Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

E a polêmica continua

Por e-mail, Paulo César Bicalho escreveu:


Em entrevista concedida por Pedro Paulo Cava e Jota Dangelo ao Jornal Estado de Minas no último dia 31, eles afirmaram o seguinte:

"JORNAL ESTADO DE MINAS: O teatro de grupo continua sendo uma alternativa?

Pedro Paulo Cava – O chamado teatro de grupo, hoje, vem para desunir a categoria. Ele foi um braço armado de determinados políticos, que chegaram ao poder com o objetivo de dividir a categoria, achando isso exatamente na chamada estética. Esses grupos de teatro de vanguarda, chamados de ‘teatro cabeça’, têm um tipo de patrocínio direto do Estado que mantém até o salário dos atores. Ao contrário dos produtores, obrigados a fazer o salário na bilheteria. Esses jovens grupos se tornaram massa de manobra de uma pseudopolítica cultural que se instalou em alguns estados. Em Belo Horizonte, isso foi de uma clareza absoluta. Manipulam-se os recursos para esse tipo de gente, porque o resto que está aí não presta. E é a coisa da falta de memória, também. Chega-se ao poder e apaga-se o que está para trás. É o mesmo que fazer a revolução de Mao Tsé-tung em um país capitalista.

Jota Dangelo – É preciso ter cuidado. Em alguns espetáculos que tenho visto, noto que o pessoal está mais preocupado em fazer charada que teatro. Você não sabe exatamente o que eles querem com o espetáculo.

Pedro Paulo Cava – O jovem artista de hoje quer falar mais do próprio umbigo que do coletivo. Eu e o Dangelo, que foi pai de todos nós, somos da geração do coletivo. Claro que, em determinado momento, fizemos espetáculo sobre a angústia do homem, a questão existencial. Mas teatro não pode ser só isso. E também não pode ser uma forma hermética, charada para determinado tipo de público. Algo que não precisa e, aliás, nem quer mais de 20 espectadores. Isso só reduz informação. Não é prestação de serviço, é para um grupo de iniciados.

Jota Dangelo – Tenho acompanhado a coisa no eixo Rio-São Paulo, está ocorrendo a mesma coisa lá. Dificilmente, os produtores cariocas e paulistas – com raras exceções – conseguem fazer temporada de três meses. É, no máximo, um mês, um mês e meio. O que acontece? O sujeito está pegando patrocínio, aquilo pagou a produção, ele não está mais interessado em bilheteria não. Aquilo acabou e ele já quer fazer outro espetáculo. O mais prejudicado é o ator, que perde o público."



Essas afirmações são absurdas. Tanto Pedro Paulo quanto Dângelo SEMPRE tiveram subsídios para seus empreendimentos. Não fossem os subsídios do governo à sua casa particular de teatro, Pedro teria falido como qualquer comerciante de um regime capitalista.

Mas, o que acho mais grave em se tratando de pessoas que possuem tantos anos de atividade teatral, essas afirmações revelam ignorância absurda a respeito da história recente do teatro. Stanislavski, o maior mestre de todos os tempos, responsável pelas pesquisas mais importantes que foram feitas a propósito do ator, reconhecido e adotado em todas as escolas de teatro de todos os países do mundo, afirmou que não conseguiria desenvolver seu Método de trabalho sem o grupo estável de teatro. O teatro comercial consegue produzir espetáculos importantes, mas pouco fez e fará pelo aprofundamento da linguagem e dos processos de trabalho dos artistas envolvidos, dizia ele. Grotowski, outro artista que revolucionou a linguagem teatral permitindo que ela expressasse de forma mais poderosa aquilo que ocorre no inconsciente coletivo e individual do ator, aproximando-se de Van Gogh, Picasso, dos surrealistas, sempre trabalhou em grupo estável de teatro. Seus espetáculos eram destinados a 30, 40 pessoas. Definia seu espectador ideal como aquele que se encontra inquieto e busca respostas em contraposição ao espectador burguês acomodado, comum no seu tempo. Seus espetáculos causavam tanto estupor que o espectador não conseguia aplaudir. Segundo Serge Ouaknine, que acompanhou seu processo, os insights eram a posteriori. A importância de Grotowski é respeitada por qualquer estudioso ou artista bem informado de teatro. Por isso não consigo entender a opinião dos dois. Se eles fossem artistas plásticos certamente condenariam Picasso, "você não sabe exatamente o que ele quer dizer com suas pinturas" diriam. Se fossem dramaturgos, condenariam Samuel Beckett e Kafka, "você não sabe exatamente o que eles querem dizer com suas obras". Eles propõem um retrocesso ao teatro que se fazia no século XIX. Desconsiderando "Ubu Rei" que é uma peça desse século "que você não sabe exatamente o que ela quer dizer".

Tanto Stanislavski quanto Grotowski são artistas de vanguarda e não teriam sobrevivido sem subsídios, mesmo quando Stanislavski vivia sob a égide do czarismo.

Todos os artistas de teatro do século XX que trouxeram uma contribuição significativa para a linguagem ou para os processos de construção do espetáculo criaram suas obras no interior do grupo estável. Além dos acima citados, Brecht, Tadeusz Kantor, José Celso, Gerald Thomas, Antônio Araújo (Teatro da Vertigem), Antunes Filho, Peter Brook, Julian Beck (Living Theatre), Joseph Chaikin, Eugenio Barba, etc. etc. São considerados artistas de vanguarda. E receberam subsídios. Não teriam sobrevivido sem eles, conforme depoimento de vários desses artistas.

Penso que pessoas da idade dos dois entrevistados, já tendo dirigido escolas de teatro, peças, organismos culturais, não podem desinformar a população com afirmações que somente um ignorante ousaria lançar nos veículos de comunicação de massa.

Paulo César Bicalho

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