Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 20 de maio de 2013

"Iolanda, 25, fogosa e sincera"

O velho quer mais. Descobrira um prazer descomunal às segundas-feiras, à noite, na companhia de meninas de aluguel. Por 60 minutos, tomado de felicidade rara, Vicente Bueno Cantareira voltava no tempo e no espaço. Sempre o mesmo ritual: telefone escolhido a dedo em classificado popular, roupa de gala e prato especial. Para aquela noite, massa fina ao molho pesto. Tudo para receber “Iolanda”. “Fogosa e sincera” - dizia o recorte de papel jornal. Às 19h03, o interfone anuncia.

- Iolanda.

Cantareira não titubeou. Destravou a fechadura, conferiu a massa no forno e foi até a porta para receber a encomenda.

- Vicente?
- Sim. Sou eu.

Olhar profundo do velho. Iolanda, observadora que só ela, esquadrinhou cada centímetro do lugar ao ganhar a sala. Falante e risonha, não imaginava-o setentão.

- Sua voz é bonita. Pelo telefone, parecia ter no máximo 40.
- Vou considerar o comentário um elogio... Iolanda... É isso mesmo? Iolanda?
- Sim. Iolanda. Bonito aqui. Você vive sozinho?
- Já há algum tempo. Bebe comigo?
- Adoro vinho. De vez em quando até que bebo uísque, vodka, conhaque... umas bebidas mais fortes... mas eu gosto mesmo é de vinho. Você não tem família?
- Não. Quer dizer... ainda tenho dois irmãos, mas eles moram no interior.

Vicente vai até a cozinha e traz o prato para a mesa.

- Jantarzinho? Que romântico. Foi você quem fez pra mim, foi a sua empregada ou você pediu pelo telefone?
- Gosto de cozinhar. É um prazer que descobri há pouco tempo.

Iolanda come esfomeada.

- Isso aqui tá bom mesmo. Hum... O macarrão que a gente faz lá em casa não fica assim nem a pau. Nenhuma das meninas que mora comigo cozinha desse jeito. Tá ótimo. Você tá de parabéns, “mestre cuca”. Você tem namorada? Tem filhos?

O velho não responde. Sorri, apenas. Os dois comem e bebem. Iolanda não faz mais perguntas. Diverte-se, levemente embriagada pelas três taças seguidas. Pratos vazios, Vicente vai até o aparelho de som e coloca música para encerrar o programa.

- Dança comigo, senhorita?
- Com todo prazer, amor. Adoro dançar, mas não me roda senão eu vou cair, hein!?

Dançam, íntimos, como se não fosse a primeira vez. Iolanda, empolgada, profissional, começa a despir-se. Ele a impede.

- Agora não. Dança comigo. Só dança comigo, é o que peço a você... Iolanda.

Eles dançam. Por dois minutos e meio, sem palavras ou grandes diferenças. Um homem e uma mulher, silenciosos, carentes de sinceridade, somente. Ao fim do bolero. Vicente sorri, saca a carteira e, feliz, paga os R$ 250 combinados. Longa pausa na sala do Cantareira. A moça de aluguel perde a pose e a personagem.

- Meu nome é Maria Helena, Vicente. Não posso deixar de agradecer o jantar.

A mulher ajeita a blusa desabotoada e a saia embolada na cintura. Pega a bolsa sobre o sofá, beija o rosto do velho e vai embora. Segue para dormir em paz com os dois filhos de fraldas e sem pai, em barracão de fundos do Bairro São Gabriel.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho

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