Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Na saúde e na doença



Em tom de papo sério, conversa pelos cotovelos de quatro amigos, noite dessas, na Cantina do Lucas: “Se minha mulher arrumá um amante, é favor que ela me faz!” E todos na mesa, num riso geral: “hahahahaha!” “Eu digo mais: já falei pra minha até pra procurar alguém pra vê se me dá sossego!” E todos: “hahahahaha!” “A minha, eu mandei fazer umas caminhadas. Dizem que esse povo que caminha adora pular a cerca. Quem sabe, ela não encontra algum Ricardo por lá!” Mais uma vez: “hahahahaha!” “Ninguém é de ninguém não, né não!? Com o dragão que eu tenho lá em casa, só São Jorge pra querê carregá!” “hahahahaha!”

Na mesa ao lado, um tristonho quarentão com a barba por fazer, sozinho, mandava uma taça de vinho, ouvia tudo com comedida reprovação. E os quatro falastrões continuavam: “Mulher comigo eu trato é no jiló!” “hahahahaha!” “Tá com pena, Negão? Leva ela procê!” “hahahahaha!” “Monta um barracão e vai morá com a minha!” “hahahahaha!” “A minha, eu pago até o aluguel do barraco pra alguém levá!” “hahahahaha!” E o garçom, acostumado com as falácias dos curiós, só descendo cerveja.

“Como disse aquele escritor mineiro: o casamento é o túmulo do amor!” “hahahahaha!” “Se casamento fosse bom não precisava de testemunha!” “hahahahaha!” “Que isso rapá! Casamento é tão bom que já casei cinco vezes. E já tô doidim pra trocá a Cabeluda!” “hahahahaha!” “Por mim, já tinha chutado o pau da barraca e tava com meia dúzia de franguinhas. O problema é: quem é que vai querê cumê aquilo que eu tenho lá em casa!” “hahahahaha!”

Enquanto a canalhice corria solta na mesa do quarteto beberrão, o quarentão solitário pedia mais uma garrafa de vinho. Com os olhos marejados, ele não conseguia aceitar o pé na bunda que, dias atrás, levou da mulher. Três filhinhas, em 16 anos de união, além de pequeno patrimônio conquistado a dois. Tudo pelo brejo. Amigos em comum. Família. Tudo.

O casamento não sobreviveu à primeira grande crise. Ciúmes, insegurança, desrespeito, infidelidade e intolerância. Estava há uma semana no Maleta, aos cacarecos, dormindo num quarto emprestado por um colega de trabalho. Com o peito em frangalhos, já tinha feito de tudo para não perder a companheira, que, já há algum tempo, havia entregado o corpo a outro.

E na mesa ao lado, “hahahahaha!”

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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