Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara
segunda-feira, 16 de julho de 2012
Mata! Mata! Acaba!
Jonilson não conseguia pregar o olho. Não tirava da cabeça a imagem do filho, Luca, de 5 anos, pulando no sofá, de punhos fechados, em frente à TV, há duas horas. O pirralho torcia ensandecido por brasileiro, lutador de MMA. “Mata! Mata! Acaba!”, naquele timbre criança, vindo da goela miúda, foi um choque e tanto para o pai de fim de semana, descasado há dois meses. “Meu Deus!”, dizia baixinho para si mesmo, sentado ao lado da cama do filhote, em sono profundo, coberto por pano de estrelas.
Não conseguia entender como aquele mocinho, com cara de anjo, podia estar contaminado por tamanha falta de noção. Conferiu o relógio e não se intimidou com as horas – 4h12 no marcador digital. Catou o celular, deixou o quarto azul, decorado com bichinhos, e ligou para a ex-mulher, vizinha de bairro: “Gina… Não… não aconteceu nada… não se preocupe… é comigo…” A agente funerária, que já estava de pé – para o plantão das 7h na Região Hospitalar –, ofereceu ajuda.
Dez minutos depois, Gina toca o interfone: “Sobe”, disse o vendedor ambulante, com a voz trêmula e pernas bambas. Jonilson sentia falta da mulher. Ela, tristíssima, dispensou-o logo que descobriu traição com empresária de Juiz de Fora. Não deu conta de perdoar o deslize do sujeito. Frente a frente, os dois, pai e mãe, para tratar do pequeno Luca. Jonilson entrou de cara no assunto:
– Desde quando o Luca gosta de MMA?
– eme eme o que?
– Luta, pancadaria, essa violência que agora tá na moda…
– Meu filho não gosta disso. Por que?
– Porque hoje ele disse que tava sem sono e pediu pra ver TV…
– E você deixou?
– Eu tava trabalhando… um relatório que precisava mandar por e-mail…
– Trabalho ou pouca vergonha com as vagabundas que você conhece?
– Sem grosseria! Hoje, não!
– Fala baixo!
– A casa é minha!
– Desgraçado!
– Te parto a cara!
– Vem!
Nisso, diante dos pais gladiadores, prestes ao combate voraz, Luca, surge no corredor. Emudecido, tem numa das mãos a coberta de estrelinhas. Retira o polegar da boca e chora de soluçar, como o mais solitário dos pequenos mortais.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 16/7/12
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