Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

A triste lição que veio do Sul

Se o choro de uma mãe basta para desmanchar um coração de bem, imagine, amigo leitor, o de centenas. A tragédia em Santa Maria, terceira maior do mundo em casas noturnas, jamais vai ser esquecida. Domingo, acordei cedo e, longe do celular, da internet, do rádio e da TV, grudei no meu filho de colo. Brincamos no quintal e fizemos a farra com os cachorros. Manhã de encanto e mimo. Como é bom ver o filho crescer saudável e cheio de amor. Violeta dormia para deixar o sono em dia – não é fácil ter fôlego e disposição para dar conta do nosso mocinho, cada dia mais bonito e serelepe. Já passava das 11h, quando soube do terror na boate Kiss, no Sul. Um golpe duro. Não é necessário conhecer, ser amigo ou parente de nenhuma das mais de 230 vítimas para ser tocado pela morte tão absurda, já assombração histórica.

Desde então, não há sono ou sossego capaz de aquietar o meu coração. Já vi muita coisa nessa vida: jovens bêbados, desajuizados, no comando dos volantes; meninos e meninas perdidos, de boca em boca, em festas de virar o dia; garotos usuários de drogas que se acabam no colo de qualquer um; e mau elemento matar criança por um par de tênis. Sou pai, homem de família. Trabalho na noite e conheço, pelo menos, uma dúzia de casas de shows, abarrotadas em Belo Horizonte e Região Metropolitana. Ainda assim, jamais imaginei tragédia dessa dimensão, com tantas vidas desperdiçadas, em noite de diversão.

Em diversos pontos, impressiona-me a fila nas portas e a lotação esgotada, regular na cidade. Conheço algumas e posso afirmar que várias delas, superlotadas, não têm saída de emergência ou qualquer sinalização especial. Pior: há casos de uma única porta, pequena, de entrada e saída. A tragédia no Rio Grande do Sul acende uma luz vermelha nas casas noturnas de todo o Brasil. Ontem, um passageiro, funcionário da Prefeitura de Belo Horizonte, me disse que a fiscalização e o rigor vão aumentar. Ele acha bem pouco provável que todos os estabelecimentos de entretenimento da cidade estejam seguros.

Fica a lição para todo o sempre. Não há como deixar de pensar nos pais de todos esses moços e moças interrompidos com a tragédia na boate de Santa Maria. No sofrimento de quem via no filho, estudante de futuro brilhante, doutor e pai de família. As imagens dos socorristas desesperados, de picaretas e marretas nas mãos, tentando derrubar as paredes da casa não me saem da cabeça. Tampouco os caminhões frigoríficos e os caixões enfileirados, entre amigos e familiares em prantos. As 104 chamadas registradas no celular do filho morto, pela mãe desesperada. Na internet, nas redes sociais, milhares de mensagens de dor e saudade nas páginas das vítimas também cortam o coração. E a mãe que perdeu quatro filhos na tragédia?

Domingo, logo que soube da notícia, não dei conta de encarar meu caçula. Pensei nos meus outros dois filhos crescidos, meninos ainda, tão cheios de sonhos… Penso em todas as histórias dos sobreviventes do incêndio. Gente que, mesmo pisoteada, conseguiu ser arrastada para a rua. Vi pela televisão um rapaz dizer que não sabe como foi parar no hospital. Duas preces: uma de agradecimento pelos que escaparam com vida e outra pelas famílias de Santa Maria e de tantas outras cidades do país, que enterraram seus filhos. Em meio a alegria pela saúde dos sobreviventes, a dor doída pelo fim de tantos rebentos. É de cortar o coração.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Agora é a vez do curta!

Fim de intensivo!
Novo módulo de cinema!
Mais 12 horas de treinamento da verdade. O grupo reunido na primeira turma de 2013 trouxe à Casa do Ator recortes raros de entrega e sensibilidade. Por quatro sábados, sob chuva ou sol, o elenco experimentou vivência cinematográfica em quadros inspirados no absurdo que há na realidade: mãe e filho em presídio de Ribeirão das Neves; pai e irmã de sujeito bastardo; militar viúvo e garota de programa; irmãos em despedida triste; homem e mulher separados por condenação; e duas irmãs enganadas pelo mesmo amigo da família. 















A vida dos outros

Agora, a Casa do Ator se prepara para sua primeira oficina de cinema voltada exclusivamente para interpretação. O curta-metragem – desdobramento do encontro de cinco meses – é apenas ferramenta a serviço do intérprete. Nada de planos mirabolantes, efeitos especiais ou edição de invencionices. Storyboard simples, com foco no que o bom ator pode ter de melhor: a alma. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Das preces das senhoras de bem

Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é cidade cheia de lições. Toda vez que rodo pela região aprendo algo para toda vida. Na semana passada, senhora de história de amor incondicional ganhou o meu sono e minha admiração. Foram dois dias sem dar conta de fugir dela o pensamento. Violeta, eterna cúmplice, e eu conversamos muito a respeito. Incrível. Vinda do Norte de Minas, dona Maria, tem um único filho. Quis o destino, pela força bruta das consequências, presidiário. Para a mulher, dona de casa, o moço é inocente. “Andou com más companhias, meu filho. A droga não é coisa da cabeça dele não. Ele é bom menino. O que fez falta na vida dele foi o pai, que morreu cedo”, emociona-se. Dona Maria vendeu o barracão no Norte, na divisa com a Bahia. Alugou casinha em bairro próximo do presídio. “Pra poder ver o menino todo dia de visita”, faz sorrir os olhos verdes.

É amor demais, amigo leitor. Qualquer sujeito, com mínimo de sensibilidade e respeito, não desapontaria a mãe. Há mais de ano, a mulher vive pelo bem do sujeito, para que ele tenha algum futuro. “Fico perto, meu filho, porque ele tá sofrendo, arrependido. Tenho fé em Deus que ele vai sair logo e ter um vida boa, feliz. Porque ele é honesto, trabalhador, carinhoso. Eu tenho que vigiar pra ninguém fazer mais mal pra ele. Enquanto Deus me der força pra lutar, nada de ruim vai acontecer com ele”, diz. Em dezembro, dona Maria vendeu tudo. Brigou com todos na família que não acreditam no filho. “Eles não são gente ruim não, moço. Mas não conhecem o meu filho como eu. Então, preferi ficar longe de todo mundo”, lamenta.

Já era fim de tarde. Deixei dona Maria na casinha alugada em rua de terra, confusa em nome e número. Recém-chegada em Ribeirão das Neves, seus poucos pertences ainda estavam espalhados em sacolas de plástico e duas malas baratas na sala em piso de cimento grosso. O sofá de courino surrado, de dois lugares, foi comprado em um bota-fora. “Paguei R$ 50. Está novinho, não está!?”. O que mais chama a atenção em dona Maria é a luz dos olhos profundos, janelas da alma. Rugas traçadas pelo tempo de vida difícil, com sete abortos e a viuvez jovem ainda – na época, com 34, a mulher não perde a fé. Aos 58, é retrato de esperança. “Não há bem que dure pra sempre, nem mal que não se acabe. Tudo de ruim que tinha pra acontecer já aconteceu. Agora, meu filho, tudo vai dar certo”, confia.

Entusiasmada, dona Maria não quer perder um só dia de visita. Ela conta que, no ano passado, viveu dias de “pesadelo” para rever o rebento. “Foi um sofrimento porque é muito tempo de ônibus. A passagem é muito cara. O dinheiro da condução tava fazendo falta. Mas vai tudo melhorar”. A dona de casa, mãe coragem, acredita que, estando por perto, quando o filho voltar à liberdade, vai conseguir levá-lo para a igreja. “É um sonho que tenho: queria que o meu filho fosse pastor. Ele é tão bonito. Fala tão bem”, diz.

O sono não vem. A caneta corre solta na caderneta de papel pautado. O encontro com dona Maria, assim, ao acaso, me faz pensar fundo no amor de mãe. Especialmente – tocado pelo drama da dona do Norte –, nas mães dos condenados do mundo. Incrível a capacidade de amar dessas mulheres. O mundo seria outro, menos triste, se as preces dessas senhoras de bem fossem ouvidas. Lá fora, a chuva castiga o telhado.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Puta por um dia


Queriam requentar o casamento. Novas experiências, talvez. Reencontrar o prazer entre quatro paredes – quem sabe? O que já foi uma loucura, agora, era raro: uma vez por mês, com esforço e olhe lá. Mesmo assim, burocrático, sofrido, sem a menor qualidade. Um desastre em meio ato e sem suspiros. Para eles, o movimento dos quadris dava muito trabalho. Preguiça a dois: ela fingia dormir e ele dava graças a Deus.

Apesar da geleira, cama de casal, os dois não pensavam em viver separados. Gostavam-se muito. Acontece. Não queriam pular a cerca. Um tinha medo de magoar o outro. Essas coisas. Assim, a vida seguia. Num almoço, um amigo chamou a atenção do marido desanimado: “Zé, aquilo que você me disse do seu casamento… sei não… se você gosta mesmo da sua mulher, é melhor você fazer alguma coisa, se não quiser que ela arrume outro…” E aquilo ficou como zumbido na cabeça.

Os conselhos das amigas da esposa não eram diferentes: “Marido que não janta em casa, come na rua…” “Não lembra da Dorinha? Não dava pro marido, aí ele acabou se arranjando com aquela piriguete da academia…” A mulher entrou em pânico. Até que, no salão, ouviu a manicure: “Comigo, o Aníbal andava meio frouxo… Aí, encapetei, entrei numa dessas lojas de sex shop, comprei uma roupinha dessas de puta; dissolvi um viagra num copo de leite e foi uma festa… menina, nem te conto!”.

E aquela história provocou fantasias na mulher. Criativa, inspirada na manicure, combinou teatrinho erótico de dois personagens com o marido: ele e ela. A mulher ia vestir uma roupinha muito da provocante, usar peruca loura, batom rosa choque, salto de 15cm e meia arrastão. O marido, óculos fundo-de-garrafa, camisa abotoada até o pescoço e gravatinha: figuraça. E, fingindo estranhos, caíram na noite, na Avenida Afonso Pena.

Tudo muito bem ensaiado. Ele a deixaria em frente ao prédio da Telemar, na Serra, daria uma volta no quarteirão, e pronto… era só chegar e dizer: “Moça, quanto é o programa?” Ela diria: “Por mil reais te levo a loucura”. Até o texto foi dela. Ele sugeriu que ela falasse uns cem reais, mas ela queimou no golpe: “Por cem eu não topo. Já que vou ser puta por um dia, quero ser puta chique”. E ele achou aquilo muito engraçado e topou a parada.

Deixou a mulher, deu a volta no quarteirão e quando voltou o circo tava armado: um advogado taradão chegou antes e cismou com a ‘puta de luxo’. O marido desceu do carro e não teve conversa: meteu a mão no sujeito e também levou boas bordoadas. Resultado: foram parar na delegacia. Uma tragicomédia que só teve fim no raiar do dia. 

