Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Missão: África

 AJUDA HUMANITÁRIA

Grupo de 17 voluntários de Belo Horizonte abre mão das férias e embarca hoje com destino a Guiné-Bissau para ajudar no tratamento odontológico de centenas de crianças

Por Jefferson da Fonseca Coutinho
Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Quando 2012 for passado recente nos céus de Confins, um grupo de 17 voluntários mineiros já vai estar embarcado rumo à Guiné-Bissau. O voo rumo à costa ocidental da África está marcado para 23h55 de hoje. Os missionários - homens e mulheres entre 20 e 40 anos - estão abrindo mão da família e das férias de janeiro para levar tratamento odontológico, carinho e esperança para centenas de crianças. São 20 dias de missão, com previsão de 60 atendimentos diários, em pontos dos mais críticos da região, a cinco horas de canoa no Arquipélago dos Bijagós. Todos os agentes sociais, marinheiros de primeira viagem em território internacional, tomado por epidemias e solapado pela guerra civil. Em Bissau, meninos de 8, 9 anos, órfãos, chefiam famílias e muitos professores são analfabetos.

Mãe da Emanuele, de 12, e de Rubia, de 9, Mônica Alessandra Dias Rocha, de 40, acredita que o exemplo de ação humanitária vai ser importante para o futuro das filhas. A dentista está disposta a encarar a saudade da família e levar a experiência na área de saúde pela cura dos mais necessitados. Mônica prevê demanda mais curativa do que pela prevenção, já que a maior parte da população vive em apuros também com os dentes. “O que mais me chama a atenção em Guiné- Bissau é a precariedade e a desordem política. Esse contraste, essa pobreza, é consequência do comportamento humano”, lamenta. Para a missionária, a doação é uma pequena contribuição capaz de diminuir diferenças. “Se cada um fizer a sua parte, podemos ajudar a mudar a realidade do outro”.

Pacelli Henrique, de 23, fala em caráter e atitude. Mostra-se disposto a fazer o que for preciso pelas crianças de Bissau. Para o graduado em gestão de negócios, há uma distância enorme entre o muito que temos no Brasil e a escassez do país africano. “Estou certo de que essa experiência vai impactar muito em cada um de nós”, diz. A babá Rosemeire Gomes, de 39, está deixando o casal de filhos - Poliana, de 15, e Felipe, de 21 - para oferecer carinho aos pequenos guineenses. “É um sentimento de mãe. Quero dar carinho para essas crianças. Cuidar um pouco delas, levando a palavra do Senhor”, sorri, terna.

“Fé é um passo muito importante contra toda a precariedade que abate o povo de lá”, defende Claudinea Conceição, de 34. Para a missionária, além de problemas com falta de comida, saúde e educação, há ainda a ausência de esperança. Marido e mulher, Douglas Rafael, de 32, e Thayse Porto Arantes Rafael, de 28, embarcam cheios de expectativa. Douglas, advogado, prega que a esperança pode converter dificuldades. Thayse, olhos brilhantes, não esconde a alegria missionária ao lado do marido. “Estou realizando um sonho de muito tempo. Um sonho que Deus colocou no meu coração desde os 16 anos”, emociona-se. A estudante diz-se preparada para lidar com as dificuldades da missão, dos problemas e cuidados que todo o grupo vai enfrentar com alimentação e para evitar as doenças tão comuns que abatem os guineenses. Na região, as doenças graves mais frequentes são as amebíases, gastroenterites, infecções respiratórias, nemátodos intestinais, salmonelloses, shigelloses, giardia, tuberculose, febre tifóide, o paludismo e a SIDA.


Ação e transformação

“Com o coração acelerado”, diz-se Wilson Venâncio, de 31. “Jesus foi um agente de formação e de transformação. A gente pensa em ser assim também”, sorri. Missionário há 9 anos, com experiência entre os pequenos mais carentes da Pedreira Prado Lopes, na Região Noroeste de Belo Horizonte, Wilson tem mensagem na ponta da língua para os meninos pobres de lá. “Assim como um dia eu não tive nada, não era nada, o mesmo Jesus que me deu condições pode transformar a realidade deles também”. O designer gráfico, firme na fé e na fala, mostra notável disposição para a missão.

A enfermeira Clélia Regina da Silva Macedo, de 37, acostumada com as situações mais críticas na saúde, está apreensiva com o que vai encontrar em Bissau. “Ao mesmo tempo, estou muito feliz em poder fazer algo pelas pessoas de lá”, suspira. Das passagens marcantes que leva no coração está a cura de um paciente, de 59 anos, do Hospital de Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana, no fim da vida, para muitos. Segundo Clélia, quando ninguém acreditava em recuperação, ele, cheio de fé, conseguiu deixar o hospital. “Encontramo-nos na rua, tempos depois e ele me disse: ‘Tá vendo como Deus pode mudar a situação do homem?’. Isso fortaleceu ainda mais a minha fé”, diz.

