Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 23 de janeiro de 2010

Filme triste

Miranda não imaginou produzir vídeo tão triste exibido para milhões de pessoas pela internet. Queria proteger-se de companheiro insano, simplesmente. Nestor não suportou o basta da bela mulher maquiladora. “Chega. Não dá mais. Acabou”. Foi assim, numa sentença curta, que Miranda tentou colocar fim aos cinco anos de aperto ao lado do desequilibrado mecânico. Jovem e bela, a destemida garota do Vale do Jequitinhonha só queria reconstruir a vida com o suor do próprio trabalho. Talentosíssima com lápis, esponjas e pincéis, montou salão em bairro da periferia e alugou casinha modesta até que as coisas se ajeitassem. Novo amor não tinha, já que estava cansada de lidar com a solidão a dois. Embrenhou-se, apenas, no salão para esquecer o aperto vivido ao lado do ex-marido. “Terapia de pobre é trabalho”, pensou numa madrugada de angústia.

Do outro lado da cidade, o Nestor, entre uma puta e uma dose de álcool, dizia entre os dentes: “Mato a desgraçada!”. Chegou a deslocar o maxilar de moça de aluguel durante sexo violento em motel barato. A oficina ele deixou nas mãos do sócio Ariosvaldo, evangélico do bem e bom conselheiro: “Sai dessa, Nestor. Você vai destruir a sua vida, meu irmão. Vamo comigo pra igreja”. Não adiantava. Longe de Deus, Nestor vivia de fazer ameaças à ex-mulher trabalhadora. “Eu sei! Você tem outro, vagabunda! Mato os dois, entendeu? Os dois!”, berrou ao telefone em mais uma madrugada de destempero. Miranda trocou telefone e endereço meia dúzia de vezes em menos de um ano. Só o salão, pelo pão de cada dia, era obrigada a manter no mesmo lugar. No interior, a família não entendia porque ela não deixava Belo Horizonte.

O pai, homem de bem, chegou a passar final de semana na casa de Miranda para tentar levá-la de volta: “Você não precisa disso, minha filha. A minha casa é a sua casa. Sua mãe está lá, esperando por você”, disse com o olho em águas na rodoviária, antes de partir. Miranda queria vencer na capital, com o suor de seu trabalho. “Sou forte, pai. Confie em mim”, respondeu-lhe depois de beijá-lo na testa. Naquela noite de domingo, voltou para casa e contou o dinheiro guardado sob o colchão. Soma suficiente para as câmeras de segurança que ela planejou para ter paz ao menos durante o trabalho, já que o Nestor, vez por outra também aparecia por lá para ameaçá-la.

Circuito interno de tevê instalado, mais ou menos feliz com o dia de agenda lotada, Miranda começou a trabalhar cedo na quarta-feira. Maquilava com o capricho de costume o rosto da cliente amiga, quando o Nestor invadiu a loja já com o revólver e o diabo no corpo. Miranda ainda tentou tranquilizar a freguesa e conversar com o Nestor. Ele, covarde como o pior dos assassinos, descarregou o tambor no peito da ex-mulher. Por três ângulos, as câmeras registraram tudo. Na mesma noite, o mundo inteiro pode ver a cena de horror e tristeza no salão de beleza.

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 23/1/10

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