Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Inscrições abertas!


Por piedade, senhor pedreiro!

Dizem que as obras em casa – mesmo as menores – costumam escangalhar a vida de qualquer casal. Há até quem se separe por causa dos conflitos no período da reforma. E são muitos os dissabores: pedreiros enrolados, incompetentes; problemas com material de construção; os custos de última hora; as desculpas mentirosas dos tratantes; remendos etc… Quem já passou pelo caos que envolve o assunto sabe bem o que isso significa. Violeta e eu, salvos pelos céus, estivemos no olho do furacão nos últimos três meses.

Um suplício quase sem fim para deixar nos trinques o quarto do bebê, previsto para o início de outubro. A gravidez, graças ao Senhor de todas as marés, vai muito bem e a relação com o garoto tem sido a maior festa. Já os transtornos com a “micro-obra” foram de arredar do centro qualquer monge-santo. Ninguém merece! Não imaginava a quantidade de gente ruim de serviço na área da construção civil em Belo Horizonte e região metropolitana. Pela mãe do guarda!

Foi um custo sobrenatural encontrar um pedreiro digno, decente, responsável, que desse cabo na tormenta. Teve um, então, o primeiro, indicado por amiga muito querida, que deveria se envergonhar de dizer que é mestre de obra ou pedreiro. Aproveitando que o mercado está uma beleza – não há bons profissionais disponíveis – o camarada, picareta até na alma, assume um monte de compromisso ao mesmo tempo e trabalha no seguinte esquema: cada dia deixa um cliente na mão. Fura um dia com um, um dia com outro… e por aí vai. É sério. Pode?

Impressionante o caradurismo do elemento. Ainda é patrão o sujeito. Vai em cidade qualquer do interior – onde o Bolsa-Família ainda não instaurou a preguiça por completo – e traz pessoal para trabalhar. Enrola aqui, enrola ali, e assim vai vivendo de abusar da confiança da clientela. Pede dinheiro adiantado e pisa na bola com todo mundo – soube de mais uns três nas mãos do pilantra. E, para piorar, só faz serviço de porco – que me perdoe o animal. Tudo que ele fez na minha casa teve que ser refeito. Violeta estava que não se aguentava de desgosto.

Depois desse sujeito, vieram mais uns três igualmente incompetentes e enrolados. E tudo com salário de médico particular. Uma fortuna quer ganhar essa patota ruim do senta o cimento. Resultado: um serviço pequeno, coisa de duas semanas, levou três meses do desfaz e conserta até o acabamento. O amigo leitor não tem noção, espero – porque se sabe bem o que Violeta e eu passamos, certamente passou por pesadelo. Não desejamos isso a ninguém. Vão dizer que não posso generalizar. E não posso. Existem alguns bons profissionais, sei bem.

O pai da Sueli mesmo é um bom exemplo na Região de Venda Nova. Cumpre todos os prazos e sabe trabalhar como ninguém. No Santa Terezinha, na Pampulha, tivemos o Adão, o Pedro e o Milton. Sérios, honestos e muito bons na colher de pedreiro. Passado. Verdade seja dita: está cada vez mais difícil encontrar um bom profissional do ramo. Que o diga a boa companheira de Aqui, Simone Castro. Recentemente, a amiga jornalista também enfrentou maus bocados com gente ruim de serviço. Pronto, Violeta. Baixou a poeira! Sobrevivemos!

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 29/8/12

Pedofilia: não feche os olhos para isso!


Vídeo oficial de nova campanha online contra pedofilia já está no ar

Lançada em maio, o objetivo da campanha é provocar a mudança de atitude por meio das redes sociais

É com o intuito de conscientizar a sociedade quanto ao seu papel na vigilância e combate à pedofilia que a Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) idealizou a campanha “Pedofilia: não feche os olhos para isso” . O setor de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos acredita que a pedofilia é um problema estrutural sério que afeta gravemente o desenvolvimento e o futuro do nosso país, e que por isso é dever de todos os cidadãos divulgar informações sobre o tema, atentar para os mínimos sinais apresentados ao seu redor e, principalmente, denunciar. É nossa obrigação evitar que nossas crianças percam sua infância e tornem-se adultos traumatizados.

Nos quatro primeiros meses de 2012, o “Disque 100”, Disque Denúncia Nacional de crimes contra crianças e adolescentes recebeu 71% mais ligações em relação ao mesmo período do ano anterior. Para ter uma ideia deste aumento, só nos dias 24 e 25 de maio, foram 285.051 denúncias.

Para disseminar as mensagens da campanha e despertar o interesse do usuário um vídeo foi preparado e está disponível para visualização em nossos canais oficiais desde o dia 24 de julho. A produção conta com animação 3D e o clima de suspense e mistério do roteiro prende a atenção dos espectadores do princípio ao fim.

Quanto mais falarmos sobre o assunto, mais chances teremos de ganhar essa luta. Faça parte do nosso time! Assista agora ao novo vídeo oficial da campanha, acesse nossos canais, curta e compartilhe as informações com sua rede de contatos.

(Material enviado por Giovanna Carvalho em 28/8/12)

terça-feira, 28 de agosto de 2012

O homem que "devora" livros



Usa jeans e gosta de boteco o campeão de leitura da Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa. Também revela jamais ter adoecido ou se sentido sozinho desde que aprendeu a ler. A média do ilustre letrado nos últimos 50 anos é de oito livros por mês – cerca de 4.800. No primeiro semestre de 2012, já foram 50 títulos “devorados”, retirados no setor de empréstimo domiciliar, no prédio anexo do Circuito Cultural Praça da Liberdade. Em 2011, sem contar as compras em livrarias, sebos e endereços da internet, foram 105 livros. Clóvis José Ferreira, de 64 anos, é homem simples, de raízes populares, viajante, gourmet, pai, avô e morador do Bairro Santa Tereza, Região Leste da capital.

Nascido em Manhuaçu, na Zona da Mata mineira, o aposentado, dono de pequeno negócio do ramo imobiliário, não queria aparecer. Acabou convencido a falar e tornar pública a paixão pela leitura, que o destaca entre os mais de 90 mil associados da biblioteca estadual. Encontro marcado no “berço” do sujeito magro e elegante, com entrada pela Avenida Bias Fortes – edifício que leva o nome do Professor Francisco Iglesias (1923-1999) – respeitado intelectual e historiador brasileiro. No andar superior, onde fica parte do acervo de 230 mil títulos, Clóvis passeia com a desenvoltura de conhecedor de todas as estantes e prateleiras. Não dá conta de conversar sem ir até os livros – seus prediletos – para recomendar leitura. São muitos, mal cabem na caderneta de mão.

O leitor lista dezenas de autores de “escrita mais fácil”, acessíveis a qualquer sujeito de mínima boa vontade. “Qualquer livro ruim é melhor do que livro nenhum”, complementa. Explica detalhes da literatura de John Grisham, Dickens, Harold Robbins – “na minha época, considerado pornográfico”, diverte-se –, James Ellroy, Dennis Lehane, Michael Connelly, James Clavell, Taylor Caldwell, entre outros tantos que venceram a velocidade da escrita da reportagem. Em cada corredor, muitas histórias, mergulhos vividos pelo homem da vista incansável. “Leitura não faz mal para a vista, leio desde os 8 anos e até hoje não precisei usar óculos. Tem gente que duvida. Aí, pego o catálogo e leio as letras mais miúdas. Pelo contrário, ter aprendido a ler nas condições mais precárias, em movimento e com pouca luz, fez com que a minha visão até melhorasse”, considera Clóvis, que na quinta-feira comemora 65 anos.

Gostos
Segue passeio pelas prateleiras e comenta romances de mais de mil páginas – alguns, lidos duas vezes. “Gosto mesmo das biografias. O que não leio são os “modismos”. Essa onda de vampiro, de lista dos 10 mais, não me pega. Não é a minha praia”, revela. Entre os brasileiros de que mais gosta, Clóvis destaca Guimarães Rosa, Benito Barreto, Agripa Vasconcelos, Érico Veríssimo, Jorge Amado… “precisa mesmo dizer? São tantos…”. Conta ter prazer com a literatura policial: “Os personagens são riquíssimos”. Com 6 mil em espécie, de Ellroy, com 850 páginas, explica: “Ele escreve de modo direto, cortante. Gosto muito”. Em novo corredor, aponta para as prateleiras: “Os ingleses descobriram o filão da Idade Média e se tornaram especialistas. Olhe só a quantidade de livros”.

“Se fosse rico, não seria tão feliz. A felicidade é uma obrigação. Em mim não há espaço para as tristezas, para os aborrecimentos, depressão, nada disso”, diz. O jovem aposentado se orgulha de, até os 50 anos, ter dado volta ao mundo por meio da literatura. “Não tenho dúvida de que a vida que levo, a minha boa relação com o mundo e com o outro é resultado dos personagens e das histórias que conheci nos livros. A leitura melhora o ser humano. Quem lê é diferente. Não importa se você é pedreiro ou astronauta. Se você lê, o seu olhar vai além. Você se torna um profissional diferenciado. Entende e sabe identificar melhor as qualidades e os defeitos das pessoas”, considera. Para ele, se as pessoas lessem mais o mundo seria melhor. “Às vezes venho aqui e tem quatro pessoas, é triste isso.”

Simpático, ele é muito querido. Maria Aparecida Costa Duarte, coordenadora do setor de empréstimo domiciliar, há 16 anos entre os livros da Praça da Liberdade, cita o microempresário como exemplo de bom leitor. “Entre os mais velhos, tem gente que apenas pega os livros emprestados. O Clóvis não. Ele lê muito. Gosta de ler”, ressalta. Ao ver o ilustre leitor alvo da câmera entre as estantes, a funcionária de sorriso bonito dispara: “Tá parecendo um galã, heim!”. Tudo baixinho, muito respeitoso. Estamos na biblioteca.



Volta ao mundo pelas páginas

Tamanha intimidade alcançada com os continentes, levado pelas letras a conhecer a Europa e os Estados Unidos, para o aposentado pareceu uma nova visita. “Depois que me aposentei, passei 18 dias sozinho em Manhattan e parecia que eu conhecia a cidade. Não me senti um estrangeiro em Nova York. Talvez por todas as histórias lidas, passadas na ilha. Na Europa, me emocionei em Paris, diante do Arco do Triunfo. Portugal, nem posso dizer isso, mas chego a ver como o melhor da Europa”, sorri. Em meio às estantes, atende o telefone para tratar de negócios. Sem tirar o olho da prateleira, orienta o trabalho do outro lado da linha, saca um livro: Servidão humana, de William Somerset Maugham. “Este livro é fantástico. Li quando tinha 14 anos”.

Divorciado, pai da nutricionista Carolina, de 32, e da advogada Isabella, de 29, Clóvis conta há 10 anos ter descoberto novo amor. Mas volta a falar da outra paixão: os livros. “Já tive época de paixões diferentes: O profeta, de Khalil Gibran; A ratazana, de Günter Grass; A montanha mágica, de Thomas Mann…”. O aposentado, leitor ilustre, também é internauta, “dos bons”, cliente da Estante Virtual – site que oferta mais de 9 milhões de títulos, “incluindo difíceis e esgotados”. No entanto, mesmo com planos de adquirir seu tablet nos EUA, na próxima viagem, Clóvis não abre mão de ter um bom exemplar nas mãos. “Não acredito no fim dos livros e faço questão de continuar marcando presença na biblioteca. Na companhia dos livros, nunca me sinto só”. Em casa, não conta ou acumula títulos. Os que compra são para doação. Para ele, os livros precisam circular. “Devem estar sempre ao alcance de todos”, ensina.

Serviço
» Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira, das 8h às 20h; aos sábados, das 8h às 13h.
» Telefone: (31) 3269-1166. E-mail: bibliotecapublica.sub@cultura.mg.gov.br
Praça da Liberdade, 21. Funcionários – Belo Horizonte, MG.

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 27/8/12
Foto: Juarez Rodrigues

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Vai entender o Nelsão...



Ninguém explica o Nelsão. O comerciante fez de tudo para salvar o casamento. Foi parar até em terreiro de macumba. A mãe loura avisou: “Essa não tem conserto. É do pior tipo! Meu guia tá me dizendo que essa é da perseguida riscada, meu filho!” Nelsão pagou a consulta e subiu para o trabalho na Praça Sete. No caminho, com a cabeça a mil, foi atropelado. O fato é que sua mulher não amarrava o quadril e ele sabia. Contudo, o flagrante foi a dor mais triste sentida na vida. De muletas, obrigado a voltar mais cedo para casa, Nelsão pegou a moça no pulo com o funcionário da TV a cabo, enquanto os garotos estavam na escola. A desavergonhada foi embora: caiu no mundo com um terceiro, deixando para trás a família. Nunca mais deu notícia.

O histórico da bandida o comerciante também conhecia. “Isso já passou na cara o bairro todo, Nelsão!”, disse o Tobias, quando soube das sérias intenções do amigo. Desde moça, a sujeita era corpo e assunto de qualquer um. Já Nelsão, comportado, até gostava de uma farra: churrasquinho e futebol, entre amigos. Quando se conheceram foi um pandemônio. Ela tratou-lhe chave de pernas de endoidar o esqueleto. Cegou o peladeiro. A diversão dele passou a ser em cama barulhenta, em outro campo de suor e palavrões. Deixou de lado os amigos e passou a viver no ritmo da diaba.

