Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 30 de janeiro de 2010

O homem e o tempo

Não faz mal não saber exatamente o que você quer. Basta existir. Ainda que viver não pareça ter sido um grande evento até aqui. Pessoas vêm, pessoas vão, e você continua ali, com essa incrível vocação para cometer erros. Contudo, gosta bem de desafiar o que outros chamam improvável e, antenado, tem grande atração pelas roubadas. Parabéns! Como náufrago em terra firme, vive de recolher restos para construir sua jangada, atravessar o oceano e não morrer na praia. No entanto, bem ou mal, sabe bem que para sobreviver basta existir.

Não importa o que algumas pessoas pensam a seu respeito, já que nem você sabe exatamente o que pensar sobre isso. Além do que, pensar já não é o forte há algum tempo. Você pode ter crescido na pobreza, entre crianças que passavam fome e frio. Pode ter sido abandonado pela mãe, pelo pai ou, quem sabe, ter testemunhado os dois saírem no tapa. Enterrou irmãos e chorou a morte de amigos. Viu seu vizinho se tornar criminoso e morrer durante troca de tiros com a polícia. Pode ter tido parente próximo, dentro da sua casa, preso como traficante. Talvez até tenha ficado em cana por algum tempo. Ainda assim, sobrevivente, sabe que para ler o que está lendo basta existir.

Não pode ser puramente besta a loucura. Qual é a razão exemplo absoluto de lucidez? Acreditar em tudo e em todos pode não ser de todo mal, levando em conta que bem pior seria negar a verdade a quem merece confiança. Portanto, não esqueça o tempo, senhor de todas as ações, que, mais cedo ou mais tarde, faz valer cruel o peso das evidências. Amou demais quem não prestava? Responda antes: quem sabe se presta? Dizer o que se sente não é o mesmo que sentir o que se diz. No chão, tendemos a acreditar na covardia do outro, sem considerar que este outro pode estar dentro de nós mesmos. E qualquer eu, sujeito, tão imperfeito, se ergue porque para seguir basta existir.

Não vale choramingar má sorte já que o passado não é via de dois rumos. Melhor olhar para frente. Covardia maior não há do que fazer-se fraco e dar as costas a tudo de útil que ainda se tem por fazer. Melhor morrer em campo, lutando, do que em sono profundo. Enxergue seu quintal antes de querer avistar o mundo. É o que dizem. Pode haver de tudo a um palmo do seu nariz. Como lamentar a miséria do outro se falta dignidade para manter as suas próprias ideias? Não. Não vale se alimentar de chorumelas. Afinal, não pode haver mal sobreviver, já que existir basta.

Não mude de assunto por não saber o que dizer. Bobagem. Tanta gente não sabe e vive a arrebatar multidões. Você pode até não ser doutor nisso ou naquilo, mas entende bem a diferença entre o discernimento e a ignorância. O jeito é tomar tenência, amigo. Aquela história de diversão com os sentimentos dos outros é burrice. Deixemos também de lado essa vaidade besta que superestima as estaturas. Ninguém é tão pequeno que não possa atingir o céu, nem grande o suficiente para se livrar do inferno. Não ser é uma questão de tempo. Para todo o resto basta existir.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 30/1/10

Nenhum comentário: