Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Era uma vez...


Thibau tinha o corpo fechado por parente de reza forte. Criado por avó, o garoto cresceu valente, impossível. Quando não dava conta na mão, havia sempre uma pedra ou pedaço de pau para fazer valer superioridade. Não havia quem levasse a melhor em cima do moleque, rei da rua e dos campinhos de futebol da Zona Norte – já na Região Metropolitana de Belo Horizonte. O líder, o cara.

Com Thibau não tinha tempo ruim. Sob chuva ou sol, o moleque, que não queria nada com os estudos, estava sempre pronto para se superar. Com tanta vocação e talento para a rua, não lhe faltavam amizades cheias de má intenção. O difícil ali, em bando, era saber quem era a pior influência – já que, no grupo, não havia um único sujeito de juízo ou razão.

Thibau ainda não tinha 12 anos quando começou a roubar. De início, coisa pouca: galinhas, enlatados e roupas no varal. Para as bicicletas foi um pulo. Antes dos 15 já era puxador de carro profissional. Ganhou o apelido de “Theflash”. Isso porque, no cronômetro, 8 segundos era o tempo máximo que Thibau gastava para abrir qualquer automóvel.

Crescido, o sujeito fazia e acontecia. A polícia e as seguradoras jamais haviam visto a sombra de Thibau. Todos que passaram pelo bando caíram ao menos uma vez. Thibau, aos 19, sete deles no crime, orgulhava-se da condição de “invencível”. Tuim, o amigo mais chegado e braço direito, puxava o coro: “O Theflash é o cara!”.

Mas Theflash conheceu Efigênia, moça boa, evangélica e cheia de encantos. Thibau jamais havia sentido algo parecido por qualquer sujeita de saia. Bem apessoado, teve garotas aos montes. Pintava e bordava com duas, três, quatro ao mesmo tempo. Com Efigênia, o futuro. Estudiosa, trabalhadeira, aos 22 anos, a crente era rara.

O encontro dos dois foi de cinema, debaixo de tempestade. Thibau, ensopado, esperava brecha para atravessar a rua, quando a universitária lhe ofereceu espaço sob a sombrinha florida. “Vai ficar resfriado”, sorriu a bela. Ele não disse palavra. Apenas se aconchegou protegido para cruzar a via. O cheiro bom dos cabelos negros, compridos, e a pintinha perto da boca carnuda marcaram o marginal.

Ela estava a caminho da igreja. Dia de culto. Ele foi junto. “Coincidência. É pra lá que tô indo... marquei com um amigo...”, disse. Mentira. Thibau tinha outra parada com Tuim e outros três comparsas: assalto na Região da Pampulha. No templo evangélico, na companhia de Efigênia, o marginal teve o coração tomado por sentimento bom. Ergueu as mãos e fechou os olhos, fortalecido, como nunca em quase 20 anos.

Thibau deixou de lado o bando e voltou a pedir a bênção à avó. Retomou os estudos, arrumou trabalho e tomou jeito de gente decente. Com Efigênia, foi feliz para sempre.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

Nenhum comentário: