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sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Vsevolod Meyerhold (1874-1940)

Descendente de alemães, Vsevolod Meyerhold nasceu em Penza, Russia, em 1874. Foi a Moscou estudar direito, mas deixou a escola em 1896 e se embrenhou nas aulas de Vladimir Nemirovich-Danchenko, no Moscow Philharmonia. Em 1898 foi convidado a se juntar a trupe do recém fundado Teatro de Arte de Moscou, de Stanislavski. Templo do naturalismo e do realismo psicológico, o Teatro de Arte foi a grande escola de Meyerhold, que em 1902 decide percorrer caminhos próprios fundando uma nova trupe, a Sociedade do Drama Novo.

Farto do naturalismo, Meyerhold vai inspirar-se no impressionismo, no cubismo e finalmente no expressionismo alemão para desenvolver uma pesquisa de trabalho muito particular. Propôs uma nova abordagem: um teatro que “intoxicaria o espectador com força dionisíaca do eterno sacrifício”, um teatro estilizado como substitituto da “fantasia apolínea” sugerida pelo naturalismo. A partir de pesquisas com a commedia dell’arte, as improvisações, a pantomima, o grotesco e o simbolismo cênico, desenvolveu uma disposição frontal das personagens com pesquisas voltadas à dicção do ator e com a substituição da cenografia complexa do naturalismo pela iluminação como síntese.

Criou o teatro de linha reta, no qual o ator, juntamente com o autor, o diretor e o público são criadores absolutos do fenômeno teatral. Embora a participação do público fosse apenas emocional, nunca física, através de sua imaginação que deveria ser empregada “criativamente a fim de preencher os detalhes sugeridos pela ação do palco”. Desta forma, libera o ator e força o espectador a passar de uma simples contemplação, ao ato criador: Também aproxima-se do movimento construtivista que buscava no campo das artes plásticas e da arquitetura uma arte baseada no materialismo, desvinculada de toda a herança cultural idealista do passado e, tomando o princípio da beleza funcional e utilitária, elabora a teoria da biomecânica. Desta forma, a criação artística deixa de ser uma cópia do real para se tornar uma reflexão da realidade, priorizando a relação do intérprete com o público através de jogos que pudessem revelar e intensificar os traços psicológicos de ambos.

Meyerhold defendeu a teatralidade e a estilização e propôs uma dialética de opostos: a farsa contra a tragédia e a forma contra o conteúdo de modo a forçar o espectador a encontrar uma visão mais apurada da realidade e “decifrar o enigma do inescrutável”.

Em 1905, Stanislavski estava perdido. Se por um lado gozava de respeito e prestígio por ter encenado as famosas produções de Tchekhov e Gorki, por outro era alvo fácil dos simbolistas que o consideravam ultrapassado. Até este momento, não havia desenvolvido nenhuma teoria significativa sobre o seu método de trabalho. Convida, então, Meyerhold para dirigir mais uma vez o seu Estúdio. Meyerhold traz para o Teatro de Arte algumas das questões que o haviam motivado a deixar a companhia anos atrás, nomeadamente sua aversão ao teatro naturalista e ao realismo psicológico. Mais uma vez, Stanislavski e Meyerhold irão se desentender artisticamente e o projeto de desenvolverem novamente um trabalho em conjunto é desfeito.

Apesar de Meyerhold e Stanislavski serem tratados como opostos teatrais – um preocupado com a teatralidade, outro com o conteúdo interno – os dois se admiravam e respeitavam mutuamente. Meyerhold foi sempre um crítico e admirador persistente do Teatro de Arte e declarou certa vez: “serei sempre um aluno de Stanislavski”. Stanislavski, em outra ocasião, o chamou de “filho pródigo”. De fato, os dois estavam sempre em processo de troca.

