
Era mesmo caso de indignação. A patota, à toa, só no computador, não queria saber de estudo nem trabalho. Nem as cuecas os manés-preguiças lavavam. Dona Neuza, coitada, quando não esquentava o umbigo na cozinha, estava a ensopar as ancas na área de serviço. Escrava dos rebentos, na medida do possível, não deixava faltar nada e mantinha tudo limpo e pronto a tempo e hora. Das roupas de camas, sujas pelas indecências dos garotos com as namoradinhas, dona Neuza também cuidava sem reclamar. Limitava-se a pensar alto: “Meninos!” A funcionária pública aposentada, cozinheira de mão cheia, fazia render o dinheirinho e a despensa. Era difícil saber como as contas andavam em dia. Claro, com a ajuda do Alceu, vigia noturno e estudante de Administração. O moço dividia o salário com a mãe: “É pra senhora, hein!? É pro remédio e pra ajudar com o barracão dos fundos”.
Dona Neuza, hipertensa, além do amor sem fim pelos filhos, tinha outra obsessão: sonhava reformar o barracão de fundos para alugar e aumentar a renda. Alceu pedia para assumir a obra, mas Dona Neuza não abria mão de cuidar ela mesma do assunto. “Fui muito feliz com o seu pai lá, meu filho. Deixa que eu vou deixar a casinha bonitinha que nem era quando você nasceu”, disse outro dia, com os olhos marejados. Assim a vida seguia. Neto, João, Junim e Wagner continuavam nem aí para coisa alguma que prestasse. Empurrados pelo tempo, patéticos, eram só superfície. Tragédia. Causa de razões que a própria razão desconhece, Alceu morreu semana passada, enquanto ganhava o pão, baleado por ladrão pé-de-chinelo. Foi o bom patrão, dono da empresa de segurança, quem deu a notícia do seguro: R$ 200 mil deixados para a mãe. Dinheiro para o barraco e para ajudar a dar jeito de gente nos irmãos vagabundos.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 24/1/11
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