Por Liana Ferraz
O teatro de Grotowski é um centro
de pesquisa, um laboratório. Ele defende que o método para o ator não
deve ser um doutrinamento e sim um amadurecimento, uma doação de si
mesmo – “o impulso se torna já uma reação exterior”. O comportamento do
ator deve superar o natural e buscar comunicação através de símbolos.
Com a eliminação gradual de
tudo que é supérfluo, Grotowski conclui que a única condição
fundamental é a relação ator-espectador.
Nesta relação, o ator está
diante de um grande desafio, pois não basta contar uma história. Não há
mais algo que seja necessariamente interessante. Ao contrário do teatro
antigo, não podemos mais contar com a existência de um céu comum, um
mito unificante que já significa algo por si. Há uma dificuldade maior
em dizer algo, em causar um impacto. Isto fica por conta da linguagem.
Na pesquisa em teatro, há
de se buscar uma forma teatral de representar o já existente. Examinar a
fundo a natureza do teatro, o que o torna insubstituível, pois “a morte
ameaça o teatro, à medida que o cinema e a televisão invadem seu
domínio”.
“O texto em si não é
teatro, que só se torna teatro quando usado pelo ator, isto é graças às
inflexões, às associações de sons, à musicalidade da linguagem”.
Deste modo, a pesquisa de
Grotowski em voz é muito ligada a uma busca pela linguagem teatral. Ele
propõe técnica, mas a relativiza a todo instante.
Em seu artigo “A voz”, ele
diz que as técnicas respiratórias são generalistas. Não há necessidade
de determinar qual a respiração ideal para o ator, pois se a respiração
cotidiana muda de acordo com esforços e atividades e existem diferentes
maneiras de respirar, por que em teatro tratar a respiração como algo
genérico e sistematizado? Grotowski defende que não há porque criar
problemas que podem ser desnecessários. Se a respiração não interfere na
representação, não a prejudica, o melhor a fazer é confiar na natureza.
Na tentativa de criar uma “respiração artística”, os atores deformam a
respiração orgânica. Eles aceleram ou retardam a respiração ao mesmo
ritmo da ação, porém a respiração não acompanha tal ritmo, causando
sufocamento em cena. Deve-se buscar uma liberação do processo orgânico
na atuação para que a liberação na respiração venha por conseqüência.
O ator quer observar a voz
enquanto fala e isto causa uma interferência no processo natural da
fala. Toda a atenção se volta para o seu aparato vocal devido à
tentativa de controlar todas as características da voz. Um cérebro sem
apoio corporal, não é um trabalho com todo o corpo.
Mesmo em relação ao
conceito de vibradores amplamente difundido por Grotowski, ele diz que
há sim um centro de vibração da voz no corpo, mas que a vibração
orgânica está presente no corpo como um todo.
Na exploração da capacidade
dos vibradores, Grotowski percebeu que o trabalho resultava em uma voz
forte, porém artificial. A força era superior em relação à voz obtida em
experimentos onde a atenção era voltada ao aparato vocal. Isto se deve
ao fato de que naquele novo experimento a atenção estava voltada ao
corpo como um todo. Porém, a artificialidade indesejada da voz
persistia. Isto porque “era de todas as maneiras, uma auto-observação”.
Ao pesquisar a voz do ator
imitando sons de animais selvagens, Grotowski percebeu que era menos
artificial o resultado sonoro deste experimento. O motivo seria que o
ator naquela situação está atuando sobre o aparato vocal e os vibradores
de forma indireta. Eles estavam pesquisando em jogo. A partir daí, a
pesquisa tomou outro rumo: os vibradores eram ativados sem premeditação.
O pensamento não era mais
sobre eles especificamente, mas sim sobre o espaço. A voz deveria
atingir um ponto no espaço e a partir daí os vibradores agiam por si.
Por exemplo, atingir o teto (vibradores do crânio), atingir a parede da
frente (vibradores do peito) e assim por diante.
Porém, mesmo
relacionando-se com o espaço o ator pode cometer o erro de automatizar
como, por exemplo, gritar “teto!teto!” para atingir aquele espaço.
Acontece então que a voz volta-se novamente ao registro artificial e
automático.
Uma maneira que Grotowski
encontrou de escapar disto é o trabalho com as imagens. Propor ao ator
que não pense somente em espaço, mas sim em situações. Ao invés de
pensar em atingir um lugar distante, imaginar que lá, além das montanhas
está um amigo com quem se quer falar ou ainda imaginar que enquanto se
fala alguém toca de diferentes modos partes de seu corpo. A atenção do
ator volta-se para a situação, a voz atinge um potencial de organicidade
interessante para condução do trabalho artístico.
“Nós partimos
sempre de um erro, mas todo o segredo que está nisto é que, depois, nós
podemos corrigir a trajetória. E é na correção da trajetória que começa a
verdadeira competência. Sim, mas eu repito: não é que uma metafísica
conduza a uma técnica; é uma prática que leva a uma sabedoria”.
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