rua, no exercício da falta de sorte, entre fogueteiros e soldados do tráfico.

Mais do que a cena de paixão e morte, revelação de Dasdor marcou profundamente Mateus. Enquanto ele chorava em silêncio, a assassina rosnava: “Chore não, minino! Esse traste nem era seu pai. Seu pai é o Padrim. O Padrim!”. Padrim era sobrinho de consideração de Dasdor. Um outro criminoso do círculo. Mais jovem residente de presídio de segurança máxima por tudo que é coisa ruim e formação de quadrilha. Mateus tinha verdadeiro pavor de Padrim: “Ele tem o olho do capeta”, guardava para si. Ainda mais porque Padrim abusou dele, certa vez em que esteve foragido, escondido no barraco. Aquilo deixou o pequeninho tristíssimo. Da tristeza, uma única convicção: “é preciso ser diferente”. Depois que Dasdor foi presa, não demorou para que Mateus abandonasse o barraco e os irmãos. Arranjou trabalho de servente numa obra em bairro de luxo. O chefe da construção gostou da sinceridade do moleque ao pedir oportunidade:

– Pois não, rapaz. Pode dizer.
– Quero a vaga porque na minha casa só tem bandido e eu quero ser diferente.

O bom mestre de obra não só o contratou servente como também deixou que ele morasse por uns tempos na construção e, com isso, ganhasse uns trocados a mais como vigia. Mateus trabalhou e estudou como gente grande. Da obra para o escritório da construtora foi um pulo. Comeu o pão que o diabo amassou para aprender, mas, muito esforçado, antes dos 20 já estava na faculdade de direito. Da mãe e dos irmãos nem saudade ou notícia.

Determinado a ser mais e mais, estudou, estudou e estudou até passar em importante concurso. Nomeado, cheio de orgulho, sem jamais olhar para trás, o Excelentíssimo Juiz Mateus Da Silva e Silva estava pronto para seu primeiro tribunal como magistrado. No banco dos réus, velho conhecido: Padrim, o olho do capeta.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 20/12/10

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Covardia ou ignorância?

De fato, o homem é mesmo de espantar, amigo leitor. Impossível compreender ou aceitar o assassinato do jovem cruzeirense Otávio Fernandes, de 19 anos, flagrado pelas câmeras de segurança do Chevrolet Hall. As cenas divulgadas pelas tevês, que caíram na internet, chocam pela monstruosidade e covardia do crime. Enquanto agonizava no asfalto, agressores pisoteavam e massacravam o garoto. Não há, entre os meus companheiros, um só bom torcedor atleticano ou cruzeirense que não esteja revoltado com a atrocidade do ocorrido.

O Adelson, apaixonado pelo Galo, está possesso: “Isso não é torcida organizada. É quadrilha organizada. Isso não tem nada a ver com as provocações sadias que, na minha opinião, até devem existir entre os rivais. É crime. Não é coisa de torcedor que sabe honrar a camisa do seu time. Torcedor que faz isso mancha a honra do clube. Não é possível que esse povo não tem consciência de que isso é péssimo pra imagem da torcida. Isso não é torcer nem aqui nem na China. Estou revoltado, Josiel. E justamente porque sou Galo desde que nasci. Na minha família todo mundo torce pro Galo e tá todo mundo revoltado também”.

Não tem se falado noutra coisa por esses dias. Oswaldo e Klebinho, torcedores do Cruzeiro, de carteirinha, homens de família e de bem, estão bastante atentos à onda de violência entre torcedores. Conscientes, falaram e chamaram a atenção em ponto de encontro da Avenida do Contorno. O Klebinho sabe das coisas: “É preciso primeiro separar o joio do trigo. Tem cruzeirense que não presta, tem atleticano que não presta. Mas a grande maioria gosta mesmo é da festa. A gente tem que tomar cuidado para não generalizar e não deixar isso contribuir ainda mais com a violência. Tem muito garoto perdido, influenciável por aí. Aí, surge um grupo que prega a pancadaria. Pronto”.

