Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Por e-mail

Chegou por e-mail e vale publicação.



olás.
não sei se todos puderam ler a entrevista concedida por pedro paulo cava e jota dangelo ao estado de minas de domingo.
mando um texto que escrevi em resposta ao que disseram.
ao final, mando também a entrevista na íntegra.
quem quiser, pode repassar.
obrigado,
Gustavo Bones


RESPOSTA AOS MESTRES

Li, domingo último, uma entrevista concedida por dois ícones do teatro belorizontino ao jornalista Ailton Magioli, do jornal Estado de Minas. Pedro Paulo Cava e Jota Dangelo estão lançando livros sobre a história do teatro na cidade e isso muito me alegra. Nessa entrevista, os mestres falaram sobre a produção teatral de BH, sobre a Campanha de Popularização, o papel da crítica, as leis de incentivo e o teatro de grupo. Ao terminar de ler esta entrevista - com perguntas muito pertinentes, por sinal - tive certeza de que os leitores do jornal precisavam de outra visão sobre o panorama teatral da cidade. Espero, com esta "resposta", contribuir com a divulgação de uma idéia de cultura e principalmente, de sociedade, que o teatro de grupo (chamado por eles de “teatro charada”) pretende difundir. Para isso, após breve introdução, respondo às mesmas perguntas respondidas por Cava e Dangelo. Espero falar em nome de meu grupo, o espanca!, de grupos amigos e de artistas independentes que, como nós, lutam por políticas públicas de fomento à produção e investigação artísticas e pela garantia do direito constitucional de acesso à cultura.

Muito prazer, meu nome é Gustavo Bones, sou ator de teatro. Há quase 6 anos, fundei junto a artistas que admiro muito, o grupo espanca!. Eu, Grace Passô, Marcelo Castro e vários parceiros de diversas áreas das artes de Minas e do Brasil, criamos três espetáculos que, além de vencerem os principais prêmios de Belo Horizonte e do Brasil, participaram dos mais importantes festivais de teatro do país e foram vistos por mais de 55.000 pessoas, em aproximadamente 50 cidades de 12 estados brasileiros e em Berlim, na Alemanha. Mas estes números não são o mais importante para nós. O mais importante é que estes espetáculos são fruto de uma intensa reflexão coletiva sobre nossa condição de estar no mundo e sobre a arte teatral. Esperamos com eles suscitar nossos espectadores a também refletirem sobre si e sobre nossa vida em sociedade. E através deles, nos posicionamos ética e esteticamente num país em que, julgamos, constrói lentamente uma idéia de cidadania. E queremos contribuir com essa caminhada. Uma caminhada que devemos, todos os brasileiros, fazer em grupo.

Foi ainda adolescente, ao assistir trabalhos como "Romeu e Julieta", do Grupo Galpão, "O Homem da Cabeça de Papelão", do Grupo Trama, "A Hora da Estrela", da Cia. Acaso e “Lusco Fusco” da Cia. Acômica, que vi que o teatro pode ser uma obra de arte feita em conjunto, reflexo de ansiedades artísticas de atores, diretores e demais criadores e que assim, comunique um posicionamento crítico diante do mundo. Foi com Chico Pelúcio, do Grupo Galpão e Cida Falabella, da ZAP 18, que aprendi a me posicionar como artista, a dialogar para construir e que é preciso ter um compromisso com o que se diz no palco. Foram nos grupos de teatro de Belo Horizonte que eu e meus companheiros do espanca! nos formamos. E foi em nosso grupo de teatro que descobrimos, juntos, maneiras de criar espetáculos que vão além do simples divertimento.

O que melhorou e o que piorou no teatro feito em Minas Gerais?

Tivemos, ultimamente, pequenos, porém importantes avanços no teatro belorizontino. A consolidação de espaços de criação, formação de atores e cidadãos e divulgação do teatro (como a ZAP18 e o Galpão Cine Horto), e das sedes de grupos utilizados como espaços de apresentação e troca com a comunidade; a criação do edital “Cena Minas”, que visa a formação de público, a manutenção de companhias teatrais e a aquisição de equipamentos para circos do estado; a edificação do Verão Arte Contemporânea como evento coordenado por artistas, abrindo espaços para a divulgação de novos trabalhos, companhias e pensamentos; e a criação dos fundos estadual e municipal de cultura, que garantem verba para o fomento à arte no estado, independente das leis do mercado. Sabemos que estes fatos e programas ainda são pouco diante da realidade teatral da cidade e do estado (e em alguns casos, mal regulamentados) e que ainda temos uma grande luta pela garantia destes programas como políticas públicas que assegurem a todos os cidadãos o direito constitucional ao acesso à cultura. Bom exemplo disso foi a recente transformação do FIT (Festival Internacional de Teatro) em Lei do Município de Belo Horizonte, garantindo sua realização independentemente dos programas de governos que virão.

Fenômeno de público, a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança é alvo de crí­ticas, principalmente por causa do grande número de comédias na programação. O que vocês têm a dizer sobre isso?

Diante da Campanha de Popularização, duas formas de encarar a função social do teatro podem ser destacadas. Uma primeira que responde mais prontamente à demanda de parte expressiva da população, que procura o teatro como fonte exclusiva de diversão, de entretenimento. Em geral, ao responder tão prontamente a essa demanda, esse tipo de teatro acaba por reforçar uma visão mercadológica e a contribuir com a fornação de um público aliendado, acomodado. Uma outra forma de conceber a função do teatro pode ser considerada como sendo mais investigativa, mais comprometida com uma reflexão crítica sobre a realidade. Em geral, o teatro nesta perspectiva propõe uma forma sensível de encarar o mundo.

