Na família do Alceu, vigilante, gente vazia dava que nem praga. Era possível contar no polegar sujeito de sangue que ali prestasse. Com os quatro irmãos, todos crescidos, dependurados na pensão da mãe, viúva, era só aborrecimento e preocupação a vida do Alceu. Um encosto só a malandragem no lote da Rua D. O vigia sofria à beça com tanto abuso por parte dos irmãos. A mãe, dona Neuza, vivia de defender preguiça: “Fica assim não, meu filho. Eles até que procuram, mas trabalho tá difícil demais”. Dona Neuza passava pouco dos 50, que mais pareciam 60, de tanto se acabar no tanque e no fogão. Alceu, dia sim, dia não, transbordava a razão: “Caramba, Neto! Pô, Juão! Que isso, Junim!? Wagner, Wagner… vão pegar numa vassoura, ao menos…”. Nada. Os quatro marmanjos – o caçula já beirava os 18 – esbanjavam incapacidade de iniciativa ou utilidade.
Era mesmo caso de indignação. A patota, à toa, só no computador, não queria saber de estudo nem trabalho. Nem as cuecas os manés-preguiças lavavam. Dona Neuza, coitada, quando não esquentava o umbigo na cozinha, estava a ensopar as ancas na área de serviço. Escrava dos rebentos, na medida do possível, não deixava faltar nada e mantinha tudo limpo e pronto a tempo e hora. Das roupas de camas, sujas pelas indecências dos garotos com as namoradinhas, dona Neuza também cuidava sem reclamar. Limitava-se a pensar alto: “Meninos!” A funcionária pública aposentada, cozinheira de mão cheia, fazia render o dinheirinho e a despensa. Era difícil saber como as contas andavam em dia. Claro, com a ajuda do Alceu, vigia noturno e estudante de Administração. O moço dividia o salário com a mãe: “É pra senhora, hein!? É pro remédio e pra ajudar com o barracão dos fundos”.
Dona Neuza, hipertensa, além do amor sem fim pelos filhos, tinha outra obsessão: sonhava reformar o barracão de fundos para alugar e aumentar a renda. Alceu pedia para assumir a obra, mas Dona Neuza não abria mão de cuidar ela mesma do assunto. “Fui muito feliz com o seu pai lá, meu filho. Deixa que eu vou deixar a casinha bonitinha que nem era quando você nasceu”, disse outro dia, com os olhos marejados. Assim a vida seguia. Neto, João, Junim e Wagner continuavam nem aí para coisa alguma que prestasse. Empurrados pelo tempo, patéticos, eram só superfície. Tragédia. Causa de razões que a própria razão desconhece, Alceu morreu semana passada, enquanto ganhava o pão, baleado por ladrão pé-de-chinelo. Foi o bom patrão, dono da empresa de segurança, quem deu a notícia do seguro: R$ 200 mil deixados para a mãe. Dinheiro para o barraco e para ajudar a dar jeito de gente nos irmãos vagabundos.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 24/1/11
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