Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

O segredo de um futuro brilhante

Malu sempre foi bastante perdida. Depois que teve Almerinda, então, ficou ainda mais abestada. Não é difícil entender a sujeita. Basta saber da infância difícil. O pai ela nunca conheceu. Já a mãe, menina ainda, deixou Malu, recém nascida, com os pais e foi tentar a vida nos Estados Unidos. Nunca mais voltou. O avô morreu em seguida, engasgado com a própria dentadura. Foi dona Mercedes, a avó, quem segurou a barra da menina, neta única.

A vida de Malu era sonhar ser artista de televisão. Achava a realidade mais divertida dentro daquela caixa de som e imagem. Desde novinha, bem pequenininha, era capaz de passar horas diante dos programas mais bestas de que já se teve notícia. Crescida, Malu não escondia sua predileção pelos concursos de beleza. Tão linda que era, verdade, bem que podia ter sido daquelas beldades em roupas de banho e faixas de miss.

Tímida e trabalhadora, sacoleira, sem tempo para ouvir o sussurro dos sonhos, Malu não teve oportunidade de se destacar pela beleza. Também não tinha o menor talento para fazer as novelas nas quais se via quando não estava acordada. Sem vocação para mulher de sujeito qualquer, Malu não se dava bem com seus pretendentes. Despachou vários antes mesmo dos beijos no portão da casinha cor-de-rosa em que morava no Bairro Floramar.

Teve um, um único rapaz, com quem Malu pensou ser feliz: Ludovico, um agente promocional das ruas, cão de pelúcia de empresa de segurança. O moço dançava e fazia macaquices mil nos semáforos de quatro tempos da cidade. Apaixonados, casaram-se e coisaram-se em menos de ano. Daí, veio ao mundo Almerinda,  mocinha bonita e encantadora, a cara da mãe. O casamento de Malu e Ludovico foi para o brejo. A vendedora só tinha olhos para a filha.

Malu estava decidida a dar a menina as oportunidades que não teve. Queria fazer da filha uma grande estrela. E, assim, determinou o futuro de Almerinda, antes mesmo de Almerinda saber o que era futuro. O que a menina descobriu cedo é que toda aquela história de ser estrela era tudo o que importava para a mamãe. A reviravolta veio com a coach profissional, especialista em “futuros brilhantes”, uma tal, Bárbara Burtier, que Malu contratou.

“Sua filha precisa ter liberdade para construir os próprios sonhos. Ninguém pode viver a vida dos outros, Malu. Perdoa-me a franqueza, mas é o meu trabalho”. No primeiro encontro com a doutora, psicanalista e psicopedagoga, em consultório de luxo na Região Centro-Sul, o golpe na fantasia. Bastou hora de consulta para doutora Bárbara trazer Malu à realidade e libertar a pequena Almerinda do mundo fantasioso da mamãe sem noção.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

segunda-feira, 16 de setembro de 2013

A namorada do papai

João vivia para a mulher e para a filha. Até que, num deslize besta, despencou nos braços de uma dançarina da noite. Gerente financeiro da Choupana, casa de shows, João passou mais de 10 anos trabalhando em horário comercial, bem longe das tentações noturnas. Foi só o administrador assumir o caixa, num fim de semana de doença na família do patrão, para ter a vida ao avesso.

Paty, uma das dançarinas da dupla sertaneja contratada para o período – loura, de corpo perfeito e sorriso de arrasar quarteirão –, cismou com o jeito sério, difícil e de responsabilidade do João. A bela passou duas noites flertando, dando mole, e nada. Quanto mais o moço resistia, mais a moça investia. Depois de sexta-feira e sábado de provocações, no domingo, não teve jeito.

Isadora, a mulher de João, desconfiada dos dois dias seguidos de perfume diferente e batom na camisa do companheiro, arranjou peruca e óculos para disfarce. Irreconhecível, a sacoleira foi vigiar o marido na Choupana. Ainda não havia virado a meia noite quando rolou o flagrante. Isadora não fez barraco. Apenas se aproximou da pegação e tirou o disfarce para ser reconhecida.

Isadora voltou em prantos para casa. Fez a mala do marido traíra e a deixou na porta. Do lado de fora. João não pôde entrar nem para se despedir da filha. A pequena Júlia, de 9 anos, da janela, viu o pai ir embora, para se ajeitar na república dos amigos escoteiros. Paty, não achou ruim o drama. A dançarina até deixou o trabalho na noite para investir no novo amor.

O João bem que tentou o perdão da mulher. Sem chance. Isadora era linha duríssima. Magoada, jurou para a vizinha, Ana, amiga de infância, que não queria nunca mais saber do marido. “Nem pintado de ouro, Ana!”. Menina Júlia não aceitava a separação. Pensava em pai e mãe juntos para toda a vida.

A situação ficou ainda pior num domingo, quando João buscou a filha para dia de programa na república. Lá, além dos amigos escoteiros, também estava Paty, a nova namorada do papai. Júlia não perdeu a oportunidade de provocar a rival da mãe: “Minha mãe é muiiiiiiito mais bonita que você!”.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Nas costas do cachorrão


Todo mundo tem um primo folgado. Landislau tinha o Binha, o mais sem noção de Nova Serrana, interior de Minas Gerais. Depois que foi largado pela mulher – cansada de sustentar vadiagem –, Binha deixou a terra natal para tentar nova mamata em Belo Horizonte, onde Landislau, o primo, ganhava a vida vestido de cachorro.

Sim: vestido de cachorro – trabalho de representação, dos mais nobres, e de muitas alegrias. Landislau era agente promocional de empresa de segurança e passava horas, fantasiado de cachorrão, nos sinais mais demorados da cidade, acenando e levando graça aos passantes. Dançava e fazia mil e uma “cachorrices” para dar publicidade ao negócio.

Feliz, Landislau acolheu o primo na república em que morava na Avenida Augusto de Lima, na Região Central. Antes, reuniu os companheiros: “É apenas por uns dias... uma semana, no máximo. Ele é boa gente, escoteiro, lobinho como a gente. Só está num momento difícil. Podia ser com qualquer um de nós... hein!?”

Estudantes e trabalhadores, Marcelo e Gustavo já sabiam da fama de sem noção de Binha, expulso do agrupamento dos lobinhos de Nova Serrana por folga e indisciplina. Ainda assim, deram oportunidade: “Uma semana, Landislau. Por uma semana!”. Até trabalho Landislau arranjou para o primo preguiça. Um fiasco. Binha não conseguiu ficar meia hora debaixo da roupa peluda de cachorrão. “Que calor da peste. É ruim de agüentar”, choramingou.

Uma semana, duas, três... e somou mais de mês. Nada de Binha caçar rumo. O camarada tomou foi conta do apartamento. Já havia mudado o pacote da TV por assinatura e dobrado o consumo de água, energia, cosméticos, gás e comida. Sem falar no papo doce para cima das namoradas de Marcelo e Gustavo. Os dois, de regras, já estavam para explodir e convocaram reunião.

Sem acordo com Landislau, que não quis abrir mão da companhia do parente, Marcelo e Gustavo viram a dupla de lobinhos partir. Os dois arranjaram abrigo em casa de tia torta, solitária, em Contagem. Lá, Binha ajeitou encosto de rei, de chinelas, nas costas da velha e do primo cachorrão.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho