Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

É tempo de teatro



Devia ser todo o ano essa mobilização pelo teatro em Belo Horizonte. É uma beleza toda essa diversidade, com dramas, comédias e propostas experimentais, encenadas pelos bons artistas da terra. Conheço muita gente que trabalha há quase 40 anos na Campanha de Popularização Teatro & Dança de Minas Gerais. Converso e ouço muito a respeito desse evento – o maior acontecimento cênico do Brasil. É importante que a cidade abrace com carinho projetos de cultura dessa natureza. Falo por conhecer de dentro. Sei bem das dificuldades de muitos atores e atrizes, produtores e técnicos, gente do bem, que lutam com muita dificuldade para sobreviver da arte.

É verdade que a campanha não é sucesso para todos. Infelizmente, sucesso mesmo apenas para algumas montagens. A grande maioria das produções amarga prejuízos, e a bilheteria mal dá para pagar as despesas da temporada. É triste. O maior problema é a falta de recursos para a manutenção das boas trupes, que não dão conta de sobreviver da bilheteria. Existem as leis de incentivo, mas nem todo bom artista consegue se beneficiar delas. Pelo que sei, são muitos os fatores que emperram as verbas para projetos – elaboração, aprovação e, por fim, o mais complicado, a captação junto à iniciativa privada. Tenho amigos da classe artística que todos os anos cortam um dobrado por trocados.

Domingo, um excelente produtor, meu passageiro, disse algo que não me sai da cabeça. Até tomei nota para dividir com o amigo leitor: “Sou contra esses benefícios como são. As leis de incentivo não favorecem o artista de verdade. Enriquecem um ou outro sujeito que tem bons contatos, que sabe fazer projeto. Não conheço um artista de verdade, que rala no palco, que consegue elaborar, captar e prestar conta. É aí que entra um tipo de gente que quer é ganhar em cima do suor do artista. Quase todo dia penso em deixar a arte. Mas não sei fazer outra coisa na vida, Josiel. Vou fazer o quê?”. O amigo pediu para não ser identificado para não ser prejudicado. Taí o recado, meu irmão.

Tem outra coisa também que me martela a cabeça. Outro dia, no fim do ano, uma passageira puxou o assunto da campanha. Veio falar mal. Anotei: “É muita peça ruim. Só comédia sem graça, repetitiva, com clichês, bichinhas e gostosonas”. É fato que alguns trabalhos têm lá os seus excessos. Sendo assim, perguntei: “A senhora vai muito ao teatro?”. Para minha surpresa, ela respondeu, na lata: “Eu não! Nem perco o meu tempo”. Não pode. É isso que não está certo. A pessoa tem que ver, tem que assistir de tudo, para comparar, para falar mal com conhecimento. Com respeito – não gosto de briga –, disse isso a ela.

Sempre que posso vou ao teatro. Quase tanto quanto ao cinema. E não é só na campanha. Assisto a trabalhos de todos os gêneros o ano todo, com casas vazias, às moscas. Gosto à parte, a realidade não é bem de muitas montagens ruins. Pelo contrário: é de muitos trabalhos bons. O que pode não agradar o espectador mais exigente, mais crítico, é a menor parte. Mesmo assim, para os intelectuais de plantão, o cardápio da campanha tem sempre textos clássicos, grupos respeitados e trabalhos já consagrados. A maior riqueza do evento, considero, é justamente a pluralidade de ideias. Ganhei um livreto com a programação deste ano e fiquei bem impressionado. São muitas as boas opções de todos os gêneros.

Não dá para sujeito algum, de responsabilidade e bom senso, falar mal da campanha de popularização. É de entristecer ver – ainda que por gente sem conhecimento – desrespeitado um projeto de quase 40 anos, que gera trabalho para tantos bons artistas de nossa terra. Pode melhorar? Pode. Como? Com o povo desinformado mais atento à realidade da cena local. Com a participação maior do público durante todo o ano. Isso vai gerar bilheterias, recursos, para que a boa gente da arte tenha uma profissão mais valorizada e respeitada. É o que desejo aos amigos artistas que, nos palcos da cidade, batalham o pão de cada dia.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

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