Namoro, noivado e, em pouco mais de ano, lá estava o Nelsão, enfeitiçado, de joelhos no altar. A lua de mel foi espetáculo em praia carioca. Na pousadinha de Geribá, o casal não passava despercebido. Só andava juntinho, em babação retardada: “tchutchuco” pra cá, “nenequinha” pra lá. Um troço! E na praia, tome indecência: bastava cair a tarde, lá estavam os dois, grudadinhos, dentro d’água, na maior safadeza. Ela já voltou do passeio grávida. Não dele. De um capoeirista conhecido na Rua das Pedras. Enquanto o maridão rodava as lojas em busca de presente de aniversário, a diaba sentou o quadril no moreno dentro de barco na Praia da Armação.

O tempo passou e a moça destrambelhada passou a soltar ainda mais a periquita. Com um, dois, três… Corneava sem dó nem piedade o Nelsão. Em cinco anos, três filhos. A trairagem desembestada durou tempo. Até que o marido – atropelado por moto no horário de almoço –, fraturou a perna e, em muletas, teve que voltar fora de hora para casa. Não deu outra: flagrou a “nenequinha” infiel na cama com o técnico da TV a cabo. No desespero, quebrou a muleta na cabeça do visitante e colocou os dois para correr.

A sicrana não voltou nem para se despedir dos garotos. Telefonou para o mais velho – o feito em Búzios com o capoeirista – e caiu no mundo com outro otário: um taxista, caso antigo. Bom pai, Nelsão não deixa faltar nada para os três filhos. Dez anos passados, até hoje ele sofre de amor pela vagabunda.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

quarta-feira, 22 de agosto de 2012

Aos fanfarrões do Brasil



Ainda rende “Mulher objeto, homem idiota”, texto publicado em Bandeira Dois de 8 de agosto. Dona Maria Luiza, do Bairro Rio Branco, na Região de Venda Nova, mandou cartinha pelo Osmar, companheiro de praça e primo da querida leitora: “Josiel, sou leitora do jornal Aqui e gosto muito de ler os assuntos das novelas, do meu Galo do coração e tudo que você escreve na quarta-feira. Principalmente sobre o seu pai, o velho Botelho, e a Violeta, sua amada. O Osmar fala sempre de você e até me deu o seu livro. Eu gostei muito. Mas gostei mesmo foi de ‘Mulher objeto, homem idiota’, que li na semana passada e passei pra todo mundo ler. Nunca aceitei as propagandas de cerveja. Sempre achei um absurdo o governo deixar a televisão, os bares, ficarem provocando as pessoas para beberem.

Na nossa família, sofremos muito com a bebida por causa de nosso pai, já falecido. O Osmar disse que já falou dele pra você. Seu Vantuir, pai do Osmar, ajudou a gente nos momentos mais difíceis. Mas não teve jeito. O pai piorou muito depois que ficou diabético e não conseguiu parar de beber. Morreu novo ainda, antes dos 50 anos. Por causa disso, quase todo mundo daqui de casa tem trauma com bebida. Só meu irmão caçula que dá trabalho. Quando bebe deixa triste a mulher, os filhos pequenos e a gente. No ano passado, ele sofreu um acidente em Curvelo. Graças a Deus só teve uns arranhões, enquanto o carro foi direto pro ferro-velho. Mesmo com o desastre ele continua bebendo. Tenho certeza que é por causa de tanta propaganda que eles obrigam a gente a assistir. Na minha casa não entra nada de bebida. E toda vez que aparece na televisão uma propaganda de cerveja ou de outro tipo qualquer com álcool a gente troca de canal”.

Pois faz a senhora muito bem, dona Maria Luiza. Ainda bem que existe o controle remoto, não é!? Outro dia, a respeito dessa campanha que Bandeira dois abraçou contra as drogas, especialmente, contra o álcool, ouvi de um companheiro da Praça: “Besteira! Bebe quem quer porque a fábrica não coloca a bebida na boca de ninguém”. Assim também pensa o tráfico de drogas. Já ouvi da boca de mau elemento que “maconha fuma quem quer, porque traficante não põe o cigarro na boca de ninguém”. O vício, a dependência, sabemos todos, vai muito além dessas falácias de “descolados”. A questão é bem mais séria e deve ser tratada pelo governo com responsabilidade e urgência de saúde pública. Como disse bem o Cássio, meu amigo psicanalista, no Brasil, o álcool é a pior de todas as drogas. Isso, porque está aí, ao alcance de todos, com a conivência do poder público, da família e dos falsos amigos.

E o pior: está nas propagandas invasivas, emburrecendo e viciando adolescentes. Vendem a falsa ideia de beleza, de poder, de masculinidade, de alegria – exatamente como os cigarros no século 20. Os fabricantes despejam no ar bilhões de reais todos os anos pela associação da cerveja ao esporte espetacular, à vitória, ao desejo, ao bla bla blá. Tratam de expor, com a ajuda de criações mirabolantes, as mulheres e seus corpões siliconados, turbinados, em trajes mínimos. Pregam na testa dos sujeitos barbados e babões a placa de “eis aqui um idiota” e tudo está muito bem. Patrocinam programas de audiência, erguem outdoors no rumo de todas as residências e, assim, por fim, alcançam todas as metas: embebedar os fanfarrões brasileiros.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O Jesus, de José e Maria

De lado as leis dos homens, dos templos e seus chefões, amar com a natureza da alma não pode ser de todo mal. Não ali, naquele encontro, entre José e Maria. Em 2009, de carona na boleia do caminhão com placa de Pernambuco, os dois, lado a lado, em silêncio, repassaram a história deixada pelo caminho para o futuro em lugar qualquer no fim da viagem. Na cabeça da ex-irmã, o esculacho da madre severa, superiora: “Vergonha! Vergonha!”. Já no professor, ex-seminarista, retumba a bronca do reitor parente: “Moleque! Você é moleque! Vou queimar seu nome onde houver uma universidade decente! Moleque!”.

Lembranças duras, de pouca importância. De valor, o momento: ela com a cabeça no ombro dele. Num só suspiro, os dois. No rádio, bolero antigo, adocicado. Ao volante, Baiano, carreteiro vivido, cinquentão, experiente na agruras do amor. “Vocês formam um casal muito bonito! Tem filhos?”, quis saber, rompendo o vazio. Talvez pelo esculacho da madre, talvez pelo cansaço da última semana, Maria não quis conversar. Apenas meneou a cabeça indicando o não. José quis retribuir a generosidade de Baiano, que acolheu o casal sem rumo, à noite, em posto de beira de estrada: “Pretendemos ter muitos filhos... ‘seu’ Baiano”.

O carreteiro sorriu e emendou: “Filho é muito bom. Tenho sete. Quis o Homem lá em cima fosse com duas mães. Mas tenho sete filhos. Estou no meu segundo casamento. A primeira mulher me deixou. Lucimara. Com ela, tive dois: Josiel e Ribamar. Cantam que é uma beleza. Já tão fazendo muito show no Ceará. A mãe deles não aguentou a minha vida na estrada... aí, arranjou outro. Sofri muito... mas dei a volta por cima... porque quem tem Deus no coração não fica desamparado. Conheci Bernadete, minha companheira. Ela me deu cinco: Pedro, Lucas, Tiago, Karina e João”.

