Ele, advogado. Ela, delegada de polícia. Colodetti tramou tudo
logo que soube que a mulher andava de caso tórrido com o melhor amigo
de infância. O sujeito passou mês e meio arquitetando o assassinato e o
sumiço do corpo da traíra. Não queria deixar pistas. Na noite da
execução, tomado por ódio descabido, ainda preparou jantar de despedida
para a policial de carreira. Ao chegar do fim de tarde, de sexo até
doído, surrado pelo amante, Salete encontrou mesa posta e flores na sala
como nunca. Música lounge para o clima intimista. O homem, gourmet,
picava tomates miúdos para a salada fina. Sobre a mesa, duas velas
coloridas em chamas. Dissimulado, fez-se gentil:
– Imaginei que talvez você estivesse com fome...
– Sim. Alguma comemoração? Você não é disso.
– É. Mais ou menos. O escritório fechou parceria com São Paulo.
– Parabéns. Preciso de um banho.
– Claro.
A delegada seguiu para a suíte sem entender a cena. Há quase ano o
relacionamento ruía. Cada um vivia mergulhado em dois mundos
particulares de compromissos. Cafés, almoços e jantares entre os dois
fazia tempo. Muito tempo. A última ceia, em julho do ano passado, foi um
fiasco. Foi quando Salete revelou resultado de exame de saúde ao
marido. Na ocasião, foi ela a preparar a comida. Ele chegou do
escritório e quis logo saber:
– E então? O que o médico disse?
– Não posso ser mãe. Tenho o útero seco.
De resto, nos pratos, o silêncio. Desde então, cada um foi se ajeitando
num rumo. Ainda que sob o mesmo teto, de sono na cama em comum. Ambos
beirando os quarenta, viram os sonhos do filho se esvair. A situação
piorou quando Colodetti propôs adoção.
– Tenho um colega no fórum... ele adotou uma menina e está feliz da vida...
– Está louco? Isso é assunto morto. Adotada nesta casa já me basta!
De volta à sala de dois ambientes no apartamento do Vale do Sereno, em
Nova Lima, o veneno está na mesa. Em pó, diluído no prato e na bebida
da policial. Mudo, Colodetti aguarda o gole ou a garfada fatal da
mulher companheira.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho
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