Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

O côncavo e o convexo

Don Juan no espelho é melhor texto que teatro. Se por um lado Márcio Miranda, autor, consegue amarrar argumento e poesia, por outro, Márcio Miranda, ator, compõe tipo pouco convincente. Seu Don Juan, posado e armado, tem postura demais e verdade de menos. Sua composição corporal carregada acaba por refletir falas cantadas, quase declamadas, sem o timing da interiorização que seduz. Caminho equivocado do intérprete, que, aplicado, parece ter se esquecido dos ensinamentos de Grotowski sobre o que difere gesto e ação física. Contudo, tamanha força de outros valores propostos por ele mesmo – dramaturgo – a montagem consegue sobreviver a isso. Por conjunto e amarração, em Don Juan no espelho fala-se com inteligência sobre o homem e suas fugas; de equilíbrio, inquietação e insensatez.

A produção é outro fator positivo. Requintada, reúne equipe técnica de suporte. O cenário de Ed Andrade, eficiente, além de dar bom desenho e agilidade à trama, tem função auxiliar indispensável ao amparo de quadro a quadro, com forma e distribuição diferenciadas. Nele projetadas as criações do escritor Victor, interpretado por Leri Faria, ganham vida e substância. A iluminação de Felipe Cosse dialoga com o todo. Paolo Mandatti, quem assina o figurino, dá caimento que acrescenta ao perfil das personagens – especialmente às mulheres. A seleção musical, de bom gosto, além de arrebatadores acordes flamencos, inclui Mozart, com fragmentos de Don Giovanni. Também o que é latino é bastante adequado ao proposto.

Alexandre Toledo e Luiz Otávio Carvalho, em fases distintas, comandaram Don Juan no espelho. Apesar da falha na condução do protagonista-autor, a direção conseguiu evitar que a peça descambasse. Há bom trabalho de edição no levantamento dos outros atores. Leri Faria – embora vez ou outra, solto demais, se coloque acima de sua criação – consegue sustentar fôlego e intenção. Apresenta-se à vontade até para sair do texto (aonde parece não haver espaço para isso). Está bem na função de ponto e contraponto, de elemento perturbado e perturbador na história. Transita com habilidade pelos sentidos controversos do escritor em culpa. Aproveita-se de sintonia com a boa partner Ana Luiza Amparado (destaque feminino do espetáculo). Paula Albuquerque e Flávia Fidellys se firmam com coerência e sabem somar. Isac Ribeiro é grata surpresa. O jovem ator, com a palavra ou sem ela, tem verve e habilidade de quem tem experiência.

No palco, Don Juan no espelho é bom livro. Daqueles que se guarda com carinho. Dramaturgicamente, sua duplicidade côncava e convexa levada à cena – ainda que bem menor que a escrita – prende o espectador por roteiro sem muitas sobras.


DON JUAN NO ESPELHO
Teatro Oi Futuro Klauss Vianna (Av. Afonso Pena, 4.001 – Mangabeiras, 3229-4316). De sexta a sábado, às 21h; domingo, às 19h. Ingressos: R$ 30 (inteira), R$ 15 (meia-entrada) e R$ 10,00 (postos da campanha).

Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 26/2/10

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