De lado as leis dos homens, dos templos e seus chefões, amar com a
natureza da alma não pode ser de todo mal. Não ali, naquele encontro,
entre José e Maria. Em 2009, de carona na boleia do caminhão com placa
de Pernambuco, os dois, lado a lado, em silêncio, repassaram a história
deixada pelo caminho para o futuro em lugar qualquer no fim da viagem.
Na cabeça da ex-irmã, o esculacho da madre severa, superiora: “Vergonha!
Vergonha!”. Já no professor, ex-seminarista, retumba a bronca do reitor
parente: “Moleque! Você é moleque! Vou queimar seu nome onde houver uma
universidade decente! Moleque!”.
Lembranças duras, de pouca importância. De valor, o momento: ela com a
cabeça no ombro dele. Num só suspiro, os dois. No rádio, bolero antigo,
adocicado. Ao volante, Baiano, carreteiro vivido, cinquentão, experiente
na agruras do amor. “Vocês formam um casal muito bonito! Tem filhos?”,
quis saber, rompendo o vazio. Talvez pelo esculacho da madre, talvez
pelo cansaço da última semana, Maria não quis conversar. Apenas meneou a
cabeça indicando o não. José quis retribuir a generosidade de Baiano,
que acolheu o casal sem rumo, à noite, em posto de beira de estrada:
“Pretendemos ter muitos filhos... ‘seu’ Baiano”.
O carreteiro sorriu e emendou: “Filho é muito bom. Tenho sete. Quis o
Homem lá em cima fosse com duas mães. Mas tenho sete filhos. Estou no
meu segundo casamento. A primeira mulher me deixou. Lucimara. Com ela,
tive dois: Josiel e Ribamar. Cantam que é uma beleza. Já tão fazendo
muito show no Ceará. A mãe deles não aguentou a minha vida na estrada...
aí, arranjou outro. Sofri muito... mas dei a volta por cima... porque
quem tem Deus no coração não fica desamparado. Conheci Bernadete, minha
companheira. Ela me deu cinco: Pedro, Lucas, Tiago, Karina e João”.
José e Maria, ainda que tocados pela alegria de Baiano, não conseguiam
deixar de pensar na luta dos últimos dias de 2009 para estarem ali,
juntos, no rumo de vida nova. Conheceram-se em 2007, durante encontro
católico. Foi amor à primeira vista, desses sem explicação. Ele, noivo,
de casamento marcado. Ela, de votos com os céus. “Para a eternidade”,
pensava. José chutou o pau da barraca e desfez noivado naquele ano.
Maria trancafiou o sentimento em segredo. Amor impossível, em dois anos,
professor e freira trocaram meia dúzia de e-mails e quatro telefonemas.
Sempre por razões profissionais: projetos da universidade e da
congregação.
Por fim, no último encontro religioso em 2009, o professor e a freira
não deram conta e se entregaram. Abriram-se apaixonados, em silêncio. Um
longo e demorado beijo se encarregou de dizer o que não podia ser dito.
Olhares trocados, ouviram o coração. Ela quis se despedir da madre
superiora. Para ela, uma mãe. Ele foi honesto com o reitor, seu pai. O
reitor e a madre espinafraram. Reduziram-nos ao pior de todos os
pecados. Daí, tristeza e decepção. Carro velho, estragado na estrada, a
salvação foi a carona do Baiano. Tempos passados. Hoje, dia de agosto de
2012, em cidade praiana no Nordeste, José e Maria comandam projeto
social que atende a cerca de 3 mil crianças carentes. Felizes, estão
para ter o primeiro filho em dezembro: Jesus.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 20/8/12
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