Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Dois irmãos, um só coração



João e Bento cresceram sem os pais: dois. Ex-maridos de Marta, que não conseguiu se acertar com casamento algum. A cozinheira teve ainda as meninas Ana, Lucia e Raquel, filhas do último companheiro, o Zé, pintor de paredes, morto há três anos de cirrose hepática. O sujeito não bebia, encharcava. Drama pouco é bobagem, Bento, aos 20 anos, foi preso e condenado por tráfico. Começou usuário e, por fim, estava trazendo maconha da Bahia para os chegados de Belo Horizonte. João, o irmão mais amigo, ao menos uma vez por mês marcava presença na penitenciária de Ribeirão das Neves. Naquela manhã, era dia de visita. João chegou cedo, levando marmita feita por dona Marta, adoentada. Frente a frente, diálogo de coração partido:

– A mãe mandou pra você.
– E ela? Como está?
– Tá bem. No mês passado, a gente passou o maior sufoco... A veia da perna dela arrebentou de novo e ela teve que ficar duas semanas internada.
– A mãe é forte.
– É. E você?
– Cara, isso aqui é um inferno.
– Soube que você, agora, tá trabalhando na marcenaria...
– É. Um camarada aí tá dando uma força... Pra ajudar o tempo passar.
– Tive com o doutor Roberto e ele disse que no máximo em um ano você sai.

Um agente penitenciário traz um caminhaozinho de madeira e entrega-o ao prisioneiro, que repassa-o ao irmão.

– Eu fiz pra você. É pra compensar aquele seu que a mãe te deu e eu quebrei, quando a gente brigou daquela vez. (pausa)
– Isso faz tempo.
– Nunca esqueci porque você ficou mais de uma semana sem falar comigo.
– Não precisava...
– É que eu não tinha nada melhor pra fazer. (ri) Eu tomei a maior surra da mãe. Ela vai ficar feliz em saber que eu fiz outro pra você.
– Valeu. (pausa) Você recebeu a carta dela?
– Recebi.
– Você sabe... ela tem a maior dificuldade em escrever e não aceitou ajuda de ninguém... Disse que você ia entender a letra dela.
– A mãe escreve melhor que eu.
– Bento, olha... Tenho um assunto muito chato pra dizer pra você... A mãe queria contar na carta... Eu disse que não, porque eu queria dizer isso pessoalmente, olhando no seu olho... É que... Maria e eu... A gente tá junto. Ela tá muito magoada... Disse que teve aqui e que terminou tudo com você... Você sabe que antes de vocês, a gente já tinha namorado... E ela tá grávida.

Bento não ficou para ouvir mais o irmão. Tomou de volta o carrinho e saiu pisando duro rumo à marcenaria. Naquela noite, fugiu da cadeia, recolhido num cesto de brinquedos de madeira, presentes para crianças pobres. Ainda passou em casa, silencioso, na madrugada, para trocar a roupa, despedir-se da mãe, das irmãs e ver o irmão dormir ao lado da mulher amada. Deixou de volta, sob a pequena árvore de Natal, o caminhaozinho feito para o João. Seguiu a pé estrada e nunca mais deu notícias.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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