José e Maria, ainda que tocados pela alegria de Baiano, não conseguiam deixar de pensar na luta dos últimos dias de 2009 para estarem ali, juntos, no rumo de vida nova. Conheceram-se em 2007, durante encontro católico. Foi amor à primeira vista, desses sem explicação. Ele, noivo, de casamento marcado. Ela, de votos com os céus. “Para a eternidade”, pensava. José chutou o pau da barraca e desfez noivado naquele ano. Maria trancafiou o sentimento em segredo. Amor impossível, em dois anos, professor e freira trocaram meia dúzia de e-mails e quatro telefonemas. Sempre por razões profissionais: projetos da universidade e da congregação.

Por fim, no último encontro religioso em 2009, o professor e a freira não deram conta e se entregaram. Abriram-se apaixonados, em silêncio. Um longo e demorado beijo se encarregou de dizer o que não podia ser dito. Olhares trocados, ouviram o coração. Ela quis se despedir da madre superiora. Para ela, uma mãe. Ele foi honesto com o reitor, seu pai. O reitor e a madre espinafraram. Reduziram-nos ao pior de todos os pecados. Daí, tristeza e decepção. Carro velho, estragado na estrada, a salvação foi a carona do Baiano. Tempos passados. Hoje, dia de agosto de 2012, em cidade praiana no Nordeste, José e Maria comandam projeto social que atende a cerca de 3 mil crianças carentes. Felizes, estão para ter o primeiro filho em dezembro: Jesus.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 20/8/12

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A cinética do invisível


"Chegamos assim ao âmago da questão: na vida, nada existe sem forma. A todo instante, especialmente quando falamos, somos forçados a procurar a forma. Mas devemos ter em mente que essa forma pode ser um obstáculo total à vida, que não tem forma em si mesma. Não há como escapar desta dificuldade, e a batalha é permanente: a forma é necessária, porém não é tudo".

"... Aceitar o mistério é muito importante. Quando o homem perde o sentimento do assombro, a vida perde o sentido".

Peter Brook, em A porta aberta


Portanto, a leitura obrigatória...

Em busca d’A Cinética do Invisível, Matteo Bonfitto envereda pela trilha aberta por Peter Brook e seus atores, em que o teatro se propõe a envolver o espectador em estados e espaços cênicos, nos quais os territórios das sensações e relações humanas do cotidiano se confundem com os espaços das vivências dramáticas como performação expressiva e representativa. Nessa caminhada, ao mesmo tempo exploratória e incorporadora, a arte teatral trabalha, a cada espetáculo, as forças orgânicas à existência corporal, mental e espiritual do homem, remontando, inclusive, às da ancestralidade no plano dos psiquismos e das projeções místicas, para chegar, pela abdução estética, ao que chama de cinética do invisível. A captação dinâmica de suas potências implica, por outro lado, nos recursos de um vasto cabedal de ciência, filosofia, religião, literatura e poética do teatro, nas suas formas prismáticas, pelo universo das culturas, das mentalidades do Ocidente e do Oriente. Com isso, o autor e o seu nume inspirador dotam o jogo do tablado e seus jogadores, não só de uma proposta estilística de materializá-los como originalidade de arte, mas também de uma via, senão metodológica, ao menos propositiva, de trabalhar o gesto, a fala, a respiração, o movimento, a expressão, a configuração e a simbolização cênicas, removendo ou neutralizando os clichês de desvitalizada organicidade e esquálida anima. Com este horizonte, cada nova peça, roteiro ou incorporação sorvem, em fonte límpida, as forças de uma renovação incessante e vigorosa do seu atuar no espaço cênico e de sua pulsação vital como pulsão do mundo envolvente. É o que faz de A Cinética do Invisível uma materialização visível. J. Guinsburg

Fica a dica: A cinética do invisível, por Matteo Bonfitto. Coleção Estudos 268. Editora Perspectiva (www.editoraperspectiva.com.br)

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Mulher objeto, homem idiota (2)

“Mulher objeto, homem idiota”, coluna da semana passada, rendeu entre amigos e leitores. O Osmar ligou cedo, logo que comprou o jornal na Banca do Manoel: “Você falou o que há muito tempo eu queria dizer. Gosto da minha cervejinha e ninguém tem nada a ver com isso. Se dirijo não bebo e quando bebo não dirijo, você sabe, Josiel. Mas esse lance das propagandas de bebida é isso mesmo que você escreveu. Bebida, pra mim, é que nem cigarro. Então, não pode ter propaganda. Bebe quem quer, mas a pessoa tem que saber que faz mal. Agora, o lance da mulher objeto e do homem idiota foi em cima. É isso mesmo. Os malas colocam as gostosonas na propaganda e os bebuns tudo com cara de retardado. Anota e publica no Aqui o que eu tô falando, Josiel”.

Tá publicado, Osmar. Valeu a leitura, fi! A Sueli, aniversariante do dia, enviou mensagem pelo celular: “Senta o pau, Vigário! Kkkkkkkkkkk Domingo, no churrasco, não esquece de levar uma caixa de todinho, hein!? Kkkkkkk É sério… gostei pacas da coluna de hoje, mas não podia deixar de azarar… abs Beijo na Violeta!” Sem comentário, dona Sueli.

O Wilian Carlos Araújo Filho, leitor atento à cidade, preocupado com o futuro de seus cidadãos, com a lei e com a ordem, também se manifestou, motivado pelo texto da semana passada:

“Caro Josiel, me identifiquei e muito com vossa opinião na coluna "Bandeira dois" do dia 8 e, principalmente, pela palavra final: "EDUCAÇÃO". Bati nessa mesma tecla por muitos anos na minha carreira de policial militar. Fui do extinto Batalhão de Trânsito, nos bons tempos em que éramos mais de dois mil homens e muheres a coordenar as ruas e avenidas da nossa BH, hoje, com apenas uma companhia, com cento e poucos policiais. E lá, na decada de 90, mais precisamente em 1992, servindo na seção de estatísticas do Batalhão, durante reunião de trabalho, a respeito da falta de EDUCAÇÃO de condutores de veiculos, sugeri que fosse anotado em boletim de ocorrência (BO) o grau de instrução de cada envolvido. Para que fosse feito uma análise sobre o assunto. Até hoje deve ser anotado este dado em BO, mas a maioria dos policiais nao o leva em conta e deixa de anotar.

Você, tem toda a razão em sua opinião: “No Brasil, o maior desafio é a EDUCAÇÃO”. Infelizmente, uma grande maioria dos cidadãos, principalmente os jovens, só tem conhecimento dos seus direitos, e as obrigações e deveres são esquecidos. Daí, eles acham que podem tudo, inclusive matar. Achei um absurdo a declaração deste jovem (o rapaz de 18 anos que atropelou intencionalmente em Nova Lima, na saída de uma boate, no início do mês) em emissora de rádio da capital, ocasião em que ele disse, entre outras palavras: "Antes ele do que eu". No momento em que ouvi a entrevista, pensei comigo: "Qual sera o grau de instrução desse indivíduo?". E a propósito, a impunidade também tem uma grande parcela nessa situação.

