Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

domingo, 5 de agosto de 2012

O perigo das palavras


Por Liana Ferraz

O teatro de Grotowski é um centro de pesquisa, um laboratório. Ele defende que o método para o ator não deve ser um doutrinamento e sim um amadurecimento, uma doação de si mesmo – “o impulso se torna já uma reação exterior”. O comportamento do ator deve superar o natural e buscar comunicação através de símbolos.
      Com a eliminação gradual de tudo que é supérfluo, Grotowski conclui que a única condição fundamental é a relação ator-espectador.
      Nesta relação, o ator está diante de um grande desafio, pois não basta contar uma história. Não há mais algo que seja necessariamente interessante. Ao contrário do teatro antigo, não podemos mais contar com a existência de um céu comum, um mito unificante que já significa algo por si. Há uma dificuldade maior em dizer algo, em causar um impacto. Isto fica por conta da linguagem.
      Na pesquisa em teatro, há de se buscar uma forma teatral de representar o já existente. Examinar a fundo a natureza do teatro, o que o torna insubstituível, pois “a morte ameaça o teatro, à medida que o cinema e a televisão invadem seu domínio”.
      “O texto em si não é teatro, que só se torna teatro quando usado pelo ator, isto é graças às inflexões, às associações de sons, à musicalidade da linguagem”.
      Deste modo, a pesquisa de Grotowski em voz é muito ligada a uma busca pela linguagem teatral. Ele propõe técnica, mas a relativiza a todo instante.
      Em seu artigo “A voz”, ele diz que as técnicas respiratórias são generalistas. Não há necessidade de determinar qual a respiração ideal para o ator, pois se a respiração cotidiana muda de acordo com esforços e atividades e existem diferentes maneiras de respirar, por que em teatro tratar a respiração como algo genérico e sistematizado?  Grotowski defende que não há porque criar problemas que podem ser desnecessários. Se a respiração não interfere na representação, não a prejudica, o melhor a fazer é confiar na natureza. Na tentativa de criar uma “respiração artística”, os atores deformam a respiração orgânica. Eles aceleram ou retardam a respiração ao mesmo ritmo da ação, porém a respiração não acompanha tal ritmo, causando sufocamento em cena. Deve-se buscar uma liberação do processo orgânico na atuação para que a liberação na respiração venha por conseqüência.
      O ator quer observar a voz enquanto fala e isto causa uma interferência no processo natural da fala. Toda a atenção se volta para o seu aparato vocal devido à tentativa de controlar todas as características da voz. Um cérebro sem apoio corporal, não é um trabalho com todo o corpo.
      Mesmo em relação ao conceito de vibradores amplamente difundido por Grotowski, ele diz que há sim um centro de vibração da voz no corpo, mas que a vibração orgânica está presente no corpo como um todo.
      Na exploração da capacidade dos vibradores, Grotowski percebeu que o trabalho resultava em uma voz forte, porém artificial. A força era superior em relação à voz obtida em experimentos onde a atenção era voltada ao aparato vocal. Isto se deve ao fato de que naquele novo experimento a atenção estava voltada ao corpo como um todo. Porém, a artificialidade indesejada da voz persistia. Isto porque “era de todas as maneiras, uma auto-observação”.
      Ao pesquisar  a voz do ator imitando sons de animais selvagens, Grotowski percebeu que era menos artificial o resultado sonoro deste experimento. O motivo seria que o ator naquela situação está atuando sobre o aparato vocal e os vibradores de forma indireta. Eles estavam pesquisando em jogo. A partir daí, a pesquisa tomou outro rumo: os vibradores eram ativados sem premeditação.
      O pensamento não era mais sobre eles especificamente, mas sim sobre o espaço. A voz deveria atingir um ponto no espaço e a partir daí os vibradores agiam por si. Por exemplo, atingir o teto (vibradores do crânio), atingir a parede da frente (vibradores do peito) e assim por diante.
      Porém, mesmo relacionando-se com o espaço o ator pode cometer o erro de automatizar como, por exemplo, gritar “teto!teto!” para atingir aquele espaço. Acontece então que a voz volta-se novamente ao registro artificial e automático.
      Uma maneira que Grotowski encontrou de escapar disto é o trabalho com as imagens. Propor ao ator que não pense somente em espaço, mas sim em situações. Ao invés de pensar em atingir um lugar distante, imaginar que lá, além das montanhas está um amigo com quem se quer falar ou ainda imaginar que enquanto se fala alguém toca de diferentes modos partes de seu corpo. A atenção do ator volta-se para a situação, a voz atinge um potencial de organicidade interessante para condução do trabalho artístico. 
            “Nós partimos sempre de um erro, mas todo o segredo que está nisto é que, depois, nós podemos corrigir a trajetória. E é na correção da trajetória que começa a verdadeira competência. Sim, mas eu repito: não é que uma metafísica conduza a uma técnica; é uma prática que leva a uma sabedoria”.

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