"Há males quem vem para bem" retumbava na cabeça de Eustáquio. Na virada do ano, às margens da Lagoa da Pampulha, abatido por fora descomunal, o vendedor de automóveis não pensava outra coisa. Júlio, Alberto e Henrique, divorciados, tentavam animar o amigo:
– Melhor assim que continuar comendo capim!
– Vai-se a sujeita pra dar lugar a moça direita, mané!
– Deus escreve certo por linhas tortas, Taquim!
Em outra parte da cidade, na Praça da Estação, a ex-mulher, Lucinda, rebolava no colo de outros: "Vem com tudo, 2011! Três, dois, um... Uhuuuuuuuu!!!" E tome fogo e barulho!
Na Pampulha, Eustáquio não conseguiu fazer sorriso nem com a explosão de cores a iluminar a multidão. Os amigos estouraram champanhes e banharam-se em festa. Entre os desejos de boa sorte, o quarentão deu perdido no grupo e decidiu caminhar pela orla. "Há males que vem para bem. É isso".
Deu a volta na Lagoa em três horas de caminhada. Tempo para pensar na vida e desintegrar Lucinda. Na porta do Iate Clube, vestida de branco, sentadinha num canto, com um cigarro apagado entre os dedos, Maria, namorada de tempos felizes:
– Taquinho!?
– Maria!?
No silêncio dos descasados, abraço longo, sincero. Ficaram ali, em aconchego estranho, por mais de minuto. Até águas rolaram. Suspiraram um só respiro e desculparam-se. "Por que?", ela quis saber. "Pelo abraço", ele respondeu pelos dois. "Acho que não se deve pedir desculpas por uma coisa dessas", ela sorriu.
Taquinho e Maria relembraram os quatro anos de relacionamento, 14 anos corridos. Sentiram-se muito bem ao reviver história de amor e graça. Já era dia quando decidiram dormir embolados em suíte de motel requintado. Dos casamentos encerrados, sem filhos, cinzas. Já o namoro, interrompido por motivo besta, reataram ali, sem perceber.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 3/1/11
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