Desde já agradeço vossa atenção e solicito-vos que continue a bater nessa tecla, para que, pelo menos a longo prazo, possamos chegar onde queremos: a paz no trânsito, a paz nas ruas, nos estádios, por que nao?”

Nosso abraço, Wilian. Este quintal também é seu. Não vamos deixar o assunto morrer.

Bandeira dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Os sons do coração



No calendário amarrotado, Julião marcou dia por dia, contados, até aquele domingo de agosto. Foram 363 madrugadas de rabisco no quadrado do papel barato, de bolso, com retrato de cachorro bonito, bem tratado, no verso – propaganda de canil. Enfim, data de rever o filho, de 5 anos, vindo dos céus, depois de temporada longa no exterior. O taxista vestiu a melhor roupa, fez barba e cabelo para seguir as horas no Aeroporto Internacional Tancredo Neves, em Confins, plantado no salão de desembarque.

A ex-mulher, Marta, garçonete na Austrália, avisou a volta com antecedência. Por telefone, uníssona: “12 de agosto, Julião. 12 de agosto”, pontuou a conversa. No ano passado, o rompimento do casal foi duro – efeito de desafeto e agonia. Caos provocado pelas bebedeiras de Julião, afundado no nada com os falsos amigos. Os vizinhos do predinho antigo da Rua Jaguaribe, no Bairro Renascença, ainda comentam o drama do taxista largado pela mulher aguerrida.

“A Martinha teve foi muita coragem. Juntar as coisas e o filho, assim, e se mandar para a Austrália”, comentou Joana, vizinha de porta no terceiro andar. Do lado do Julião, só o Nelson, policial reformado, morador do 101: “Se é mulher minha, eu dava um tiro. Um tiro!”. Dava nada. O capitão aposentado era chegado numa bravata e o Julião bem o conhecia. Tanto que não só não deu ouvidos ao sujeito, como também, por conta própria, parou de beber e decidiu se redimir.

E, assim, sóbrio, o descasado rabiscou os números no calendário de bolso para desafogar o coração. “Ah, meu filho…”, soprava baixinho sempre. Foto do moleque o Julião tinha para a direita e para a esquerda – em casa, no carro e na carteira. A mesma cena: rostos grudados de pai e filho, no aniversário de 3 anos do garoto. Imagem capturada pela Martinha, durante passeio feliz, no Parque Guanabara. Agora, em Confins, a fotografia estava para ceder lugar ao mocinho crescido.

Na fração do instante, as flechas do relógio seguram os suspiros. No alto, o quadro de voos indica a aeronave no chão. Ao lado, o velho de boné comenta com a companheira, de braço em laço: “Daqui a pouquinho ela aparece”, notando o olhar brilhante, puxa assunto com o taxista: “Está esperando… já sei… mulher e filho. Certo?”. Silêncio. “Sim… Como o senhor descobriu?”– Julião quis saber. “Pelo cavalinho de madeira, com o laço de presente… e pelas flores, que o senhor segura tão firme”, sorriu.

Nisso, a filha do casal desponta. “Com licença” – diz o velho. Os três se aconchegam num só laço. Carinho que aumenta ainda mais a angústia de Julião. “Boa sorte na vida, meu senhor!”, despede-se o homem que, entre dois amores, toca a bagagem e desaparece no saguão. No quadrante, afeto que se repete entre outros que esperam. Nada do garoto. Em cada minuto o clarão de madrugada inteira, passada. Vazio. Portal descortinado, um moleque salta na velocidade dos bons. A vozinha rouca, feliz, parece música para Julião: “Papai! Papai!”.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Vsevolod Meyerhold (1874-1940)

Descendente de alemães, Vsevolod Meyerhold nasceu em Penza, Russia, em 1874. Foi a Moscou estudar direito, mas deixou a escola em 1896 e se embrenhou nas aulas de Vladimir Nemirovich-Danchenko, no Moscow Philharmonia. Em 1898 foi convidado a se juntar a trupe do recém fundado Teatro de Arte de Moscou, de Stanislavski. Templo do naturalismo e do realismo psicológico, o Teatro de Arte foi a grande escola de Meyerhold, que em 1902 decide percorrer caminhos próprios fundando uma nova trupe, a Sociedade do Drama Novo.

Farto do naturalismo, Meyerhold vai inspirar-se no impressionismo, no cubismo e finalmente no expressionismo alemão para desenvolver uma pesquisa de trabalho muito particular. Propôs uma nova abordagem: um teatro que “intoxicaria o espectador com força dionisíaca do eterno sacrifício”, um teatro estilizado como substitituto da “fantasia apolínea” sugerida pelo naturalismo. A partir de pesquisas com a commedia dell’arte, as improvisações, a pantomima, o grotesco e o simbolismo cênico, desenvolveu uma disposição frontal das personagens com pesquisas voltadas à dicção do ator e com a substituição da cenografia complexa do naturalismo pela iluminação como síntese.

Criou o teatro de linha reta, no qual o ator, juntamente com o autor, o diretor e o público são criadores absolutos do fenômeno teatral. Embora a participação do público fosse apenas emocional, nunca física, através de sua imaginação que deveria ser empregada “criativamente a fim de preencher os detalhes sugeridos pela ação do palco”. Desta forma, libera o ator e força o espectador a passar de uma simples contemplação, ao ato criador: Também aproxima-se do movimento construtivista que buscava no campo das artes plásticas e da arquitetura uma arte baseada no materialismo, desvinculada de toda a herança cultural idealista do passado e, tomando o princípio da beleza funcional e utilitária, elabora a teoria da biomecânica. Desta forma, a criação artística deixa de ser uma cópia do real para se tornar uma reflexão da realidade, priorizando a relação do intérprete com o público através de jogos que pudessem revelar e intensificar os traços psicológicos de ambos.

Meyerhold defendeu a teatralidade e a estilização e propôs uma dialética de opostos: a farsa contra a tragédia e a forma contra o conteúdo de modo a forçar o espectador a encontrar uma visão mais apurada da realidade e “decifrar o enigma do inescrutável”.

Em 1905, Stanislavski estava perdido. Se por um lado gozava de respeito e prestígio por ter encenado as famosas produções de Tchekhov e Gorki, por outro era alvo fácil dos simbolistas que o consideravam ultrapassado. Até este momento, não havia desenvolvido nenhuma teoria significativa sobre o seu método de trabalho. Convida, então, Meyerhold para dirigir mais uma vez o seu Estúdio. Meyerhold traz para o Teatro de Arte algumas das questões que o haviam motivado a deixar a companhia anos atrás, nomeadamente sua aversão ao teatro naturalista e ao realismo psicológico. Mais uma vez, Stanislavski e Meyerhold irão se desentender artisticamente e o projeto de desenvolverem novamente um trabalho em conjunto é desfeito.

Apesar de Meyerhold e Stanislavski serem tratados como opostos teatrais – um preocupado com a teatralidade, outro com o conteúdo interno – os dois se admiravam e respeitavam mutuamente. Meyerhold foi sempre um crítico e admirador persistente do Teatro de Arte e declarou certa vez: “serei sempre um aluno de Stanislavski”. Stanislavski, em outra ocasião, o chamou de “filho pródigo”. De fato, os dois estavam sempre em processo de troca.

Quando a Revolução Russa aconteceu em 1917, Meyerhold rapidamente se juntou ao Partido Comunista e em 1920 foi apontado como o cabeça da divisão teatral do People's Commissariat for Education. Desde sempre inquieto, a partir de 1924 começa a divergir do percurso tomado pelo Partido Comunista Soviético, que exige que o teatro desempenhe uma proposta ideológica na construção do socialismo, com obras que reflitam o cotidiano, conceito básico do realismo socialista. Com a montagem de O Inspetor Geral, em 1926, Meyerhold irá atingir o auge e também prenunciar o fim de sua brilhante carreira. Foi perseguido pela crítica oficial, pela classe teatral e por toda uma geração de artistas. Isolado e solitário, passou a fazer frente ao período mais sombrio do stalinismo. Sua reputação, no entanto, não é de todo abalada. Em 1935, Stanislavski irá dizer: “o único encenador que conheço é Meyerhold”.

Nos mais recentes anos comunistas, Meyerhold encenou várias produções notáveis incluindo a primeira produção de Mystery-Bouffe de Mayakovsky (1918). No começo de 1922, encenou várias produções construtivistas famosas, incluindo The Magnificent Cuckold de Fernand Crommelynk e The Death of Tarelkin de Alexander Sukhovo-Kobylin.

Em 1923 tinha sua própria trupe em Moscou, encenando produções inovadoras de clássicos e novos trabalhos. Talvez as mais conhecidas dessas produções foram The Mandate de Nikolai Erdman (1925), Dead Souls de Nikolai Gogol (1926), e The Bedbug de Vladimir Mayakovsky (1929).

Sempre contestadora, a carreira de Meyerhold é ameaçada quando, em 1938, o seu teatro é fechado por decreto, com a justificativa de que ali havia “difamações hostis contra o estilo de vida soviético”. Stanislavski irá surpreender a todos convidando Meyerhold a trabalhar com ele no novo Teatro Ópera Stanislavski. Era uma decisão valente oferecer proteção a alguém que caíra em desgraça diante do sistema. Mas Stanislavski sabia o que estava fazendo e, aceitando as responsabilidades de sua decisão, alegou: “Precisamos de Meyerhold no teatro. Ele é meu único herdeiro”.

Stanislavski morreu em agosto de 1938, aos 75 anos, e foi enterrado ao lado de Tchekhov. Meyerhold morreu em fevereiro de 1940, aos 66 anos, fuzilado na prisão pelas tropas do regime de Stalin. Fora detido algum tempo antes, pelo Congresso Geral dos Diretores Teatrais, por ter se negado a participar da manifestação pública de submissão e retratação artística. Sua mulher, a atriz Zinaída Raikh e também primeira atriz de sua companhia, foi encontrada morta em seu apartamento, pouco tempo depois da prisão de Meyerhold.



Um pouco sobre a Teoria Biomecânica

O ápice das pesquisas ensejadas por Vsevolod Meyerhold foi a teoria que denominou de biomecânica, recurso que, de maneira genérica, transformava o corpo do ator em uma ferramenta, um títere a serviço da mente. As atuações pelo método da biomecânica possuíam movimentos amplos, exagerados (mas não supérfluos) e tensos, incrivelmente tensos. A capacidade comunicativa dos gestos e expressões, ou seja, a linguagem corporal, dentro da biomecânica, subjugou a linguagem oral a ponto de muitas entonações serem feitas de forma quase que inflexível.

Dentro da biomecânica o cinético e o estático têm valores semelhantes, tal qual nos teatros populares nipônicos. E o corpo do ator é entendido como mais um objeto de cena, portanto sua disposição em relação ao cenário tem importante papel como elemento de comunicação visual. Por essas razões, outros elementos típicos do teatro de Meyerhold, como a iluminação, cenário e figurino estilizados e antinaturalistas são essenciais para o perfeito funcionamento da biomecânica. O cineasta, ex-aluno e amigo de Meyerhold, Sergei Eisenstein, utilizou a técnica da biomecânica em seus filmes Ivan, o Terrível Parte I e Ivan, o Terrível Parte II.

Mais informações: www.meyerhold.org

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Um convite!


Inscrições abertas


Amigos atores, jornalistas, publicitários, produtores de elenco, ex-alunos, estudantes e afins

Um sonho antigo ganha endereço: um centro de treinamento do ator, nas Seis Pistas. E já temos nossa primeira oficina – "O ator invisível" – com inscrições abertas. Serão dois grupos de iniciantes e iniciados, em setembro, mergulhados no domínio das verdades construídas em práticas de cena. Fica o convite para um salto comigo nessa caixa de luz e sombra.


O ator invisível
O método da verdade construída
Por Jefferson da Fonseca Coutinho

Oficina de interpretação para estudantes de teatro, atores e agentes de educação, comunicação e cultura. No programa, espontaneidade e disciplina. O aperfeiçoamento da percepção do sentido nas partituras do movimento e do som. Treinamento pela desconstrução do estado da representação e dos bloqueios psicofísicos do intérprete. Técnicas de biomecânica e jogos de cena.

Público alvo:
Iniciantes, iniciados, educadores, profissionais de arte e comunicação e candidatos aos cursos profissionalizantes de teatro do Palácio das Artes, TU e UFMG.

Investimento: R$ 270,00
Grupo 1: De 4 a 7 de setembro, das 9h às 12h
Grupo 2: Dias 8, 15, 22 e 29 de setembro (sábados), das 9h às 12h.

Casa do ator e Soller Centro de Artes
Alameda da Serra, 154 - Seis Pistas (atrás do BH Shopping)

Jefferson da Fonseca Coutinho é ator, dramaturgo, jornalista e diretor de teatro. Professor de artes da Rede Pitágoras, de 2000 a 2007; da Escola de Teatro da Puc Minas, desde 2000; e colaborador em Artes Cênicas do Grupo Diários Associados desde 1991. Com 20 anos de experiência no treinamento do ator, Jefferson já esteve nos sets de TV, cinema e nos bastidores e na cena de mais de 50 espetáculos. Entre eles, textos de Shakespeare, Lorca, Kafka, Nelson Rodrigues, Clarice Lispector, Maria Clara Machado, Lewis Carroll, Durrenmatt, Brecht, Maeterlink, Tennenssee Williams, Eugene O’Neill, Beckett, Ionesco, Jean Genet e Ibsen. Está no elenco de “Um inimigo do Povo”, “Os sem vergonhas” e “Vincent”, monólogo inspirado em textos de Van Gogh, em cartaz desde 1995.

