É no Natal que a solidão doída de Iolanda mais aperta. Desde que Maurício se foi, há sete anos, não houve um só dezembro de felicidade na vida da costureira de vestidos finos. Só o prazer pela costura a lhe manter o sentido da casa vazia. O filho? Foi tomar jeito com as forças armadas. Oficial dos bons do Exército brasileiro, vez por outra telefona ou passa e-mail: “Oi! To vivo! E aí? Na próxima folga vou ver se apareço. Câmbio desligo”. Não. Não aparecia. Cresceu largado, sem nunca dar bola para a família. Fabrício não era mau garoto, mas não tinha o menor talento para ser filho – algo bem comum nos dias de hoje. Não que Iolanda não tenha sido boa mãe. Até que foi. Só que depois da viuvez, caiu em depressão profunda e não deu conta de lidar com as manhas do adolescente rebelde.
O garoto pintou e bordou, fez e aconteceu. Tanto deu trabalho que, aos 18 incompletos, acabou saindo de casa para morar em república de desvairados. De lá, dois anos passados, influenciado por primo amigo resolveu prestar concurso para oficial. Só assim deixou as drogas e acertou rumo. Mas da mãe não parecia querer saber. No entanto, a costureira não sofria de morrer com a ausência de Fabrício: “Filho criamos para o mundo”, resignava-se. Era Maurício, o marido, quem mais fazia falta no casão de esquina, no Bairro Santa Tereza. Morto, Iolanda o amou ainda mais. Amava-o com tamanha verdade, que podia senti-lo presente a qualquer tempo ou instante. Algo jamais experimentado ao longo de quase meio século de vida. Iolanda chegava a preparar pratos prediletos do marido para jantarzinhos a luz de velas, sozinha.
Menina ainda, nem bem chegados os 50, mantinha-se vaidosa em homenagem ao piloto. Maurício, comandante de boeings, ao partir ou voltar de suas intermináveis viagens, jamais deixou de elogiar a beleza da mulher. Iolanda não se perdoava por não ter feitor sequer um voo com o marido. Até tentou, mas jamais conseguiu colocar os pés numa aeronave em que o comandante Maurício estivesse. É que Iolanda tinha certeza morrer de desastre de avião e não queria levar o marido. Em todos os grandes passeios juntos foram sempre em voos separados. E assim, em mais de duas décadas, rodaram o mundo. Viagens revividas por fotografias nas paredes da casa. Iolanda passava horas a navegar por todas aquelas lembranças.
A notícia da morte de Maurício foi dura numa manhã de 25 de dezembro: “Sinto muito”, disse o presidente da companhia aérea. Não por problemas com o avião. Infarto fulminante em quarto de hotel no estrangeiro. Minutos antes da fatalidade, Maurício ligou para desejar boa-noite: “Flor, falta você. O quarto é lindo e tem vista para o Pacífico. Boa noite!”. Isso ficou como música, que ainda hoje faz sonhar Iolanda na solidão de quem fica. Forte, a viúva só não da conta de conter lágrima no Natal. Fim de semana ela chorou. Não pelo filho ausente em missão de paz no Haiti. Mas pelo marido piloto no céu, que continua a riscar estrelas.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 27/12/10
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