Ludmila Rosa Evangelista vê na ação humanitária um propósito de Deus. Há 10 anos em trabalhos sociais por meio da cultura - dança e música -, a missionária já percorreu o interior de Minas pelo resgate de meninos de rua. “Sinto-me preparada. Meu coração está disposto, prevendo que algo muito tremendo vai acontecer e marcar as nossas vidas”, diz. O biólogo Vitor Hugo Simões Miranda, de 25, agente social desde 2008, espera conquistar a amizade e a confiança dos guineenses. “Esperamos tocar o coração deles por meio do nosso caráter, da nossa atitude de amor”. Estudioso da saúde, conhecedor das doenças de Bissau, Vitor reconhece os desafios que o grupo tem pela frente. Contudo, não teme. “Deus é nosso escudo”.

No auditório principal da Igreja Batista da Lagoinha, o grupo reunido acerta os últimos detalhes da missão. Gilvane Viviane de Moraes Xavier, de 37, e a pequena Luiza, de 4, não vão para Guiné-Bissau. Mas são elas esteio e fonte de inspiração para Rodrigo Xavier, pastor e líder dos 17 sujeitos de fé e bom coração. Gilvane, dentista, ajuda do plano de ação da companheira de profissão Mônica Rocha, já de malas e equipamentos prontos para a África. Rodrigo, como o bom pastor que protege suas ovelhas, tem o desafio ainda maior de levar e trazer o grupo em segurança. “Muitos me perguntam porque não vamos para o Vale do Jequitinhonha. Vamos lá também. No momento, queremos ir onde ninguém quer ir”, justifica.

Rodrigo conta que a missão humanitária da igreja em Guiné Bissau, coordenada por Gustavo Bessa, é um trabalho permanente que já existe há quatro anos. O pastor explica que a missão é custeada pelos próprios voluntários, dispostos, especialmente, a levar carinho e esperança aos mais necessitados. Cada um dos 17 missionários que seguem para Bissau na virada do ano está desembolsando R$ 5,5 mil para custos de transporte e alimentação. Há uma casa de apoio em Bissau. De lá, o grupo segue de canoa para as ilhas mais distantes do continente. Para o pastor Rodrigo, crescido longe dos pais desde bebê, cuidar do outro é dar olhos ao coração. Gilvane e Luiza, mulher e filha, já são retrato de orgulho e saudade.

Saiba mais
Português e crioulo guineense


República da Guiné-Bissau é um país da costa ocidental de África. Além do território continental, integra oitenta ilhas que constituem o Arquipélago dos Bijagós - descolado do continente pelos canais do Rio Geba, de Pedro Álvares, de Bolama e de Canhabaque. Foi colônia de Portugal a partir do século XV. Em 1974, Guiné-Bissau foi a primeira colônia portuguesa no continente africano a ter sua independência reconhecida por Portugal. Faz parte da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), das Nações Unidas, dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e da União Africana. A maioria da população vive da agricultura. Cerca de 45% dos habitantes praticam o Islão e há uma minoria de cristãos. As línguas mais faladas são o fula e o mandinga - entre as populações concentradas no Norte e no Nordeste. Outros grupos étnicos importantes são os balantas e os papéis, na costa meridional, e os manjacos e os mancanhas, nas regiões costeiras do Centro e do Norte. O crioulo guineense, derivado do português, é a língua veicular interétnica.

Estado de Minas - Portal Uai - 31/12/12

A macumba da virada



Era dezembro. A advogada Wandineia perdeu o marido para Danusa, a manicure. Um pitel: vistosa, de boas carnes e gentileza – completamente diferente da sujeita, doutora de porta de cadeia, um traste. Com a roupa do corpo, Jaci deixou casa e foi viver novo amor em Santa Luzia. Wandineia ficou abaladíssima: “Mato a vagabunda!”.

A verdade é que Wandineia pintou o diabo na vida do Jaci. De certa feita, lançou faca de ponta no vendedor que, por pouco, não ficou desfigurado. Os vizinhos viviam a dizer: “Tenho pena do coitado!”. “Ela tem parte com o demônio!”. “É o cão!”. Quem vai entender o coração? Fato é que o Jaci quase morreu de amores pela infeliz. Na igreja fez promessa: “Na alegria e na tristeza!”. Não deu conta. Por fim, foi buscar vida nova.

