Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 17 de março de 2010

Moisés, o velho Botelho e o Mar Vermelho

O velho Botelho, lá do Espírito Santo, enviou-me carta das mais belas de pai para filho. Impressiona-me cada vez mais a cabeça prateada daquele homem do mar. Aposentado e em muito boa companhia ao lado da gentil Maria Helena, o sujeito, ao que tudo indica, vem fazendo muito bom uso do tempo livre para aproveitar a vida. Disse-me que está escrevendo um livro de memórias. Mas não quer publicá-lo. Quer apenas presentear-me com algumas passagens de seu passado. “É um livro de único exemplar, meu filho. É para você”, escreveu.

Só o velho Botelho. Anda motivado e muito entusiasmado com o novo amor. Letrada e generosa, a parceira vem colocando a maior pilha nas ideias do moço. Estou cada dia mais convencido daquela tal lei da atração. Meu pai sempre disse que só voltaria a viver ao lado de uma mulher se ela fosse capaz de despertar nele o desejo de ser uma pessoa melhor a cada dia. Tanto falou nisso que acabou conseguindo. Demorou, mas conseguiu. Três décadas, mais ou menos. Quando conversávamos sobre o assunto, ele encerrava o papo assim: “Não tenho pressa. Posso esperar”.

Sabe, amigo leitor, enche-me de alegria o pai que tenho. O sujeito também foi boa mãe. Educador à moda antiga: linha-dura quando preciso, mas capaz de entoar canções de ninar. Ensinou-me muitas lições. Com ele aprendi a honrar o fio do bigode. Mostrou-me também, desde cedo, a diferença entre compromisso e comprometimento. “Compromissado qualquer um pode ser. Já comprometido – diz ele – é para poucos”. Exemplar, sempre com motivos de sobra para entregar os pontos, soube fazer dos obstáculos escada para dar a volta por cima. Faz-me pensar – e todos os dias penso nisso – que todos nós, no fundo, no fundo temos a vida que construímos.

Na carta, que tenho nas mãos agora, ele também fala sobre fé. Lembra-me que Moisés liderou seu povo a entrar nas águas com o mar ainda fechado. “Foi a fé, já com as águas no pescoço, que fez com que o oceano se abrisse. Ele não avançou apenas quando tudo parecia seguro. Acreditou. Muitas vezes, por falta de fé, passamos a vida à espera de que o mar se abra. Sigamos em frente, acreditando, pois só assim, um a um, os caminhos vão se abrir, meu filho”, encerrou o bom parágrafo de aconselhamento.

Violeta e eu passamos a tarde de domingo estudando o texto do velho. Havia recado para todos nós nas três folhas (frente e verso) preenchidas à mão. Há tempos não conversamos sobre o futuro e, ainda assim, ele parece saber bem de tudo o que há em meu coração. A sensação que tenho é de que, quase sempre, ele é capaz de sentir o que sinto. Por diversas vezes – outro dia mesmo isso ocorreu –, tenho que tomar uma decisão difícil sobre algo sério ou importante, o celular toca e ouço a voz rouca do velho: “Liguei só para saber se você está precisando de alguma coisa, meu filho”.

Falam muito sobre as mães. Hoje, queria apenas falar sobre um bom pai.

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 17/3/10

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