O Oswaldo não perdoa é o vale-tudo: “Vivo falando que essa pancadaria não pode fazer bem. Vocês viram só a pinta do povo que vai ver esse negócio de vale-tudo? Deu no que deu. Se a pessoa não tem juízo acaba contaminada por esse negócio de dar porrada. O povo tá precisando é de mais educação. Enquanto essa garotada não tiver mais educação e responsabilidade, crimes horríveis assim, como essa barbaridade lá na Avenida Nossa Senhora do Carmo, vão acontecer. Escreve isso aí, Josiel. O Aqui tem muita força pode até ajudar a dar mais consciência”. Está escrito, Oswaldo.

Fico com muita pena das famílias dos envolvidos na morte do Otávio Fernandes. Nenhum pai, nenhuma mãe, cria o filho para dar nisso. Família nenhuma merece passar por isso: ver o filho caçado pela polícia e indo parar no xilindró. Criamos os filhos para o mundo e o mundo anda por demais violento. Viver tem se tornado cada vez mais perigoso. Aos familiares da vítima, pobre garoto, nossos sentimentos (colegas da praça). Se não criamos nossos filhos para agredir, menos ainda para fim tão triste, espancados por bando do mal e sem nenhuma chance de defesa.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 15/12/10

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

A última lição do mestre K

K estava para morrer. Professor do Zé Coió, aluno nervosinho, ignorante, desses montes que abarrotam as salas das escolas de Belo Horizonte. Mestre K, no entanto, só queria ensinar. E se fosse para morrer, assim sendo, queria morrer no exercício do ensino. Pela educação, morria sim o mestre K. Já Zé Coió não queria aprender. Pensava ter nascido sabendo, cheio de si e de invocação. Desde moleque desconhecia limite, fazia e acontecia. PhD em confusão e pancadaria. Mas Zé Coió, mesmo sem querer, precisava frequentar escola. Fazer o quê? Ao menos para agradar a família ou fingir que estava disposto a valer a pena. Exigência do mercado, coisa da vida. Deu que Zé Coió, homem feito (?) foi parar na sala de aula do Mestre K. Pós-Doutor no trato com alunos-problemas, que, em 16 anos de magistério, já havia resgatado dezenas de maus elementos. “São os que mais precisam da gente”, repetia K, nas reuniões de emergência com a diretoria. E como havia emergência!

Mestre K não se cansava. Vivia para as salas de recuperação. Ainda mais depois que o ensino se tornou negócio dos mais lucrativos, capaz de fazer brotar faculdades pelas paredes, aos borbotões. Com isso, todo mundo, até o sujeito mais despreparado, agora, podia ter curso superior (?). Vestibular pra quê? A moda agora é “processo seletivo diferenciado”. Mamata. Uma beleza! Tem dinheiro pra pagar? Pronto. Tá na facu. Por que não? E os gestores das facus, de Norte a Sul, só no comando: “50. Vamos bater meta. É 50 alunos por turma e não tem mais conversa”. Tá certo. Afinal, a demanda é grande. É tanta gente ignorante. Facu neles!? Educadores como Mestre K chamavam a atenção: “Pessoal, vamos trabalhar a seleção. O nível dos calouros está pela hora da morte”. Para os investidores, sabichões do en$ino, preocupação apenas com a tesouraria: “Primeiro, os negócios. A educação... a educação fica pra depois”.