Em casa, acabados pela longa noite de aventura, dormiram sono pesado, de conchinha e profundamente apaixonados. O sexo… bem... o sexo ficou para depois.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

domingo, 20 de janeiro de 2013

Dia de set na Casa do Ator

Na terceira semana, em dia de set, é tempo de dar ação às verdades construídas em 9 horas de treinamento intensivo. Seis situações inspiradas no absurdo que há na realidade. Duplas de vida em corpo emprestado, tocadas, tocantes... Um novo agente invisível agrega valor ao coletivo: bem-vindo, Bernardo Nielsen, revelação da Guerrilha Filmes. Sábado também foi dia de visitantes ilustres, homens de cinema: Hugo Drumond e Manoel Castello Branco, da Tutano Filmes.















quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Lúcia, a poeta errante


A pequena barraca verde, armada na Avenida Álvares Cabral, ela diz que foi presente de coronel da Polícia Militar. Antes, era “mansão de papelão”, aglomerado de caixas velhas. Lúcia, sem destino, documento e sobrenome, é habitante temporária do metro quadrado mais caro de Belo Horizonte, no Bairro de Lourdes, na Região Centro-Sul. Não está só. Divide o canteiro central com o quarteto Susi, Pirata, Piratinha e Pequeno Vagabundo. São os cães, segundo ela, “a felicidade mais sincera de toda a vida”. Vinda de “lugar qualquer” do Norte de Minas, Lúcia revela-se andarilha em Belo Horizonte já há muito tempo. Diz-se com 53, 54, “não sei”, 55 anos. Em Lourdes, na “terceira árvore” como endereço, diz estar desde 2010.

Lúcida, a moradora de rua fala de filosofia e elege a biblioteca pública o melhor lugar da cidade. De olhos verdes, magra, corpo e roupas surradas pela sorte, Lúcia impressiona pelo discurso articulado: “O manto não faz o monge. A minha roupa suja não significa que eu vou te fazer mal. Às vezes é ao contrário… posso até te fazer bem”. A moradora da “terceira árvore” faz quebra-cabeças de poucas peças em papelão, que, embalados, são vendidos por R$ 2. Em dezembro, um comprador retribuiu o trabalho feito a mão com cesta de Natal e poema. Entre os poucos guardados em sacola de plástico, ela retira a homenagem plastificada:

“Seu nome é Tereza, Lúcia ou Conceição?/Uma mulher aborda-me ao sinal/Sou princesa, moro ali. Um castelo legal/feito de bom papelão, sonha seu coração”. Lúcia sorri, contente. Pede com os olhos para a visita, na rua, seguir leitura: “Oferece um quebra-cabeças por R$ 2/Nele eu encontraria a palavra ternura/Digo que passo depois, seu sorriso se esvai/Nos olhos perdidos, ferida da vida sem cura”. Embevecida, a musa, espera pelas últimas linhas: “No quebra-cabeças exposto na mesa/tento encontrar a palavra que ouvi/Consegui forma um ‘T’, singela beleza!/Mas, ternura foi nos olhos dela que vi”. Edson Cruz, o poeta, assina.

“Tá faltando isso no mundo: fazer o bem sem olhar a quem”, reclama. Lúcia diz não sofrer com a vida na rua. Para a mulher errante, o que dói é o olhar de preconceito do outro. “Esse é um mundo feio que mede o outro pelas roupas ou pelo bem que ele tem. Falta humanidade. A felicidade não está nas mansões de concreto. Está no que a pessoa tem no coração”, ensina. Sobre a paixão das horas vividas nas bibliotecas públicas por onde passa, Lúcia diz que está nos livros a liberdade absoluta do indivíduo. “Na escrita, escritor, é onde não temem o meu cheiro ou as minhas roupas. Sou diferente. O olhar é alma”, pontua, profunda.

Fotos: Leandro Couri/Em/D. A Press

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Segunda semana

O intensivo de interpretação "O ator invisível", de janeiro, está no meio do caminho. E lá se foram seis horas de treinamento pela verdade que se constrói, longe dos excessos que nada dizem. Fechadas ou abertas, as imagens cinematográficas do último encontro refletem bem pouco da entrega do novo agrupamento. Dia 19, rodamos as cenas – fragmentos da vida real – preparadas em quadro. Em fevereiro, tem "A vida dos outros".