Quando chegou do trabalho, decidido a acabar com os sete anos de suplício, ainda ouviu desaforo. Ele contou até três, respirou fundo e mandou ver, na lata:

– Acabou.
– Que que você resmungou aí?
– Não dá mais.
– Vai amolá o boi!
– Vou embora.
– Vai nada. Você é bunda!

Jaci saiu para não voltar. Wandineia se fez durona: “Fiquei foi livre daquela inconha!”. Fato é que, quando caiu na real, uma semana depois, Jaci já estava feliz, de flerte com Danusa. Wandineia soube e se encapetou: “Ah, desgraça pelada!”. Perseguiu-o no escritório; no ponto de ônibus; na casa da mãe e na sinuca. Sem filhos e fortalecido pelo novo amor, Jaci foi firme: “Nunca mais! Nem pintada de ouro!”.

Revoltada, Wandineia resolveu fazer a macumba da virada. Na noite do dia 31, vestida de branco, dirigiu mais de hora até chegar no terreiro de beira de estrada. Virou garrafa de champanhe e foi direto ao assunto com Madame Sicrana:

– Preciso de um serviço...
– Quer seu homem de volta?

Wandineia pediu doença na rival: ferida na perna; efizema e câncer. Sicrana aceitou a encomenda. Até o carro importado a advogada teve que deixar para pagar a conta. A pé, no último minuto do ano, Wandineia decidiu tentar carona do outro lado da rodovia. Atravessou às pressas a BR-381 e foi esmagada por cegonha desenfreada.

Jaci e Danusa seguem felizes. Ainda mais agora, com a chegada dos gêmeos.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

2012!



Que venha 2013! Sem medo do futuro. "Porque o jornalismo é uma paixão insaciável que só se pode digerir e humanizar mediante a confrontação descarnada com a realidade. Quem não sofreu essa servidão que se alimenta dos imprevistos da vida, não pode imaginá-la. Quem não viveu a palpitação sobrenatural da notícia, o orgasmo do furo, a demolição moral do fracasso, não pode sequer conceber o que são. Ninguém que não tenha nascido para isso e esteja disposto a viver só para isso poderia persistir numa profissão tão incompreensível e voraz, cuja obra termina depois de cada notícia, como se fora para sempre, mas que não concede um instante de paz enquanto não torna a começar com mais ardor do que nunca no minuto seguinte."

Gabriel Garcia Marquez












 






















quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Papai Noel no divã



Não é nada fácil vestir-se de Papai Noel. Já estive, sob o sol de verão, dentro daqueles panos quentes e com aquelas barbas longas, artificiais, e posso dizer: é osso. Mas os trajes pesados e o calor são de longe o menor desafio. O pior, o que realmente dói no osso e na alma são os olhares e os pedidos de algumas crianças. Na ocasião do meu disfarce, para distribuir alguns presentes na Escola Municipal José Marcelino, na Barra de Itapemirim, no Espírito Santo, ouvi de mocinho com olhar profundo: “Papai Noel, quero que o meu pai pare de bater na minha mãe”. Aquilo me marcou para sempre. São tempos sonhando com aquele garoto de cabelos curtos, de 5 anos, e olhos negros.

Esta semana, durante encontro com papais noéis, ouvi histórias ainda mais comoventes. Mário de Assis, de 52 anos, Papai Noel desde os anos 1990 e Presidente da Federação das Associações, Pais e Alunos das Escolas Públicas de Minas Gerais (Fapaemg), à frente do Natal do Restaurante Popular de Belo Horizonte, contou-me novas passagens de tirar o sono. Em certa ocasião, uma mãe chegou com uma criança, ambos muito tristes, e pediu ao Mário, caracterizado: “Papai Noel, abraça muito ele. Abraça muito ele, Papai Noel”. Mário abraçou forte o garoto e perguntou a mãe porque eles estavam tão tristes. A dona de casa respondeu que, naquela manhã, o garoto tinha que ser abraçado pelo Papai Noel porque havia apanhando muito do pai durante a noite.

Mário tem outras histórias de partir o coração. Fala de crianças que já chegaram perto dele com pedra de crack na mão, dizendo: “Tira isso de mim, Papai Noel”. Os olhos do meu amigo fazem água ao relembrar momentos assim. Nos últimos anos, todo dezembro, o Papai Noel vivido pelo comerciante e voluntário chega a reunir cinco mil presentes para os pequenos mais carentes. Outro bom sujeito, cheio de histórias é o economista Herbert Feital, de 65, que há quatro anos reforça a renda e promove o bem como Papai Noel de shoppings e eventos. Dos momentos mais doídos, relembra quando uma mocinha, de 5 anos, arrancou-lhe lágrimas: “Ela, doce, sentou-se no meu colo. Perguntei-lhe o que ela queria ganhar de Natal. Ela disse: ‘Quero que meu pai volte pra casa’. Aquilo mexeu muito comigo”, diz.