Enquanto Mestre K tentava recuperar o irrecuperável, nos jornais, notas noticiavam em cor-de-sangue a onda de violência contra professores. No papel, há tempos, ameaça e agressão já são rotina em letras menores, pelos cantos das colunas policiais. Naquela semana, a manchete sensacional estava guardada para Mestre K. Gente boa, atleta, muito mais preocupado em resgatar do que punir gente sem juízo ou falta de noção. Assustado, porém. O professor andava espantado com abuso e desrespeito. K chegou a comentar com colega docente: “A coisa tá feia, Corrêa. Qualquer dia desses, levamos um tiro. Um tiro”. Não demorou o crime anunciado. Dia comum, noite de aula de recuperação. Zé Coió, irado, covarde, mandou ver faca sem dó nem piedade. Não gostou da nota ruim o ignorante. Mestre K, ensanguentado, mesmo sem vida, deixou última lição ao criminoso: ignorância mata.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 13/12/10

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

O Armário de Sofia

Nas sextas-feiras e sábados de dezembro, acontece a temporada de vendas d’O Armário de Sofia, Brechó-Moda Inteligente. O brechó é baseado na idéia de economia solidária e foi criado para mulheres que adoram moda, mas não se deixam levar por um consumismo exagerado.

O Armário recebe peças em ótimo estado, na sua maioria de marcas famosas, das mulheres que são cadastradas como fornecedoras do brechó. Num segundo momento, as organizadoras promovem a venda destas peças com preços bem abaixo do mercado. É uma lógica em que todo mundo ganha: quem desfaz das peças que estavam guardadas e quem as compra, com preços bacanas.

O Armário de Sofia foi criado pela filósofa Flávia Resende e pela psicóloga Leísa Amaral, apaixonadas por moda. A idéia foi baseada em experiências de trabalho em rede que elas desenvolveram em comunidades carentes, trazendo para a moda a lógica do trabalho em parceria. Juntaram a esta idéia a jornalista Valéria Amorim e a designer Gaby de Aragão. O evento, que já está na 3ª edição, acontece num charmoso espaço de arquitetura.


Serviço:

Local: Rua Santo Antônio do Monte, nº476, bairro Santo Antônio.

Horário: sextas a partir das 14h e sábados a partir das 10h.

Informações: www.oarmariodesofia.com.br ou nos telefones (31) 8668-2484, (31) 9133-8174 e (31) 9699-2984

(Excepcionalmente, na semana de natal – de 20 a 23/12 – O Armário vai funcionar todos os dias, a partir das 10 horas)

As riquezas de Araxá

Não me causa nenhuma surpresa que as superpotências mundiais estejam de olho nas riquezas de Araxá. Documentos ultrassecretos, que vazaram pela internet na última semana, mostram que o nióbio – minério raríssimo, capaz de levantar foguetes – é assunto para estrangeiro graúdo. Não me espanta. Conheço bem Araxá e sei bem das riquezas e dos poderes daquele lugar. Da beleza e da educação de sua gente. Tenho passageiros em alta conta na região. Já provei dos doces e das águas de lá. O que realmente não dá para entender é a quantidade de gente que ainda não conhece o lugar. Vamos ver se agora, na crista da onda, o turismo ganha ainda mais força em Araxá. De resto, é teoria da conspiração. Falamos muito nisso, ontem, na faculdade.

Quem puxou o assunto foi o professor Fabrício, doutor antenado em economia internacional. O homem conhece mais de duas dezenas de países e, acreditem, nunca esteve em Araxá. Dá para crer? Só não pude zoar o nobre camarada porque na turma de 47 alunos só três estiveram na bela cidade do Triângulo Mineiro. Incrível. "Mas vou lá, Josiel. Em janeiro, vou passar uma semana lá, de férias com a família", disse. O professor contou que a maior mina de nióbio do mundo está em Araxá. Falou sobre a importância da reserva e deu verdadeira aula sobre a mineração e os avanços tecnológicos neste século. Grande professor Fabrício! Ainda não esteve em Araxá, mas sabe muito o doutor. Capricha na nota aí, fessô! Brincadeira.

