Mateus foi o caçula de família bandida. No barracão de fundos, só ele não era chegado da bandidagem. De resto, o menos ruim era Piolho, dois anos mais velho, que, aos 16, covarde, já havia chutado a cabeça de cruzeirense abatido em noite de vale-tudo. Mateus jamais gostou da nuvem negra que rodeava os cinco irmãos mais velhos. O menor parecia fruto de outra barrigada, já que até a mãe cumpria pena: assassinato. Dasdor matou o terceiro marido, pai de dois de seus filhos, dormindo. Descarregou tresoitão no peito do infeliz. Mateus testemunhou o desabafo de fogo da mãe traída. Os irmãos estavam na rua, no exercício da falta de sorte, entre fogueteiros e soldados do tráfico.
Mais do que a cena de paixão e morte, revelação de Dasdor marcou profundamente Mateus. Enquanto ele chorava em silêncio, a assassina rosnava: “Chore não, minino! Esse traste nem era seu pai. Seu pai é o Padrim. O Padrim!”. Padrim era sobrinho de consideração de Dasdor. Um outro criminoso do círculo. Mais jovem residente de presídio de segurança máxima por tudo que é coisa ruim e formação de quadrilha. Mateus tinha verdadeiro pavor de Padrim: “Ele tem o olho do capeta”, guardava para si. Ainda mais porque Padrim abusou dele, certa vez em que esteve foragido, escondido no barraco. Aquilo deixou o pequeninho tristíssimo. Da tristeza, uma única convicção: “é preciso ser diferente”. Depois que Dasdor foi presa, não demorou para que Mateus abandonasse o barraco e os irmãos. Arranjou trabalho de servente numa obra em bairro de luxo. O chefe da construção gostou da sinceridade do moleque ao pedir oportunidade:
– Pois não, rapaz. Pode dizer.
– Quero a vaga porque na minha casa só tem bandido e eu quero ser diferente.
O bom mestre de obra não só o contratou servente como também deixou que ele morasse por uns tempos na construção e, com isso, ganhasse uns trocados a mais como vigia. Mateus trabalhou e estudou como gente grande. Da obra para o escritório da construtora foi um pulo. Comeu o pão que o diabo amassou para aprender, mas, muito esforçado, antes dos 20 já estava na faculdade de direito. Da mãe e dos irmãos nem saudade ou notícia.
Determinado a ser mais e mais, estudou, estudou e estudou até passar em importante concurso. Nomeado, cheio de orgulho, sem jamais olhar para trás, o Excelentíssimo Juiz Mateus Da Silva e Silva estava pronto para seu primeiro tribunal como magistrado. No banco dos réus, velho conhecido: Padrim, o olho do capeta.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 20/12/10
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