O Osmar Fonseca, de 52, foi Papai Noel por mais de 10 anos na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Parceiro de muitas jornadas, pai de família exemplar, quase não dá conta de tocar no assunto: “Sou fraco, reconheço. Não consegui continuar. Vi crianças felizes com um cachorro-quente e uma bola de plástico de presente, enquanto na minha família, vejo um bando de mal-agradecidos, com presentes da moda, de alta tecnologia. Aquilo me adoeceu. Não dava conta dos meus sobrinhos adolescentes, rebeldes sem causa, explorando e fazendo sofrer meus irmãos que vivem em dificuldades. Na minha casa, juntei dinheiro para o meu filho fazer um curso e ele estava torrando as minhas economias na farra”, desabafa.

O Ismael Luis Machado, de 62, também não foi forte o suficiente para continuar como Papai Noel. O aposentado conta que desistiu da missão no dia em que chegou num barracão de Ribeirão das Neves, na véspera do Natal, e viu uma família inteira com muito pouco o que comer. “Sou safenado. Meu coração não aguenta, Josiel. Eram nove pessoas na família. Uma avó entrevada, um casal e seis criancinhas. Fui recebido com uma alegria que jamais vou esquecer. Não tinha mantimento que dava para o dia, ainda assim eles eram felizes. No fogão, arroz, feijão ralo, farinha e ovo. Foi o almoço de Natal mais emocionante de toda a minha vida”.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Tropa do bem



Que o espírito amigo, de dezembro, avance 2013. Em vários pontos da cidade é tempo de celebrar e olhar o outro, de perto. Exemplo que merece ser seguido: Tio Fernando e companhia renovam votos de solidariedade e promovem mais um Natal solidário no Bairro Santa Mônica, na Região de Venda Nova. Cerca de 40 crianças da Vila Aparecida, no Bairro São João Batista e arredores tiveram domingo de festa, com almoço, carinho e presentes. Os mocinhos de panos curtos pediram em carta e foram atendidos pela boa gente reunida pelo microempresário José Fernandes, de 45 – ali, “Tio Fernando” para a garotada.

Padrinhos de vários pontos da região metropolitana, de posse das letrinhas miúdas, trataram de atender os pedidos, que incluíam cestas básicas, roupas e calçados. No salão da Avenida Augusto dos Anjos, voluntários trabalharam cheios de disposição durante todo o fim de semana para o encontro dos pequenos e seus familiares – 120 convidados. De Lagoa Santa, Fátima e Welington trouxeram o carro carregado de reforço para a festa. São os mais novos voluntários da tropa do bem, em ação permanente pelas crianças da região.

No salão, a meninada dançou e fez arte, comandada pela trupe de animadores. A costureira Agnália Alves, de 40, liderança da Vila Aparecida, não escondia a alegria e a emoção de ver seus pupilos rindo à toa. No palco, dois arranjos com girassóis davam ainda mais brilho à performance das animadoras. Do lado de fora, sob o sol de meio dia, as crianças ganham a rampa. Fabrício, de 10, Kevin, de 13, Sofia, de 3, e Julia, de 9, educados de dar gosto, chegaram cheios de expectativa para o almoço. Afilhados para a vida, o grupo miúdo faz o futuro parecer bem mais bonito.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

O fim do mundo já é



Catástrofe desmedida, por enquanto, só no cinema. Cientistas da Nasa, que parecem saber tudo o que ocorre no espaço, garantem que o mundo não vai acabar na próxima sexta-feira, conforme a suposta e temida profecia maia. Até porque, amigo leitor, nada me tira da cabeça que o mundo já começou acabar faz tempo. E o que para muitos pode ser o fim, talvez, quem sabe, seja apenas um novo começo. Uma chance para uma nova era, sem tanto desperdício de vida. Verdade seja dita, o homem anda para lá de para trás, tomado por tanta violência, ganância, miséria, corrupção e cegueira. Sem falar na destruição da natureza, desintegração iminente do planeta, da vida. É tanta ação assombrosa que envergonha os continentes, que não seria de estranhar se o criador do céu e da terra resolvesse renovar os ares entre os polos.