Falei em teoria da conspiração por causa do Xavier. Meu colega na disciplina de comércio exterior – muito bom aluno, por sinal – é bem chegado na questão. Tudo para ele é espionagem e sociedade secreta. E Xavier, claro, é um dos três universitários da turma que esteve em Araxá. Aliás, tem motivos na cidade e, sempre que pode, vai lá matar a saudade de amor mal resolvido. Xavier acredita que entre os cidadãos araxaenses estão espiões interessados no nióbio. "Josiel, não escreve isso não. Quer dizer, pode escrever sim. Esse povo faz de tudo para obter informações sobre pontos assim, de interesse nuclear e espacial. Espiões profissionais podem passar a vida inteira sob disfarce. Li que teve um espião russo que viveu 60 anos como cidadão americano. Aí, velhinho, decidiu chutar o pau da barraca e contar tudo. Só que já estava num asilo e ninguém colocou fé na sua história. Só a repórter da revista".

Xavier é o cara. Ficaria rico se fosse roteirista de cinema. Agora, está desconfiado de um parente da namorada (?) em Araxá. Disse que o senhor tem tudo para ser espião. Parece estrangeiro, é muito misterioso e muito curioso também. Especialmente em relação aos segredos dos doces feitos na cidade. Já o nióbio… bem, o nióbio, segundo o Xavier, é assunto de espionagem extraterrestre.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 8/12/10

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O preço da carne

O Dudu soube pela tia, dona Ilda, da violência sofrida pelo rapper Ice Band, no Bar Brasil 41, em Santa Efigênia. Pareceu-lhe inacreditável que aquele cidadão de bem, que cantava a paz, pudesse ser vítima de tamanha barbaridade, espancado por sete elementos. Para Dudu, moço pobre do morro, órfão de pai traficante – morto a tiros – e filho de mãe doente, Hudson Carlos de Oliveira – o Ice Band – figurava a esperança. Foi o rapper quem disse a ele, numa palestra na escolinha, sobre os efeitos das escolhas que o homem faz. Moleque na época, Dudu passou noites com seu travesseirinho encardido, pensando em tudo o que ouviu daquele negro de olho de vidro.

No dia da palestra, Dudu ganhou ainda do professor Arthur – negro como ele – caderninho com texto de Martin Luther King na capa em preto e branco: "Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos". O pirralho de pouco mais de metro e meio achou aquilo bonito demais e pensou que o escrito fosse um rap do tal Luther King. Gostou tanto que o decorou canção.

Com o Ice Band – o artista-educador deficiente –, o Dudu se encontrou semana depois da palestra, numa oportunidade para ver peça teatral. Na companhia de outros 15 garotos pobres da comunidade, Dudu foi ao teatro pela primeira vez. Sentou-se na frente, bem perto do palco. Sentiu-se feliz, com o calor de todas aquelas luzes sobre as personagens vestidas de cor. Num olho só, Ice Band enxergava em dobro a satisfação da sua gente. Dudu teve o rapper ainda em mais alta conta depois do programa na casa com nome de Futuro. “Oi Futuro. Engraçado”, refletia, na volta à favela.

Dali em diante, Ice Band – o Hudson Carlos de Oliveira – se tornou o ídolo do Dudu. Foi pensando no rapper que o rapaz decidiu superar o trauma de infância, peso de dia ruim, quando viu o pai ser fuzilado na porta de casa, com um prato de comida na mão. Pequeno, chegou a jurar vingança, mas, agora, Dudu, só pensava em dar exemplo e vencer na vida – como outros tantos apadrinhados por Ice Band. Arranjou vaga de frentista em posto de grande avenida e tocou adiante os passos. Segunda-feira passada, chegava em casa depois de plantão, quando foi recebido por dona Ilda, com a notícia: “O Hudson, meu filho, o Ice Band, foi espancado por causa de um pedaço de churrasco. Pode? Tá lá no João 23”.

Dudu desceu às pressas para tentar visitar o amigo no pronto-socorro. Na cabeça encostada na janela do busão, cantarolando baixinho o “rap” do tal Luther King, uma pergunta a lhe fritar os miolos: “Qual é o preço da carne, meu irmão?”.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 6/12/10

Foto: Gustavo Baxter

O bom metateatro existencial

Feliz a readaptação da peça O lobo de ray-ban – dramaturgia bem-acabada do ator Renato Borghi – para A loba de ray-ban, levada ao Grande Teatro do Palácio das Artes no fim de semana. Em 1987, protagonizado por Raul Cortez, o texto de Borghi convenceu o público e a crítica com seu metateatro existencial. Mais de 20 anos depois, com Christiane Torloni, agora, no papel principal, a versão guardada – escrita para Dina Sfat –, se faz igualmente valiosa. Literatura de peso e profundidade, especialmente para iniciados, que, num só ato de quase duas horas, homenageia, entre outros, Thechov, Beckett, Genet, Eurípides, Vianinha, Weiis e Pirandello. Trata-se de teatro maior para quem gosta, conhece ou já sentiu na pele a crueza dos que fazem do palco a vida.

Em A loba de ray-ban, pela carpintaria de Borghi – ator com mais de meio século de carreira – prevalece a alma. No homem, na mulher e no terceiro sexo, vaidade, dores de amor, traição e abandono não se diferem. A parceria do autor com o diretor José Possi Neto, ainda melhor madura, fez com que o essencial da trama de 1987 permanecesse. Mérito acrescido, naturalmente, à presença de Christiane Torloni e Leonardo Franco no elenco das duas versões. O quarteto refaz encontro que não se repete. Ainda que prejudicado por miúdos descuidos, A loba de ray-ban é grandioso pelo conjunto.

Os pormenores ficam por conta do tom baixo, confidencial, da interpretação de Torloni em alguns trechos da peça. Ouve-se com dificuldade parte do que é dito. Nem se discute qualidade de intenções – Torloni as conhece muitíssimo bem. Mas os microfones instalados no teatro não dão conta dos sussurros da atriz. Outro pormenor é o desfile de Leonardo Franco no tablado. Chega a chatear ver ator de timing e transições tão primorosos andar balangando os braços de um lado para o outro das marcas.

A surpresa é Maria Maya, longe dos papéis menores da telinha. Intensa, de presença vertical em A loba de ray-ban. Parece castigo que tão boa atriz seja filha de gente graúda da TV (Wolf Maia e Cininha de Paula). Para a intérprete, muito cobrada pelo público e pela mídia, desvencilhar-se da fama dos pais diretores não parece ser nada fácil. No entanto, Maria Maya é de estatura que vai muito além de suas raízes. Em A loba de ray-ban, a moça se agiganta ao lado de Torloni e assegura paixão e embate. Eleva verdade construída ao nível de poder e fogo da protagonista.

Encenador de estrelas do teatro nacional, não é de surpreender a excelência plástica de José Possi Neto em luz – assinada por ele –, figurino (Fábio Namatame) e cenário (Jean-Pierre Tortil). Em A loba de ray-ban, os bastidores de Medeia, de Eurípides, compõem pano de fundo perfeito para o drama vivido pela célebre Júlia Ferraz, dona de importante companhia teatral brasileira. Penumbras, pesos e contrapesos, refletores e rampas se deslocam em diálogo entre passado e presente. A eficiência da estrutura cenográfica garante agilidade às transposições na linha do tempo.

Há ainda outro fator preponderante no êxito técnico de A loba de ray-ban: ponto final em virada redentora. Diferentemente do que busca levar a crer toda toada dramatúrgica de Borghi, o desfecho converte o ápice da quase tragicômica figura central.

Estado de Minas - EM Cultura - 6/12/10

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Desarme a violência em você



O Centro de Referência Hip Hop Brasil, a Família de Rua e o Coletivo Nospegaefaz convidam militantes do hip hop, ativistas dos movimentos sociais e populares, artistas, representantes de organizações da sociedade civil e amigos a participarem do lançamento da campanha DESARME A VIOLÊNCIA EM VOCÊ, nesta sexta-feira, dia 3 de dezembro, a partir das 20h, no Duelo de MC’s, em frente à Serraria Souza Pinto.