Informações: (31) 9952-2901 /// 9330-7769 /// 9637-1416
E-mail: kasadoator@gmail.com

Mulher objeto, homem idiota


Na segunda-feira, com passageiro psicanalista, amigo dos mais inteligentes, tive conversa que me tirou o sono. Ainda mais depois que soube do jovem motorista, de 18 anos, que atropelou e matou intencionalmente no Vale do Sereno, em Nova Lima, na saída de boate. No Brasil, perturba-me por demais a facilidade com as bebidas. Para o Cássio, meu amigo psicanalista, as bebidas são até piores do que o crack. Isso, porque são legalizadas e estão ao alcance de qualquer um. Estão entre amigos, entre familiares. Para gente aos borbotões, é chique “chapar o melão”, “virar o copo”, “tomar todas”, “meter o pé na jaca”... uma lástima.

Não caberia nesta edição os nomes dos meus amigos e parentes beberrões. Também não caberia no jornal um retrospecto dos mortos em acidentes provocados pelo álcool. Tem pai e mãe que acham lindo ver o filhinho tomar o primeiro porre, viver na rua bebendo com os amigos. “Meu filho é homem, Josiel. Já tem 18 anos, tá certo sair para beber com os amigos, uai!”, ouvi outro dia de colega de praça. Semana passada, o garoto chegou de madrugada, vomitou na casa inteira e foi parar na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do bairro. Mas o Aldeir continua achando certíssimo o garoto gostar de “chapar o melão”.

Difícil lidar com isso. E as propagandas? Alguém em sã consciência poderia me explicar porque as propagandas de bebida ainda não foram proibidas? Não vale dizer que é porque rendem muito dinheiro – bilhões e bilhões. Gostaria de obter resposta responsável, condizente com o bem geral dos cidadãos. Alguém? Chega a ser ridículo a publicidade das cervejas fazendo a mulher de objeto e o homem de idiota. Faz-me lembrar os comerciais de cigarro em tempos de lucro e ignorância. Exibiam homens saudáveis, elegantes, aventureiros. Depois, teve até garoto propaganda de marca famosa, com câncer, definhando, processando a indústria do tabaco. Hoje, o fumante, viciado pelo sistema, é tratado quase como criminoso.

Já fui fumante e já bebi além da conta. Hoje, aos 41, tenho comigo, entre familiares e amigos, meus momentos de lazer. Mas, em casa, há um patrulhamento responsável, diário, contra tudo que pode nos fazer perder a razão. A maturidade ensina: aprende quem tem força de vontade. Pode até ser motivo de riso para alguns colegas. Volta e meia ouço piadinhas do tipo: “Trouxe o todinho de casa, Josiel”; “Para o meu amigo... leite”; “Chegou o vigário”. Podem falar. Falem à vontade. Não me importo. Vi parentes alcoólatras, aos montes, perderem o juízo... e com o juízo se foram o respeito, a saúde, o trabalho, a família e a dignidade.

É uma regra, infelizmente, muito particular: não faço uso de nada que pode afetar a minha consciência. Procuro dar exemplo aos meus filhos. Sei bem de vidas inteiras destruídas pelo fácil acesso às bebidas. E ainda tem gente que fala na liberação da maconha. No Brasil, amigo leitor, o maior desafio ainda é a educação.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O crime das seis pistas

Ele, advogado. Ela, delegada de polícia. Colodetti tramou tudo logo que soube que a mulher andava de caso tórrido com o melhor amigo de infância. O sujeito passou mês e meio arquitetando o assassinato e o sumiço do corpo da traíra. Não queria deixar pistas. Na noite da execução, tomado por ódio descabido, ainda preparou jantar de despedida para a policial de carreira. Ao chegar do fim de tarde, de sexo até doído, surrado pelo amante, Salete encontrou mesa posta e flores na sala como nunca. Música lounge para o clima intimista. O homem, gourmet, picava tomates miúdos para a salada fina. Sobre a mesa, duas velas coloridas em chamas. Dissimulado, fez-se gentil:

– Imaginei que talvez você estivesse com fome...
– Sim. Alguma comemoração? Você não é disso.
– É. Mais ou menos. O escritório fechou parceria com São Paulo.
– Parabéns. Preciso de um banho.
– Claro.

A delegada seguiu para a suíte sem entender a cena. Há quase ano o relacionamento ruía. Cada um vivia mergulhado em dois mundos particulares de compromissos. Cafés, almoços e jantares entre os dois fazia tempo. Muito tempo. A última ceia, em julho do ano passado, foi um fiasco. Foi quando Salete revelou resultado de exame de saúde ao marido. Na ocasião, foi ela a preparar a comida. Ele chegou do escritório e quis logo saber:

– E então? O que o médico disse?
– Não posso ser mãe. Tenho o útero seco.

De resto, nos pratos, o silêncio. Desde então, cada um foi se ajeitando num rumo. Ainda que sob o mesmo teto, de sono na cama em comum. Ambos beirando os quarenta, viram os sonhos do filho se esvair. A situação piorou quando Colodetti propôs adoção.

– Tenho um colega no fórum... ele adotou uma menina e está feliz da vida...
– Está louco? Isso é assunto morto. Adotada nesta casa já me basta!

De volta à sala de dois ambientes no apartamento do Vale do Sereno, em Nova Lima, o veneno está na mesa. Em pó, diluído no prato e na bebida da policial. Mudo, Colodetti aguarda o gole ou a garfada fatal da mulher companheira.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