Aliás, sou levado a crer que Ele, grande mestre de todos os mares, responsável pelos brotos e pela queda de todas as folhas, não anda de braços cruzados lá em cima. Há muito, em todas as rodas da praça, troco ideias com passageiros das mais diferentes crenças e atitudes. Ouço, rabisco e reescrevo impressões. Tomo nota disso e daquilo. Depois, leio, releio, e alguns dos pensamentos – os que ficam – trago de volta à pena. Há uma transformação do bem em muitos corações de atitude, é fato. Quem está despertado para a vida, certamente, não vai se arrepender de dar valor ao instante. Por outro lado, também chama a atenção todos aqueles sujeitos que vivem como se o mundo já tivesse acabado. Uma pena. Viver, para quem sabe – e isso não tem nada a ver com dinheiro, acreditem – é um encanto.

Não tenho dúvidas de que o que fazemos da nossa vida ecoa pela eternidade. Certa vez, li que “uma gota no oceano não é gota. É oceano. Assim sendo, nós no universo… elementar, somos o universo”. Acreditar nisso é extremamente motivador. Contra o bem, a preguiça e a letargia, a falta de ação ou pensamento positivo são uma doença terrível, alimentada por dentro. O remédio é a coragem, é a fé. Por menor que sejam, “fé e coragem podem dar jeito no que parece não ter solução”, diz um sábio, velho conhecido. É de entristecer topar pela vida com gente sã, forte e cheia de futuro, prostrada, à espera de um milagre, de um sinal de Deus. Como assim? A vida é um milagre, amigo. Que sinal pode ser maior do que a própria presença, do que a vida que pulsa dentro de cada um? E o amor?

Ah, o amor… o amor é a salvação! Deus é o amor! Acredito com todas as forças que o maior atraso da humanidade é a busca de Deus fora, longe, como um sujeito de poder inacessível, comercial. Não, amigo leitor, o Criador, Mestre do céu e da terra, Senhor de todos os mares, não pode estar fora. Ele está aqui, aí, dentro de cada um de nós. É o que o faz onipresente. As fatalidades não o afastam. Enterrei gente muito querida, próxima, jovem, que sucumbiu na doença. Vi pais e mães no choro mais doído, mais triste, de que já se teve notícia. Há muito entre o céu e a terra que foge ao nosso entendimento. O fim do mundo já é. Contudo, fica a certeza de que, como nas folhas das mais belas copas – ainda que breves –, há uma força, apanhado da razão, que nos mantém tomados de vida para todo o sempre.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

domingo, 16 de dezembro de 2012

O menino e o velho



Chiquinho, pequeno que é, não estava dando conta da família: da discórdia entre os irmãos; da bebedeira do pai; do fanatismo religioso da mãe; do tio Luca, preguiçoso, cheio de dívidas; da falta de ação do avô – 24 horas por dia deitado diante do ventilador, comendo chips e tomando café. Um caos o endereço. O menino, aos 6 anos, já não conseguia pregar o olho há tempos, tão incomodado estava com aquele fim de mundo iminente. Até carta de palavra só para o Papai Noel, Chiquinho escreveu: “Socorro!”

Em calças curtas, o moleque não sabia a razão ou o significado das coisas. Tinha, porém, uma convicção: aquilo não era bom. Tentou chamar a atenção dos parentes, mas nada adiantou. Outro dia, com pouco mais de metro, foi para o fogão ferver a água para fazer o café. O avô agradeceu: “Ô minino bão!”. A mãe nem soube. Vivia ocupada demais no quartinho dos fundos, hipnotizada pela programação religiosa na TV.

Numa manhã – sozinho, como de costume –, em vez de ir para a creche, Chiquinho pegou o sentido oposto da Rua 75 e andou sem rumo. Queria qualquer lugar longe. Bem longe. Na mochila, meia dúzia de trapos e o soldadinho de chumbo, presente da professora Marcelle. Andou enquanto havia sol e força nas pernas. Cansado e com fome, já tarde da noite, o menino arranjou calçada sob viaduto para recuperar as forças.

Além da fome e dos trovões, havia ainda o frio – efeito das águas que escorriam dos céus. “Posso me sentar aqui, rapazinho?”, perguntou o homem magro de barbas brancas, catador de latinhas. “Pode, sim senhor”, respondeu Chiquinho, educado. O sujeito sorridente, de roupas surradas e óculos, tinha um cobertor. Rasgou-o quase pela metade e deu a maior parte para Chiquinho. O velho também dividiu a quentinha com o menino. Ali, cheios de assunto, os dois passaram a noite sem reclamar da vida.

