Na salinha triste só a mãe para homenagear o soldado Menor. No caixão vagabundo de tamanho miúdo mal cabia um adulto. O filho da dona Luzia, depois de seis meses de bons serviços prestados ao batalhão de chinelas, agora, submerso em flores comuns, descansava em paz. Pai o Menor nem conheceu. Na família, referência, até havia um tal Washington, irmão mais velho, sumido no mundo. Mas desse nem a mãe para saber mais o rosto. As irmãs pequenas, duas, estavam em casa de parente distante, em comunidade vizinha.
Menor, agora, de algodão nas narinas, até parecia sorrir. Dona Luzia, forte, não deixou rolar lágrima. Olhos secos, já tanta água derramada. Fazer o quê? Sentada ao lado do caixote barato, carinhava os cabelos curtos do corpo revirado pelo IML. Repetia baixinho: “A mãe tá aqui. A mãe veio, meu filho”. Na cabeça de dona Luzia, como num filme sem cor, as lembranças do moleque esperto, que sonhou ser bombeiro. Menor, pequeninho, só falava em combater fogo e salvar afogados. Quem sabe pelo primeiro brinquedo que ganhou na vida: carro vermelho da corporação do bem, com escadinha branca e tudo. Presente de mulher da igreja que, uma vez por ano, aparecia no morro.
Dona Luzia relembrou Menor, correndo, puxando o carrinho de plástico, amarrado num barbante, pelos becos estreitos do lugar. Época de satisfação com o rebento, que aprendeu a ler e escrever antes dos amiguinhos da mesma idade, naquela região. O pirralho também era bom de matemática e sabia a tabuada de cor. “Esse menino ainda vai ser alguém na vida”, dizia orgulhosa, para quem quisesse ouvir e saber. A cozinheira no asfalto, de poucos amigos, já sentia falta dos passeios com o filho. Nos últimos tempos, Menor não parava em casa. Andava ocupado demais com seu exército de calças curtas.
O pequeno Menor não era bom apenas com a tabuada. Revelou-se também grande talento para as armas. Capaz de esfrangalhar alvos a quilômetro, destacou-se em seu batalhão como o melhor atirador do agrupamento. Soldado tão eficiente, não demorou para que assumisse a guarda de comandante e de gente graúda. Mas disso Dona Luzia não sabia. Apenas desconfiava, já que o dinheiro começou a aparecer em casa como por força de milagre. “É trampo bom, coisa de responsabilidade, mãe”, justificava o soldado.
Fim de velório. Dois homens velhos, desdentados, funcionários do cemitério municipal, chegam para fechar o caixão. É hora de adeus. Só a mãe a seguir o carrinho barulhento, enferrujado. Ao descer de Menor – corpo seco de 16 anos incompletos – túmulo abaixo, tiros cortam o céu. Para Dona Luzia, talvez, salva em honra ao soldado morto. Para as redes de notícias, apenas mais uma troca de tiros no Complexo do Alemão.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 29/11/10
Menor, agora, de algodão nas narinas, até parecia sorrir. Dona Luzia, forte, não deixou rolar lágrima. Olhos secos, já tanta água derramada. Fazer o quê? Sentada ao lado do caixote barato, carinhava os cabelos curtos do corpo revirado pelo IML. Repetia baixinho: “A mãe tá aqui. A mãe veio, meu filho”. Na cabeça de dona Luzia, como num filme sem cor, as lembranças do moleque esperto, que sonhou ser bombeiro. Menor, pequeninho, só falava em combater fogo e salvar afogados. Quem sabe pelo primeiro brinquedo que ganhou na vida: carro vermelho da corporação do bem, com escadinha branca e tudo. Presente de mulher da igreja que, uma vez por ano, aparecia no morro.
Dona Luzia relembrou Menor, correndo, puxando o carrinho de plástico, amarrado num barbante, pelos becos estreitos do lugar. Época de satisfação com o rebento, que aprendeu a ler e escrever antes dos amiguinhos da mesma idade, naquela região. O pirralho também era bom de matemática e sabia a tabuada de cor. “Esse menino ainda vai ser alguém na vida”, dizia orgulhosa, para quem quisesse ouvir e saber. A cozinheira no asfalto, de poucos amigos, já sentia falta dos passeios com o filho. Nos últimos tempos, Menor não parava em casa. Andava ocupado demais com seu exército de calças curtas.
O pequeno Menor não era bom apenas com a tabuada. Revelou-se também grande talento para as armas. Capaz de esfrangalhar alvos a quilômetro, destacou-se em seu batalhão como o melhor atirador do agrupamento. Soldado tão eficiente, não demorou para que assumisse a guarda de comandante e de gente graúda. Mas disso Dona Luzia não sabia. Apenas desconfiava, já que o dinheiro começou a aparecer em casa como por força de milagre. “É trampo bom, coisa de responsabilidade, mãe”, justificava o soldado.
Fim de velório. Dois homens velhos, desdentados, funcionários do cemitério municipal, chegam para fechar o caixão. É hora de adeus. Só a mãe a seguir o carrinho barulhento, enferrujado. Ao descer de Menor – corpo seco de 16 anos incompletos – túmulo abaixo, tiros cortam o céu. Para Dona Luzia, talvez, salva em honra ao soldado morto. Para as redes de notícias, apenas mais uma troca de tiros no Complexo do Alemão.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 29/11/10
Foto: Evandro Teixeira
Um comentário:
lindo texto!!!! Chorei!
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