Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Das preces das senhoras de bem

Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é cidade cheia de lições. Toda vez que rodo pela região aprendo algo para toda vida. Na semana passada, senhora de história de amor incondicional ganhou o meu sono e minha admiração. Foram dois dias sem dar conta de fugir dela o pensamento. Violeta, eterna cúmplice, e eu conversamos muito a respeito. Incrível. Vinda do Norte de Minas, dona Maria, tem um único filho. Quis o destino, pela força bruta das consequências, presidiário. Para a mulher, dona de casa, o moço é inocente. “Andou com más companhias, meu filho. A droga não é coisa da cabeça dele não. Ele é bom menino. O que fez falta na vida dele foi o pai, que morreu cedo”, emociona-se. Dona Maria vendeu o barracão no Norte, na divisa com a Bahia. Alugou casinha em bairro próximo do presídio. “Pra poder ver o menino todo dia de visita”, faz sorrir os olhos verdes.

É amor demais, amigo leitor. Qualquer sujeito, com mínimo de sensibilidade e respeito, não desapontaria a mãe. Há mais de ano, a mulher vive pelo bem do sujeito, para que ele tenha algum futuro. “Fico perto, meu filho, porque ele tá sofrendo, arrependido. Tenho fé em Deus que ele vai sair logo e ter um vida boa, feliz. Porque ele é honesto, trabalhador, carinhoso. Eu tenho que vigiar pra ninguém fazer mais mal pra ele. Enquanto Deus me der força pra lutar, nada de ruim vai acontecer com ele”, diz. Em dezembro, dona Maria vendeu tudo. Brigou com todos na família que não acreditam no filho. “Eles não são gente ruim não, moço. Mas não conhecem o meu filho como eu. Então, preferi ficar longe de todo mundo”, lamenta.

Já era fim de tarde. Deixei dona Maria na casinha alugada em rua de terra, confusa em nome e número. Recém-chegada em Ribeirão das Neves, seus poucos pertences ainda estavam espalhados em sacolas de plástico e duas malas baratas na sala em piso de cimento grosso. O sofá de courino surrado, de dois lugares, foi comprado em um bota-fora. “Paguei R$ 50. Está novinho, não está!?”. O que mais chama a atenção em dona Maria é a luz dos olhos profundos, janelas da alma. Rugas traçadas pelo tempo de vida difícil, com sete abortos e a viuvez jovem ainda – na época, com 34, a mulher não perde a fé. Aos 58, é retrato de esperança. “Não há bem que dure pra sempre, nem mal que não se acabe. Tudo de ruim que tinha pra acontecer já aconteceu. Agora, meu filho, tudo vai dar certo”, confia.

Entusiasmada, dona Maria não quer perder um só dia de visita. Ela conta que, no ano passado, viveu dias de “pesadelo” para rever o rebento. “Foi um sofrimento porque é muito tempo de ônibus. A passagem é muito cara. O dinheiro da condução tava fazendo falta. Mas vai tudo melhorar”. A dona de casa, mãe coragem, acredita que, estando por perto, quando o filho voltar à liberdade, vai conseguir levá-lo para a igreja. “É um sonho que tenho: queria que o meu filho fosse pastor. Ele é tão bonito. Fala tão bem”, diz.

O sono não vem. A caneta corre solta na caderneta de papel pautado. O encontro com dona Maria, assim, ao acaso, me faz pensar fundo no amor de mãe. Especialmente – tocado pelo drama da dona do Norte –, nas mães dos condenados do mundo. Incrível a capacidade de amar dessas mulheres. O mundo seria outro, menos triste, se as preces dessas senhoras de bem fossem ouvidas. Lá fora, a chuva castiga o telhado.

Bandeira Dois - Josiel Botelho

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