E por esses milagres que só a ficção concede, quando o sol voltou a brilhar, Chiquinho acordou em casa, no colo da mãe – aleluia, quem diria –, longe da TV. Ainda febril, olhou bem fundo nos olhos de todos os parentes e, feliz, não os reconheceu. O pai, sóbrio, abraçou o garoto como há muito não fazia. Irmãos, unidos, num só sorriso e o velho Bastião caprichando na decoração de Natal. Já o tio Luca, enrolado... esse, coitado, não teve jeito: continuava preguiçoso e devendo até as cuecas.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Na era do e-mail, o pombo-correio



Por Jefferson da Fonseca Coutinho

Esqueçam os pombos de chão e telhado, chamados “ratos com asas”, tão criticados nos grandes centros urbanos. Pensem agora nos heróis de penas, mensageiros dos ventos, capazes de salvar batalhões inteiros com bilhetes e mapas nas canelas durante as grandes guerras. Nas asas do tempo, no século 21, longe das praças, vacinados e bem alimentados, protegidos contra doenças, estão os pombos-correio, sobreviventes a era digital, presentes em pelo menos 90 federações, com cerca de 400 mil criadores mundo afora. No Brasil, Minas Gerais lidera a criação desses bravos do céu, treinados para competição, com 350 aficionados, dos 2 mil registros em todo o país.

Em Belo Horizonte, só o Columbódromo BH, no Bairro Dom Silvério, na Região Nordeste, reúne 50 associados e promove, por ano, 12 provas de velocidade e distância – chamadas “meio fundo” e “fundo”, com até 800 quilômetros de linha reta entre Bahia e Minas. As premiações são variadas e chegam a distribuir veículos zero quilômetro. Por essas bandas, uma ave campeã pode custar até R$ 5 mil. A paixão dos mineiros pelos pombos-correio não surpreende o diretor da Federação Columbófila Brasileira, Márcio Mattos Borges de Oliveira, de 53, de Ribeirão Preto, São Paulo. “Minas é um estado, tradicionalmente, de muito carinho com os pássaros, de raízes”, considera.

O professor de matemática da Universidade de São Paulo (USP), criador desde 1979, tem 300 aves e orgulha-se de quarta colocação em mundial de Portugal. Também registra o feito de 10 de seus pombos, em 2008, que deixaram a divisa de Minas e Bahia, no Vale do Mucuri, às 6h15, e voltaram a Ribeirão Preto, às 15h45, com o tempo de 44 segundos entre o primeiro e o último a tocar a placa de chegada. Das lições retiradas do pombal e dos cuidados com a criação, Márcio fala em “disciplina e conhecimento”. “O criador não tem sábado, domingo nem feriado. É preciso também leitura. O criador se torna um especialista em nutrição”, explica.

O som do bater das asas da “esquadrilha” e o céu em movimento despertam os olhares dos passantes da Rua Marfisa de Souza Raposo e adjacências, na Região Nordeste. Até os vizinhos mais acostumados não resistem e param para esquadrinhar as nuvens durante os treinos dos 250 “atletas”. Cena que, há 25 anos, se repete todos os dias e ainda emociona Welington Perdigão Lima, de 60, torneiro mecânico e presidente da Sociedade Columbófila Pampulha. Ele e a mulher, Denise Marçal, reproduzem e treinam pombos, organização as competições anuais, além de dar assistência aos 50 associados do clube. Nos dois últimos anos, por temporada, Welington tem percorrido 14 mil quilômetros com o caminhão que transporta as aves competidoras, enquanto Denise cuida da aferição e dos registros eletrônicos de cada evento.

O criador explica que os pombos-correio não voam para qualquer lugar como muita gente pensa. O que ocorre é que a ave, territorialista, sempre volta para o espaço em que nasceu e ganhou penas. Assim, como indicam registros históricos – dos faraós do Egito antigo aos generais da Segunda Grande Guerra –, esses pequenos sujeitos de penas ajudaram a escrever feitos da humanidade falando por meio das canelas. Hoje, os recados deram lugar às anilhas com números de identificação e dados do criador. Uma curiosidade é que, até os anos 1980, os registros de origem e trânsito dos pombos-correio eram controlados pelo Exército.


Conversa de campeões

Falar em pombos de competição é motivo de satisfação para o empresário Hugo Leonardo Lopes, de 38 anos. Paixão que vem da infância, do contato com o irmão mais velho, criador de pombos comuns, a columbofilia é mais que hobby para Hugo. Diferentemente de muitos aficionados, que tratam suas aves pelos números de registro, Hugo dá nome a muitos de seus “guerreiros”. Cita os campeões como quem fala da família: “Tenho o Chifrinho, o Lilás, o melhor que tenho. E o Mosqueado, pai da Canoa e da Violeta, duas campeãs”. Em 2003, Hugo começou bem no mundo das competições. Logo na segunda prova, foram dele os primeiro, segundo e terceiro lugares. O que motivou ainda mais o empresário.

