Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Gritos do silêncio


Uma cobertura marginal. Para dar mais emoção à tarefa da reportagem longe do campo ou da TV, cronômetro no celular sem conexão com a internet ou notícias do mundo da bola. Envergonhado pela falta de graça da competição nacional em Minas, neste domingo, o vento não parece soprar camisa celeste ou alvinegra no varal à mostra na área de serviço da Rua Maranhão, no Bairro Funcionários. Em Belo Horizonte, a 10 minutos para o Galo encarar a Raposa na casa do Jacaré, Expedito Cândido, o “Pelé”, atleticano, de 58 anos, não parece querer saber de futebol. “Quando o jogo começar, para não passar raiva, vou colocar um bolero no som: Romance de Cuba, sorri, anunciando cervejinha. Não para o jogo. Para a limpeza de dois carros na fila. O lavador arrisca o placar: “0 x 0”. O céu coberto não sugere espaço para o azul. Buzina tímida de motoca amarela quebra o silêncio da Rua Gonçalves Dias. Meia dúzia de foguetes anunciam o início da partida. 17h05. O tempo rola.

Dentro do carro da reportagem, foi preciso endurecer o apelo ao motorista Júlio César, atleticano doente, de 24, para desligar o rádio. “Pelo amor de Deus. É sério?”. Sim. Vamos acompanhar o clássico pelo movimento da cidade. O vazio da Avenida do Contorno lembra a madrugada. Na Praça Floriano Peixoto, em Santa Efigênia, dois amigos, em panos rivais, levam na esportiva o “jogo da degola”. “Acho que o Cruzeiro cai, infelizmente”, prevê o desempregado Edwagner Soares, de 25. Mal fechou a boca, fogos pululam próximo ao quartel da PM. Ao fundo, parado no ar, um berro: “Zêro!” 17h15. Buzinas cortam a avenida. “1 x 0. Roger!”, anuncia o rapaz de patins. Thiago Augusto, o atleticano, não diz palavra. Prefere fitar os olhos de Maria Francielle, que passeia sob as copas. “Acho que vou ver só o segundo tempo. Não quero sofrer o jogo todo”, diz a moça cruzeirense.

17h20. Alguém venta “Galo” da janela de prédio residencial. O som não reverbera. Nem buzina, nem berro irmão. Nada. No ponto de ônibus, em frente à funerária, Eliane de Souza, de 18, torcedora do Cruzeiro, tem fones nos ouvidos. Escutando o jogo? “Não. James Blanche”. Nada de futebol. A auxiliar de serviços quer é balada romântica para fechar o domingo de trabalho. Chega o busão. Fábio Benigno, de 33, atleticano, abre a porta. Satisfeito? “Como? Meu Atlético está perdendo”, lamenta o motorista da linha azul Taquaril. Pelo alto, longe, o céu acinzentado ameaça abrir brecha azul celeste. 17h35: mais fogos numa rajada. O barulho não espanta a pomba branca, solitária, em pose para fotografia, sobre fio de alta tensão em frente ao restaurante de luxo. Mais fogos e gritos de “Gaaalo!” e “Zêeeero!” num bar de esquina. (?) Não dá para saber o resultado. Os uivos pelo time da Raposa se repetem. 17h40. Em festa, o moço barbado grita de dentro do carro no semáforo: “3 x 0”.

Dentro do circular amarelo, o professor de artes Henrique Albuquerque ruma a rodoviária. Tem a sede nos ouvidos. “Tentei ficar sem ouvir o jogo… não teve jeito. A cidade inteira está em polvorosa”, diz com a orelha em pé na partida, de ponto eletrônico no ouvido. “Acharam um atleticano infiltrado lá no campo”, comenta. Hora de voltar para o carro da reportagem. Júlio César está que não se aguenta. Desliga o rádio. “Nenhum torcedor do Galo merece isso! É muita sacanagem”, sofre. Foguetes voltam a pipocar e sugerem o final do primeiro tempo. Na rodoviária, o movimento é intenso. Pouca gente ligada no confronto dos clubes da cidade. Marília Santana, de 25, estudante de psicologia, chama a atenção. De celular entre os dedos, tem o livro Ciência e comportamento humano, de B. F. Skinner, ao alcance das mãos. Sofrendo? “Sim, mas porque o Vasco está ganhando do meu Flamengo”. Baiana de Mortugaba, candidata a mestrado em Brasília, tem relação muito particular com o esporte.

Perturbação

De volta ao carro do EM, Júlio César comenta que o primo, Marcinho, lá da Arena do Jacaré, já começou a perturbar o sossego dele. “Ligou de lá, acredita?” Na Via Expressa, a mulher do carro ao lado mostra a mão cheia para um motoqueiro. “Não. Isso não. Outro gol do Cruzeiro? Pelo amor de Deus, deixa eu ligar o rádio?” Buzinaço. Outro motorista, no sinal, dá a notícia: “Gol do Galo”. 18h30. No Bairro Coração Eucarístico, amasso na esquina. Casal, entre mesas vazias no bar, namora ao som do DVD de banda pop brasileira. Sem futebol na TV? “Aqui, por segurança, a gente não vê futebol em dias de clássico”, explica o garçom Jucélio Xavier, sorridente, torcedor do baiano Vitória, da Segunda Divisão. Na pracinha, o maior barulho quem faz é o bem-te-vi na frondosa castanheira. O céu já é mais azul naquelas alturas da rua de nome santo. 18h45.

No caminho de volta, nosso motorista é silêncio. Pelos bares de ruas e avenidas da cidade, torcedores atleticanos de braços cruzados. Muitos fogos no Barro Preto, nas proximidades da Praça Raul Soares. 18h55: na Avenida Amazonas, em frente ao Edifício Tupis, farra nas duas pistas. Buzinaço. No terceiro andar do Edifício Assumpção, uma moça de camisa azul grita “Zêeeero!” três vezes da janela, em coro com outros moradores da Região Central. Conta alto e bom tom o placar final: “6 x 1”. Convidada, Roberta Oliveira, de Três Marias, estudante de administração, desce para falar com a reportagem e faz pose, numa só felicidade, tendo como fundo o lendário prédio “Balança Mas Não Cai”.


Na foto de Gladyston Rodrigues, companheiro do Estado de Minas, Roberta extravasa diante do edifício cujo nome simboliza a jornada do Cruzeiro: "Balança Mas Não Cai"


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 5/12/11

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