Seu
Paulinho não tinha religião. Até tentou. Passou por várias reuniões e
agrupamentos de crentes em tudo o que não se pode afirmar com certeza. No
entanto, não deu conta de conviver com as leis e verdades do homem, sempre
disposto e perspicaz na construção das vantagens em nome de Deus. Na
Igreja católica conheceu o pecado e a culpa. Já entre os evangélicos descobriu
que o dinheiro é o poder do sangue de Jesus. Nos terreiros, soube da força do
mal que sucumbe a sombra. Por fim, depois de ouvir tanta gente confusa e
doente, decidiu ser fiel apenas ao silêncio dos animais.
Dos gatos, particularmente. O velho era capaz de passar
horas com o ouvido nos olhos dos bichos. “Eita luz que diz tudo!”, ouvia em
sopro. Depois da aposentadoria, cada vez mais distante da gente ruim, passou a
se dedicar ainda mais aos gatos de Belo Horizonte. Onde houvesse um bichano precisando
de ajuda, lá estava o seu Paulinho disposto a fazer algo de útil pelos que nada
fazem de mal. Decepcionado com o mundo dos humanos – de cegueira, miséria,
individualismo e corrupção –, o velho desejou ser bichano, livre, alheio a tudo
o que não acrescenta.
Dinheiro – já que não se pode viver sem moeda no mundo dos
humanos – ele queria apenas para o necessário. Do pouco que tinha decidiu
dividir com os irmãos gatos. Comprava alimento para não deixar morrer de fome
os mocinhos de quatro patas. Como o recurso e o tempo eram curtos para tamanha boa
vontade, optou por abraçar o parque municipal, reduto de abandono e
irresponsabilidade. Soube que lá, na calada, bípedes sem juízo e coração,
largavam sacoladas de filhotes – pretos, em maioria. Seu Paulinho,
então, fez também sua a saúde dos excluídos.
Ainda que o físico gasto não tinha a mesma força do coração
puro, seu Paulinho reunia fôlego para vencer as cercas de ferro, de quilômetros,
do quarteirão da Região Central. Isso, para não deixar canto sem comida para
seus afilhados livres. Sabia um por um pelos olhos: os velhos, os mais jovens e
os recém-chegados. Por horas, conversavam em silêncio. Juntos, enxergavam de
fora para dentro – o que comumente não se vê. Nada de culpa, regra, medo ou
promessa: respeito. No trato dos bichanos, findado o tempo no plano: o velho
pôs-se a descansar. Fechou os olhos para entrar no reino dos céus. Lá – o
silêncio soprou –, foi recebido por Deus, Senhor da gataria.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 23/7/12
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 23/7/12
4 comentários:
Muito lindo Jefferson. Obrigado!!!
Lindo texto Jefferson! Muito obrigado!!!
Nobre é a causa, Franklin! Estamos juntos! Meu abraço!
Com Certeza sera acolhido em festa no reino dos gatos !
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