Conhecido em Belo Horizonte como “campeão de velocidade”, Hugo concentra suas aves nos treinos da modalidade. São 150 “velocistas de bico e pena” no pombal do Bairro União. Colecionador de títulos, nos últimos nove anos, o empresário conta nove campeões – dois machos e sete fêmeas. Outro criador vencedor, amigo, confirma o diferencial em velocidade das aves de Hugo. Ulisses Herculano Alves, de 42, segundo lugar no Columbódromo BH deste ano, fala que os pombos o ajudam a “combater o estresse”.

Esportista, criador de famílias de campeões desde 2000, o militar considera que a ave é grande exemplo para o homem. “Aprendemos com os pombo-correio a disciplina e o respeito aos limites”, ressalta. Ulisses fala da amizade entre os criadores, dos ensinamentos de cada temporada e cita passagem em campeonato, quando esteve doente por 15 dias e Hugo, adversário, ajudou-o com suas aves competidoras.


Uma bússola no bico

Para se guiar no caminho de volta, os pombos-correio têm três habilidades fundamentais: a visão, pela qual localizam o Sol e identificam sua posição (leste, oeste e norte); o relógio interno, por meio do qual identificam o período do dia (manhã, meio-dia, tarde, noite); e a memória, que eles utilizam para aprender a relação entre a posição do Sol e o horário. Orientam-se graças ao campo magnético da Terra e não ao seu olfato, segundo estudo publicado pela revista Nature, que chama atenção para a existência de magnetita no bico das aves. Segundo a pesquisa, esse “ímã natural” permite aos pombos ter uma percepção magnética dos percursos e cobrir grandes distâncias sem se perderem, regressando depois ao ponto de partida. No entanto, a explicação magnética é contestada por alguns especialistas, que atribuem a orientação dos pombos a certos odores encontrados na atmosfera.


Herói de guerra

Em outubro de 1918, o pombo Cher Ami – “caro amigo”, em francês – sobreviveu em território alemão e, atingido durante o voo, mesmo cego, com o papo baleado e sem uma de suas pernas, conseguiu levar mensagem da 77ª Divisão e salvar 194 norte-americanos do Batalhão Perdido. Pela bravura, o pombo recebeu a Cruz de Guerra francesa.

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho

Além do espírito do Natal



Semana daquelas, bem comuns em tempos de Natal. Dezembro é mês que não me desce muito bem. É quando ficam ainda mais acentuadas essa história do consumo desenfreado e da caridade de ocasião. Natal não é tempo de uma época só. Conheço gente aos montes que passa o ano inteiro sem ajudar ninguém e, agora, faz um esforço enorme para aliviar a consciência: dá R$ 10 para a caixinha do seu Zé, porteiro, incansável, sempre pronto para ajudar. Ou, então, pega aquela roupa velha - já sem lugar no armário - e dá para o primeiro pobre de palma da mão para cima, pedinte no sinal. Esses, acima, são dois casos reais, só para exemplificar o parágrafo.

Na praça, também em trânsito entre sujeitos de solidariedade, fico sabendo de coisas de cortar o coração. Crianças, por exemplo, pedindo comida, panelas e roupas em cartinhas para o Papai Noel. É ou não é de doer? Outro dia, conheci um moço dedicado, silencioso, que faz de tudo para ajudar. José Fernandes, de 45, o tio Fernando - como é conhecido entre as crianças, há 7 anos, recebe cartas endereçadas ao Papai Noel e as distribui entre os clientes de seu salão de beleza. Os presentes são entregues durante almoço de confraternização para os pequenos e seus acompanhantes, no dia 23. Este ano, Fernandes recebeu 40 cartinhas para o bom velhinho.

“As que mais chamam a atenção são aquelas cartas com pedidos para que o pai deixe de beber, saúde para a família e cestas básicas, roupas e calçados. É quando você vê que a criança está realmente precisando de ajuda”, diz tio Fernando. O voluntário revela que a vontade de ajudar veio das necessidades vividas por ele. “Minha vida não começou fácil. Senti na pele a falta que essas crianças sentem”.

A costureira Agnália Alves, de 40, liderança na Vila Aparecida, no Bairro São João Batista, Região de Venda Nova, é outra que trabalha o ano inteiro pelo bem dos outros. Ela conta as 26 crianças, “às vezes, 30”, reunidas na escolinha dominical de sua igreja, a Tabernáculo da Restauração. Orgulha-se, com razão, do trabalho desenvolvido na comunidade carente.