Este evento é realmente um sucesso de mercado. Vende, dá lucro, demanda um trabalho burocrático (não criativo) de seus organizadores e conta ainda com patrocinadores de peso, através das leis de incentivo. Queremos que as pessoas freqüentem o teatro. O fato de a população de BH ir ao teatro durante a Campanha é uma vitória dos produtores e da cidade. Mas, cabe aos artistas refletirem sobre o que apresentam a esses espectadores, enquanto visão de mundo. E lutar contra a imbecilização de nossa sociedade, fugindo dos padrões alienantes da TV, do formato sitcom, da perpetuação de preconceitos.

Além disso, cria-se um nó: a organização exige que as produções cobrem mais caro durante o ano para garantir a participação na Campanha, única época do ano em que estamos isentos de cobrar a meia entrada.

Sempre é possível encontrar espetáculos de qualidade na programação. Mas o que temos que entender é que a Campanha de Popularização é um evento organizado por produtores que encaram seus espetáculos como produtos a serem vendidos, visando exclusivamente o lucro. Mas existe um teatro que não cabe nesse formato. Um teatro feito por artistas, que querem formar um público consciente, inquieto, que não se interessa exclusivamente pelo divertimento. Este teatro, por não seguir as regras do mercado e por ser essencial na formação da identidade dos membros de uma sociedade, precisa do apoio das instituições públicas para existir. E deve contar com políticas púbicas, transparentes, garantidas por lei, que o viabilize.

Qual é o papel da crítica no fomento da cena teatral?

Cabe à crítica conhecer a realidade teatral brasileira, mineira e belorizontina e saber reconhecer a importância de uma obra teatral neste contexto. Vislumbramos a crítica como uma forma de abrir espaços para a discussão e a reflexão sobre o teatro e sua força no mundo. Claro que um crítico teatral deve conhecer os fundamentos da cena. Mas sentimos falta de uma crítica que saia da lógica competitiva do mercado, contestando os mecanismos de opressão e valorizando o pensamento crítico diante da realidade. Faz muita falta em Belo Horizonte uma crítica preocupada com os impactos sociais, estéticos e políticos de uma obra, menos envolvida com rankings e listas de mérito.

As leis de incentivo realmente estimulam a produção?

A produção mercadológica, talvez. As leis de incentivo estimulam a lei do mercado, que, em geral, não coincide com as “leis da arte”. Elas funcionam assim: um proponente apresenta uma proposta, solicitando uma verba para a realização de um projeto cultural. O poder público garante, para alguns, o direito de solicitar essa verba junto à iniciativa privada que tem como estímulo a dedução de impostos devidos ao governo. Diante dessa aprovação, os proponentes devem buscar, junto às empresas, verba para a realização do seu projeto. Para chegar até uma empresa, contratam captadores, que levam propostas culturais até os responsáveis dentro das empresas, apenas fechando negócios, embolsando dinheiro sem realizar nenhuma etapa do projeto. E, quando conseguem sensibilizar uma empresa, os projetos fazem propaganda institucional para essa patrocinadora. Portanto, uma idéia contemplada com uma lei de incentivo, deve atender de alguma maneira aos interesses lucrativos da iniciativa privada. As leis de incentivo utilizam recursos públicos para satisfazer os desejos dos departamentos de marketing das empresas. E para atender a um teatro que não responde à lógica mercantil, temos que repensar essa forma de viabilização. A classe teatral brasileira, quando se uniu e conseguiu dialogar com governantes dispostos a pensar a cultura como política de Estado criou alternativas importantes como as Leis de Fomento ao Teatro das cidades de São Paulo (referência nacional) e Porto Alegre e a proposta original do Prêmio Teatro Brasileiro (recentemente enviado ao Congresso pelo Presidente Lula, ainda sem lei regulamentar, através do chamado Programa Procultura).

De que o teatro precisa neste momento?

O teatro no Brasil ainda precisa ser reconhecido como bem simbólico, essencial para a vida em sociedade. O desejo de transformar experiências em símbolos é essencial à vida humana e sem ele, nos tornaremos egoístas e duros. E a cultura, como todo direito previsto na Constituição de nosso país, deve ser assegurada a todos pelo Estado brasileiro. Para isso, precisamos de políticas públicas, previstas em lei, que garantam a todos o direito de produzir e ter acesso aos bens simbólicos da sociedade. Precisamos urgentemente pensar em alternativas que garantam a realização de trabalhos que apostem na pesquisa de linguagem continuada e em relações estreitas com a comunidade.

O teatro de grupo continua sendo uma alternativa?

O teatro de grupo é, sem dúvida, uma alternativa para artistas que buscam desenvolver um trabalho continuado, de estreito diálogo com outros artistas e com a comunidade. É claro que ele não é a única alternativa para isso. Nem deve ser. Mas, como vem se destacando como uma atividade que questiona a lógica do mercado, deve contar com o apoio do poder público e da sociedade civil. O teatro de grupo é tido como uma característica do Estado de Minas Gerais, símbolo de reconhecimento e prestígio na cena nacional. É inegável que grupos como o Galpão, ZAP18, Trama, Giramundo, Acômica, Oficcina Mutimedia, Armatrux (apenas alguns exemplos) já produziram um bem imensurável para a sociedade e compõem um patrimônio de Minas e do Brasil. E, portanto, devem ser estimulados e protegidos como tal. Fomentar o surgimento de novos grupos e oferecer condições para seu pleno funcionamento é obrigação de um país que queira se desenvolver.

Gustavo Bones

(A entrevista com Jota Dangelo e Pedro Paulo Cava está no link abaixo:)
http://jeffersondafonseca.blogspot.com/2010/01/deu-no-estado-de-minas.html

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