Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 27 de março de 2010

O cinquentão ordinário

Não havia rabo de saia que não acendesse as chamas do Mário Miguel, gerente de negócios de famoso banco privado. O galã da cabeça prateada atirava para tudo quanto que é cor, tipo de cabelo e tamanho de cintura. Pai de três filhos, criados pelas mães, já havia sido casado cinco vezes e, agora, depois que a namorada o flagrou na cama com outra, gozava de feliz solteirice. Computava 11 casos de nome e telefone. Orgulhava-se ao abrir a conta absurda para os mais chegados: “Só na agência tenho quatro, porque não sou de ferro. Ficam na cola, aí fazer o quê?! Duas vizinhas no meu prédio. A empregada da minha mãe e a enfermeira do meu avô. Essa, uma loucura de 28 ou 29 aninhos, sei lá, que faz uma massagem... Lucilene o nome dela. Um pitel. Safada até, a boazuda. O vovô é que passa bem. E tem duas figuras lá na academia, indecentes, saradonas, que me dão o maior trabalho. E, por último, uma vendedora de um shopping aí. Fui comprar umas cuecas, ela deu mole, caí matando.”

Não era exagero. Quem conhecia bem o Mário Miguel sabia que o sujeito marcava sob pressão. Tanto é que ninguém em sã consciência apresentava a mulher ao pegador. O cinquentão ordinário era chegado nas donas casadas. “São as mais interessantes. Não ficam que nem chicletes. Não aguento mulher grudenta. A lógica é bem simples: o marido tem outras por fora, sempre tem, não procura a patroa em casa, aí eu compareço e fica bom pra todo mundo. Inclusive, tenho certeza, tem marido aos montes por aí que sabe que a dona onça tem outro e acha é bom”, disse certa vez, centro das atenções, em choperia chique da Rua Grão Mogol. Na mesa, nem o mais pilantra dos companheiros de golo concordava com as falas do executivo. Sabia que, além de mulherengo, o Mário Miguel dominava a arte de falar pelos cotovelos.

Subordinada, a turma até gostava de ouvir as aventuras do garanhão. Só o Valdemar, mais velho de banco, não se segurava e, vez por outra, sentava no colo o falastrão: “Sei não, Mário Miguel... Esse negócio de mexer com mulher casada é brincar com fogo. Fique coelho, meu velho. Fique coelho.” Os dois eram velhos conhecidos, dos tempos da Escola de Economia. Valdemar era homem de bem, correto, apaixonado pela mulher e pelos filhos. Casado há 22 anos, jurava jamais ter pulado a cerca. Para o Mário Miguel, motivo de riso, chacota: “O Valdemar é frouxo. Isso sim. Não conhece o bom de ser macho. Vê lá quem dá conta de comer um só prato por toda a vida”, dizia pelas costas do amigo. Mas o Mário Miguel nem dava ouvidos a conselhos como os do Valdemar. Queria era se arranjar. De preferência, com uma novidade por semana.

A estratégia era sempre a mesma: distribuindo cartão com telefone e simpatia. Mário Miguel levava muitos foras, mas, às vezes, se dava bem e, assim, seguia somando sua dezena de casos. Até que, na semana passada, foi morto no portão de entrada da casa do avô entrevado. Assassinado a tiros pelo marido da enfermeira Lucilene. O eletricista, de 38 anos, perdeu o juízo ao descobrir a traição da companheira. No velório, foram muitas as viúvas do cinquentão ordinário. O Valdemar estava lá, para ajudar com o caixão.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 27/3/10

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