Nos limites de Belo Horizonte e Contagem, no Bairro Confisco, outras histórias que embargam a garganta. Lá, teve criança pedindo skate para substituir cadeira de rodas e boneca com cobertor. Sandra Mara de Oliveira, diretora da Escola Municipal Anne Frank, faz um trabalho admirável na região. Ela e equipe de educadores se destacam no acompanhamento diferenciado dos alunos mais carentes. Na Rua 4, perto da escola, conheci a pequena Antônia Ferreira de Souza, de 9. Na porta da casa sem janela, estive com a menina silenciosa, que pediu uma panela de pressão.

O sono não vem e as folhas rabiscadas se acumulam na caderneta de papel pautado. Na cabeça, sorrindo, a imagem da bela atriz e apresentadora de TV, Ana Luisa Alves, madrinha de dezenas de criancinhas de Belo Horizonte. Muitas, portadoras de necessidades especiais, do Projeto Assistencial Novo Céu. A vontade é de abraçar o mundo. O coração é bem maior que o bolso, mas atitude nada tem a ver com dinheiro. As ações de sujeitos como tio Fernando, Agnália, Sandra Mara e Ana Luísa são exemplos da mais nobre solidariedade. Estão além deste dezembro de Natal.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

terça-feira, 11 de dezembro de 2012

De salto alto



A moça não era nenhuma desgraça. Chapinha no cabelo, calça baixa, daquelas que dá para medir quase um palmo abaixo do umbigo. Cofrinho à vista no traseiro. Oxigenada, com pelinhos quase transparentes. Foi no café da esquina, durante lanche da tarde, que a ajeitadinha falava pelos cotovelos com a amiga de peitões flutuantes:

– Dessa vez me ajeito na vida, minha filha! Tiro o pé da lama!

– Lá é bom assim, é?

– Bom é pouco! Lá é o bicho! Só homem cheio do dindim…

– Sério?

– Num tô falando! Os cara lá só tem carrão… de Audi pra cima… E a roupa do povo lá?

– Chique?

– Só marca fina, de Lourdes. Lá, vi pano que eu nem sabia que existia…

– E os cara? Tudo de terno, é?

– Terno? Põe terno nisso… Cada gravata de uma cor… a homaiada lá é chique demais… que cheiro bom tem homem rico, menina… eu nem sabia… Tava acostumada com o bafo do Zé… credo! Não gosto nem de falá no nome do infeliz. Pobre é uma desgraça, você fala o nome e ele aparece!

– E você já ficô com alguém lá?

– Quase. Tô na cola de um grandão lá… casado. Tem um Volvo. Ele me deu uma carona… Menina, eu fui entrando no carro me deu uma coisa… quase arranquei a roupa… foi uma loucura… a mulher dele do lado… foi subindo um calor… carro importado é chique demais… você já entrou num carro importado?

– Eu? Quem sou eu… Nunca tive essa sorte não…

– Pois vai lá que você vai vê… sua vida vai mudá… a minha já e outra… Num reparô que eu já tô com um jeito assim… de gente chique?

– Tá? Ah… o salto alto, né!? É mesmo, sou meio voada, nem te vi de salto alto…

– Ainda tô aprendendo… não é fácil ficar em cima desse troço…

– Quem te viu, quem te vê, hein?!


E a ajeitadinha, loura, do cofrinho no traseiro, tinha o olhinho até iluminado. Nem se preocupou com a meia dúzia de estranhos na lanchonete, de orelha em pé na conversa. Enquanto roía o pão de queijo e bebia um pingado, buzinava na cabeça da amiga:


– Hoje tem culto, minha filha. Por que você num vai lá?

– Tenho roupa pra ir num lugar desse não…

– Pega um vestido bacana da tua irmã... Olha a hora… Ih, tô atrasadíssima…


Pagaram o café com moedinhas e ganharam o passeio. Atravessaram a movimentada avenida em correria e, num trupicar do salto alto, a mocinha apaixonada por carros de luxo beijou o asfalto. Já no canteiro central, a amiga não teve tempo nem de gritar, quando o jipão BMW engoliu a infeliz.


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Missão cumprida!



A boa trupe de formandos não fez feio para casa cheia. Em imagens, a terceira apresentação de programa duplo com  "O Beijo no asfalto" e "O processo" – encontro cênico improvável de Nelson Rodrigues e Franz Kafka –, na Escola de Teatro Puc Minas. Nos desdobramentos da dedicação, fica a convicção cada vez maior de que, no ensino, são os alunos, para toda a vida, a grande recompensa. Meu carinho. Meu respeito. Evoé!