Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Lourenço, o "office-velho"

Vamos chamá-lo aqui de Lourenço (já que pediu para não ser identificado). A gente se conheceu na segunda-feira, em fila absurda num desses trilhardários bancos privados. Lá, passei 1 hora e 17 minutos - isso mesmo, uma hora e dezessete minutos, tempo calculado a partir do horário registrado na minha senha. Ele, Lourenço, tomou chá de cadeira de pouco menos de meia hora porque tem atendimento prioritário. Chegamos praticamente juntos e nos sentamos lado a lado. Muito simpático e conversado, foi ele quem puxou assunto. Ao observar o envelope pardo, cheio, na minha mão brincou: "Aposto que é tudo conta pra pagar", sorriu. Disse que ele tinha razão, mas que não eram minhas. "Prestação de serviço para um velho amigo, adoentado", expliquei.

O Lourenço quis saber do meu trabalho. Contei que vez por outra fazia alguns serviços de banco para passageiros das antigas, dos meus tempos de rapaz, quando entrei para a praça. Sentiu espaço para amizade e me falou da sua nova vida de aposentado: "Agora sou office-velho. É. Faço serviços de banco". Deu-me cartão feito por ele mesmo e impresso em jato de tinta, com os seguintes dizeres. "Seus problemas com filas acabaram. Lourenço, office-velho profissional", logo abaixo um número de celular. Contou-me que, no ócio e cheio de saúde, batalhou por nova ocupação por mais de ano e não obteve oportunidade. Com isso, resolveu fazer serviços de banco. Disse-me também que não foi pioneiro e que no Brasil são muitos os casos como o dele.

A senha dele, especial, apareceu primeiro no painel eletrônico. Ainda havia mais de 30 números na minha frente. Ali, com o banco lotado, resolvi descer a caneta no bloco de anotações. O Lourenço, com a pasta carregada de boletos e carnês, ficou por um bom tempo no caixa, atendido por bela morena de sorriso iluminado. Ao sair, ainda me disse: "Hoje o sistema tá lento demais. Um abraço, meu chapa". Alegre, bateu-me com a mão no ombro. Vi muita gente amarrar a cara para o Lourenço. Uma mulher, na cadeira de trás da minha, reclamou: "Sujeitinho mais folgado e sem-vergonha". Não entrei na questão e continuei escrevendo sobre os bancos.

"Vergonha é outra coisa", pensei comigo. Um absurdo um banco daqueles com dois caixas para atender uma centena de pessoas. Cadê a lei dos vinte minutos? Os banqueiros cada vez mais ricos e a gente simples sujeita a esses abusos e desrespeito. Não fiquei nem um pouco aborrecido com o Lourenço, como os dois ou três que reclamaram. Deixa o sujeito. Que mal pode haver em batalhar para ser útil e buscar o que fazer? Ele está no seu direito. Fico aborrecido é com os bancos, que só querem lucrar nas costas do povo. Onde houver um necessitado, lá vai estar um banco para deixá-lo ainda mais necessitado. Já disse isso. Não gosto de bancos. Se pudesse, sinceramente, manteria o pouco que tenho num colchão.

Amigo Lourenço, conforme o combinado, aqui vai a coluna. Seu cartão - fique sossegado - guardo a sete chaves. Seja feliz, meu velho!

Bandeira Dois - Josiel Botelho - 10/2/10

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