Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

A bichinha qua-quá

Para a surpresa do povo mais conservador daquela cidadezinha do interior, quando o Roberval Pata de Onça soube que o único filho gostava de homem mandou soltar até foguete: “Mata logo aquele boi gordo que a gente tem muito o que comemorar”, ordenou, felicíssimo, a um dos funcionários do fazendão. A mulher, dona Gertrudes, por mais de dez anos, guardou segredo e fez de tudo para proteger o rebento do que, em princípio, poderia provocar verdadeira fúria no pai. Chegou até a levar o garoto ao médico, dizendo ao marido que ia passear na capital. A conversa com o doutor entendido ela nunca esqueceu:

– Seu filho tem uma saúde de ferro.
– É que... ele tem certas delicadezas...
– Natural.
– Como natural, doutor?
– Ele é gay.

Foi assim, na lata. O especialista conversou muito com dona Gertrudes e ela voltou para a fazenda bastante aliviada. Só não teve coragem de contar para o Roberval. “Isso não. Seja o que Deus quiser”, pensou. Pouco tempo depois, o garoto, homem feito, foi arranjar supletivo na capital para ver se, finalmente, dava conta de concluir o ensino médio, já que era muitíssimo fraco com os estudos. Às escondidas, o que ele melhor fazia era se acabar em indecências com alguns peões, dois padres e um colunista social da redondeza.

Na capital, montou república e até deu conta de entrar para faculdade barata, de processo seletivo diferenciado. Arrumou trabalho e lá deu jeito de ser promovido, grudado no saco de executivo afeminado. Chegado numa festa, enturmou-se rápido entre gente graúda da cidade e acabou ganhando algum destaque por meio de vocação interesseira profissional extraordinária. Severo, lá no interior, o pai Pata de Onça nem desconfiava da vidinha falsa, vazia, de fofocas, mexericos e leva-e-traz que o filhão poc-poc levava.

Dia de festa. Enquanto o boi gordo seguia rumo ao matadouro, Roberval deixou a mulher no comando da cozinha e foi buscar o rapaz no aeroporto do campinho. Lá, de sorriso aberto, recebeu o herdeiro. No abraço arrochado, de macho, o velho Pata de Onça soprou no ouvido da boneca: “Que beleza! Mas se me sair bichinha qua-quá...”

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 31/1/11

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