Esta ação presta solidariedade irrestrita ao rapper e arte-educador Hudson Carlos de Oliveira, o Ice Band, que foi covardemente agredido domingo passado, em crime de motivação racista e de intolerância,em frente ao monumento de homenagem a Zumbi dos Palmares, no bairro Santa Efigênia.

A partir de agora, todas as sextas-feiras um muro da cidade receberá a intervenção de um artista plástico de periferia, até que o processo judicial se encerre com a condenação dos culpados por este ato de barbárie que fere a dignidade humana e os direitos civis de todos os brasileiros. Em defesa da vida, da liberdade e da justiça, participe.

Informações: crh2b@yahoo.com.br

http://parksdance.blogspot.com/

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O outro lado da guerra

Com a cabeça na guerra contra o tráfico, no Rio de Janeiro, impossível não deixar o lápis correr solto na caderneta de papel pautado. Já foram folhas e mais folhas de riscos e rabiscos com turbilhão de ideias e impressões. É assunto difícil. Dos mais difíceis, para falar a verdade. Contudo, devo confessar, que, com todas as imagens que tenho acompanhado, não consigo pensar em outra coisa. Fala-se muito, entre os meus amigos e companheiros de prosa, nos efeitos do filme Tropa de Elite. Mas, ontem, no aguardo do batente, tratamos o tema por outro lado.

Tudo começou quando o Oswaldo disse que a imagem que mais o impressionou nos últimos tempos foi aquela de dezenas de traficantes fugindo da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão. Para o Adelson também: “Só ali, naquela estradinha, eram mais de 200 bandidos, armados até os dentes. Nunca vi nada parecido. Imaginem, então, quantos mil não estão ali, entre os trabalhadores do lugar”, comentou. O Juarez também estava empolgado e não podia deixar de participar: “Velho, viu só a quantidade de moto roubada? Mais de 300. Li que encontraram armamento pesado, de guerra, e mais de 40 toneladas de droga. E o casão de luxo de um traficante casca grossa lá? Piscina e banheira de hidro. Um luxo que mais parecia coisa de bacana”.

A Sueli – sempre ela – estava mais preocupada com a situação do povo de bem que deve estar comendo o pão que o diabo amassou com a operação: “Não tô falando que essa força toda não é necessária. Tô dizendo é que tem que tomar muito cuidado porque 99,9% do povo que mora nas favelas é gente honesta, trabalhadora. Vi pela televisão muito morador reclamando de abuso por parte da polícia. Isso, na minha opinião, é um absurdo”. Ninguém tirou a razão da companheira. Sabemos todos que, de fato, a situação é muito complicada. Fiquei tomando nota de tudo porque queria pensar melhor a respeito. Em casa, no silêncio do eu sozinho, penso melhor sobre o que precisa ser pensado. Lição do velho Botelho: “Reúna os seus eus, meu filho. Juntos, garanto, vocês vão pensar melhor”. E como Bandeira dois é comprometimento sério, só mesmo com a presença reforçada para liberar o texto lá para a redação do Aqui.

Aí, com a galera toda reunida, pensei no outro lado da guerra. No antes de toda essa situação. Na falta de oportunidades. Fiquei com a imagem de todas aquelas criancinhas, sem culpa, expostas a todo tipo de azar. Ninguém vem ao mundo bandido. Violeta e eu conversamos muito sobre isso. A questão é bem maior que expulsar, prender ou eliminar traficantes pés-de-chinelo Rio adentro. E o marginal de gravata? E a bandidada que atua, cercada por seguranças, nos condomínios de luxo? E os bandos corruptos, aos montes, que vivem às custas do patrimônio público? É. Vai ser preciso muita vontade política para ir além do cerco às comunidades em crise Brasil afora.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 1º/12/10
Foto: Domingos Peixoto