Quando a Revolução Russa aconteceu em 1917, Meyerhold rapidamente se juntou ao Partido Comunista e em 1920 foi apontado como o cabeça da divisão teatral do People's Commissariat for Education. Desde sempre inquieto, a partir de 1924 começa a divergir do percurso tomado pelo Partido Comunista Soviético, que exige que o teatro desempenhe uma proposta ideológica na construção do socialismo, com obras que reflitam o cotidiano, conceito básico do realismo socialista. Com a montagem de O Inspetor Geral, em 1926, Meyerhold irá atingir o auge e também prenunciar o fim de sua brilhante carreira. Foi perseguido pela crítica oficial, pela classe teatral e por toda uma geração de artistas. Isolado e solitário, passou a fazer frente ao período mais sombrio do stalinismo. Sua reputação, no entanto, não é de todo abalada. Em 1935, Stanislavski irá dizer: “o único encenador que conheço é Meyerhold”.

Nos mais recentes anos comunistas, Meyerhold encenou várias produções notáveis incluindo a primeira produção de Mystery-Bouffe de Mayakovsky (1918). No começo de 1922, encenou várias produções construtivistas famosas, incluindo The Magnificent Cuckold de Fernand Crommelynk e The Death of Tarelkin de Alexander Sukhovo-Kobylin.

Em 1923 tinha sua própria trupe em Moscou, encenando produções inovadoras de clássicos e novos trabalhos. Talvez as mais conhecidas dessas produções foram The Mandate de Nikolai Erdman (1925), Dead Souls de Nikolai Gogol (1926), e The Bedbug de Vladimir Mayakovsky (1929).

Sempre contestadora, a carreira de Meyerhold é ameaçada quando, em 1938, o seu teatro é fechado por decreto, com a justificativa de que ali havia “difamações hostis contra o estilo de vida soviético”. Stanislavski irá surpreender a todos convidando Meyerhold a trabalhar com ele no novo Teatro Ópera Stanislavski. Era uma decisão valente oferecer proteção a alguém que caíra em desgraça diante do sistema. Mas Stanislavski sabia o que estava fazendo e, aceitando as responsabilidades de sua decisão, alegou: “Precisamos de Meyerhold no teatro. Ele é meu único herdeiro”.

Stanislavski morreu em agosto de 1938, aos 75 anos, e foi enterrado ao lado de Tchekhov. Meyerhold morreu em fevereiro de 1940, aos 66 anos, fuzilado na prisão pelas tropas do regime de Stalin. Fora detido algum tempo antes, pelo Congresso Geral dos Diretores Teatrais, por ter se negado a participar da manifestação pública de submissão e retratação artística. Sua mulher, a atriz Zinaída Raikh e também primeira atriz de sua companhia, foi encontrada morta em seu apartamento, pouco tempo depois da prisão de Meyerhold.



Um pouco sobre a Teoria Biomecânica

O ápice das pesquisas ensejadas por Vsevolod Meyerhold foi a teoria que denominou de biomecânica, recurso que, de maneira genérica, transformava o corpo do ator em uma ferramenta, um títere a serviço da mente. As atuações pelo método da biomecânica possuíam movimentos amplos, exagerados (mas não supérfluos) e tensos, incrivelmente tensos. A capacidade comunicativa dos gestos e expressões, ou seja, a linguagem corporal, dentro da biomecânica, subjugou a linguagem oral a ponto de muitas entonações serem feitas de forma quase que inflexível.

Dentro da biomecânica o cinético e o estático têm valores semelhantes, tal qual nos teatros populares nipônicos. E o corpo do ator é entendido como mais um objeto de cena, portanto sua disposição em relação ao cenário tem importante papel como elemento de comunicação visual. Por essas razões, outros elementos típicos do teatro de Meyerhold, como a iluminação, cenário e figurino estilizados e antinaturalistas são essenciais para o perfeito funcionamento da biomecânica. O cineasta, ex-aluno e amigo de Meyerhold, Sergei Eisenstein, utilizou a técnica da biomecânica em seus filmes Ivan, o Terrível Parte I e Ivan, o Terrível Parte II.

Mais informações: www.meyerhold.org

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