domingo, 5 de agosto de 2012

O perigo das palavras


Por Liana Ferraz

O teatro de Grotowski é um centro de pesquisa, um laboratório. Ele defende que o método para o ator não deve ser um doutrinamento e sim um amadurecimento, uma doação de si mesmo – “o impulso se torna já uma reação exterior”. O comportamento do ator deve superar o natural e buscar comunicação através de símbolos.
      Com a eliminação gradual de tudo que é supérfluo, Grotowski conclui que a única condição fundamental é a relação ator-espectador.
      Nesta relação, o ator está diante de um grande desafio, pois não basta contar uma história. Não há mais algo que seja necessariamente interessante. Ao contrário do teatro antigo, não podemos mais contar com a existência de um céu comum, um mito unificante que já significa algo por si. Há uma dificuldade maior em dizer algo, em causar um impacto. Isto fica por conta da linguagem.
      Na pesquisa em teatro, há de se buscar uma forma teatral de representar o já existente. Examinar a fundo a natureza do teatro, o que o torna insubstituível, pois “a morte ameaça o teatro, à medida que o cinema e a televisão invadem seu domínio”.
      “O texto em si não é teatro, que só se torna teatro quando usado pelo ator, isto é graças às inflexões, às associações de sons, à musicalidade da linguagem”.
      Deste modo, a pesquisa de Grotowski em voz é muito ligada a uma busca pela linguagem teatral. Ele propõe técnica, mas a relativiza a todo instante.
      Em seu artigo “A voz”, ele diz que as técnicas respiratórias são generalistas. Não há necessidade de determinar qual a respiração ideal para o ator, pois se a respiração cotidiana muda de acordo com esforços e atividades e existem diferentes maneiras de respirar, por que em teatro tratar a respiração como algo genérico e sistematizado?  Grotowski defende que não há porque criar problemas que podem ser desnecessários. Se a respiração não interfere na representação, não a prejudica, o melhor a fazer é confiar na natureza. Na tentativa de criar uma “respiração artística”, os atores deformam a respiração orgânica. Eles aceleram ou retardam a respiração ao mesmo ritmo da ação, porém a respiração não acompanha tal ritmo, causando sufocamento em cena. Deve-se buscar uma liberação do processo orgânico na atuação para que a liberação na respiração venha por conseqüência.
      O ator quer observar a voz enquanto fala e isto causa uma interferência no processo natural da fala. Toda a atenção se volta para o seu aparato vocal devido à tentativa de controlar todas as características da voz. Um cérebro sem apoio corporal, não é um trabalho com todo o corpo.
      Mesmo em relação ao conceito de vibradores amplamente difundido por Grotowski, ele diz que há sim um centro de vibração da voz no corpo, mas que a vibração orgânica está presente no corpo como um todo.
      Na exploração da capacidade dos vibradores, Grotowski percebeu que o trabalho resultava em uma voz forte, porém artificial. A força era superior em relação à voz obtida em experimentos onde a atenção era voltada ao aparato vocal. Isto se deve ao fato de que naquele novo experimento a atenção estava voltada ao corpo como um todo. Porém, a artificialidade indesejada da voz persistia. Isto porque “era de todas as maneiras, uma auto-observação”.
      Ao pesquisar  a voz do ator imitando sons de animais selvagens, Grotowski percebeu que era menos artificial o resultado sonoro deste experimento. O motivo seria que o ator naquela situação está atuando sobre o aparato vocal e os vibradores de forma indireta. Eles estavam pesquisando em jogo. A partir daí, a pesquisa tomou outro rumo: os vibradores eram ativados sem premeditação.
      O pensamento não era mais sobre eles especificamente, mas sim sobre o espaço. A voz deveria atingir um ponto no espaço e a partir daí os vibradores agiam por si. Por exemplo, atingir o teto (vibradores do crânio), atingir a parede da frente (vibradores do peito) e assim por diante.
      Porém, mesmo relacionando-se com o espaço o ator pode cometer o erro de automatizar como, por exemplo, gritar “teto!teto!” para atingir aquele espaço. Acontece então que a voz volta-se novamente ao registro artificial e automático.
      Uma maneira que Grotowski encontrou de escapar disto é o trabalho com as imagens. Propor ao ator que não pense somente em espaço, mas sim em situações. Ao invés de pensar em atingir um lugar distante, imaginar que lá, além das montanhas está um amigo com quem se quer falar ou ainda imaginar que enquanto se fala alguém toca de diferentes modos partes de seu corpo. A atenção do ator volta-se para a situação, a voz atinge um potencial de organicidade interessante para condução do trabalho artístico. 
            “Nós partimos sempre de um erro, mas todo o segredo que está nisto é que, depois, nós podemos corrigir a trajetória. E é na correção da trajetória que começa a verdadeira competência. Sim, mas eu repito: não é que uma metafísica conduza a uma técnica; é uma prática que leva a uma sabedoria”.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Da beleza de ser pai


A caixa postal está abarrotada de e-mails sobre o Dia dos Pais, daqui a semana e meia. Mais uma data comercial? Pode ser. No entanto, já que o dia está aí para ser comemorado, vale repensar e rabiscar na caderneta o pai que há no homem. Pai: palavrinha que me ronda os pensamentos desde moleque. Freud disse que a criança é o pai do homem. É bem possível. O velho Botelho muito presente – pai e mãe –, jamais me deixou esquecer os sabores e dissabores da missão. Até quando esteve ausente – por forças das circunstâncias –, mantinha-se bem mais que vivo nas minhas lembranças. Não bastasse a figura paterna, companheira, para marcas ainda mais profundas em mim, vieram os filhos: dois... quando eu ainda era garoto. Nada a reclamar, tudo a agradecer. São lições vindas da vida. As boas lições.

Da convivência com os amigos sem pai – muitos –, vieram as elucubrações sobre o tema. A paternidade, a boa paternidade é, de fato, uma missão. As responsabilidades vindas da posição não podem ser destratadas. Conheço casos, aos montes, de bons sujeitos que se deixaram levar pelo tempo, pelas adversidades, e acabaram por contrariar o próprio caráter. Um colega de praça, por exemplo, que, muito pobre, humilhado pela família da ex-mulher, podre de rica, acabou deixando de lado o filho, que, garotinho, foi morar em Portugal. Meu amigo, com dificuldade, descobriu o endereço, juntou trocado e foi ver o mocinho.

Lá, foi tratado como marginal e não pode ficar mais do que meia hora com o menino. O companheiro voltou arrasado, em frangalhos. O tempo passou e ele arranjou novo amor, com quem teve outro filho. De Lisboa, nunca mais teve notícias. No último Natal, confessou-me não passar um só dia sem pensar no primogênito, hoje, com 20 anos. “Ainda vou olhar no fundo do olho dele, Josiel, e ele vai saber o quanto eu o amo. O quanto eu lamento não ter participado da vida dele...”, disse-me. Bastante sensibilizado com o desabafo do amigo, tomei nota na caderneta de papel pautado.

Também sei de casos diferentes... De sujeitos que fizeram a farra no colo de algumas donas e que, quando souberam da gravidez, sumiram no mundo. Tem um pilantra então, do interior, que é difícil até de acreditar... Vendedor ambulante, com duas famílias, engravidou uma adolescente sem pai, de mãe muito humilde em Betim, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Na ocasião, prometeu mundos e fundos para a minha prima e picou a mula. Isso, nos anos 1980. Recentemente, a filha desse sujeito, mulher feita, professora, encaminhada na vida, tanto fez que conseguiu o endereço do vagabundo. Levei-a até lá, no Sul de Minas. Na casa dele, na firmeza que a vida lhe deu, a moça mandou na lata, na minha frente: “Quero nada não. Só queria dizer que estou bem”. No caminho de volta, foi só o silêncio.

Não é fácil ser bom pai. Sei bem. Mais do que ensinar com o verbo, é preciso dar exemplo, fazer-se presente nas broncas e nas alegrias. É tarefa por demais difícil. Mas no amor de verdade, na coragem, tudo se ajeita. Com dois filhos crescidos, que me dão muito orgulho, estou de olho na gravidez da minha amada Violeta, já no sétimo mês. Todas os dias, em oração, peço forças para o grande maestro do universo, Senhor de todas as marés. Não quero fraquejar. Já são tantos os meus “eus” pela metade. Pai, ao menos, busco ser inteiro. 



Bandeira Dois - Josiel Botelho - 1º/8/12