Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 20 de novembro de 2010

A vida num sopro

Lilian Lemmertz – sem rede de proteção é a mais recente biografia lançada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Até o fim deste ano somam-se 300 os títulos da Coleção Aplauso, que, desde 2004, vem contribuindo com importante registro histórico de parte da cultura nacional. Escritores, críticos e jornalistas de várias regiões do Brasil, com experiência na cobertura das artes cênicas e audiovisuais, assinam as publicações. Para contar a história da atriz Lílian Lemmertz (1938-1986) o escolhido foi o pernambucano Cleodon Coelho, que, ao lado de Mauro Ferreira, já havia escrito Nossa Senhora das Oito, em homenagem à novelista Janete Clair.

Em edição especial, com 292 páginas e bom preço (R$ 30), Lilian Lemmertz – sem rede de proteção apresenta com riqueza de fatos e fotos a carreira construída de uma das atrizes mais completas que a cena brasileira conheceu. Das aulinhas de dança no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, ao sucesso estrondoso da novela Baila comigo, pela TV Globo, no início dos anos 1980, ao lado de Fernando Torres, no papel da mãe dos gêmeos interpretados por Tony Ramos. Embora a televisão e o cinema a tenham projetado para todo o Brasil e também para o exterior, foi o teatro a revelar a atriz. E não foi em pecinha qualquer, dessas que se veem aos montes. Lilian Lemmertz subiu aos palcos como intérprete pela primeira vez como Laura Wingfield, em À margem da vida, de Tennessee Williams, dirigida por Antonio Abujamra.

A biografia assinada por Cleodon Coelho mostra que o teatro, então, arrebatou a jovem modelo, musa do chapeleiro Rui Spohr – hoje, famoso costureiro do Rio Grande do Sul. Lilian trocou as passarelas pelos palcos e sets da TV Piratini – onde participou de novelas ao vivo – e não demorou para conquistar São Paulo, convidada pelo casal Walmor Chagas e Cacilda Becker. Quando se mudou para a capital paulista, Lilian já estava casada com o ator Linneu Dias, com quem teve a pequena Júlia Lemmertz. Sobre a estreia da atriz em Onde canta o sabiá, Cleodon registra:

“No dia 24 de outubro de 1963, exatamente um mês após sua chegada, Lilian e Linneu estreavam nos palcos da Paulicéia desvairada. O trabalho era pesado: as peças ficavam em cartaz de terça a domingo, com sessões seguidas aos sábados e, ainda, vesperais. Aquela região do Bexiga era uma espécie de Broadway de São Paulo, tamanha a quantidade de teatros espalhados por suas ruas. Apesar da pouca grana, os artistas vibravam por participar de um momento tão efervescente da cena local”.

O autor de Lilian Lemmertz – sem rede de proteção revela o ritmo alucinado de trabalho da atriz, que emendava um trabalho no outro. Conta ainda que, muito exigente com o que suas peças tinham a dizer, viveu momentos de grande insatisfação com realizações menores. Num depoimento registrado na biografia, Lilian questiona: “Toda vez que eu mudava de produção, o salário dobrava. Mas artisticamente o nível baixava. A cada novo trabalho, tinha menos a fazer. Só desfilava no palco. Teatro é isso?”.

A volta por cima veio com Quem tem medo de Virginia Woolf?, de Edward Albee, com direção e produção de Maurice Vaneau, em 1965. Na peça, Lilian reencontrou o bom teatro ao lado de Cacilda, Walmor e Fulvio Stefanini. O espetáculo teve grande repercussão junto ao público e à crítica de São Paulo e do Rio de Janeiro. Cleodon em Lilian Lemmertz – sem rede de proteção reúne farto registro em recortes de matérias e resenhas que comentam o êxito da montagem.

Cinema e vida

A passagem de Lilian pelo cinema ganhou capítulo: “E era tão linda de se admirar” encabeça 20 páginas de textos e fotos do feliz encontro da atriz com o cineasta Walter Hugo Khouri. Tudo começou em O corpo ardente, de 1966, mas bem que poderia ter sido antes, em Noite vazia, quando Lilian recusou o convite do diretor para protagonizar a trama. “Li o script. Sei que muita gente não acredita, mas achei o papel grande demais pra mim. Para quem nunca fez cinema, era muita responsabilidade. Disse a ele: ‘Me desculpe. Preciso me acostumar com a ideia. Outra vez, quem sabe? Ele achou que eu era uma louca”, revelou a atriz à imprensa, anos depois. Lilian esteve em mais de duas dezenas de filmes. Seu último trabalho na telona foi em Patriamada, em 1984, de Tizuka Yamazaki.

Na biografia de Lilian Lemmertz, estão no fim os trechos mais emocionantes alinhavados por Cleodon Coelho. Menina ainda, aos 48 anos, ida num sopro, vítima de infarto, a atriz partiu em dia de Copa do Mundo. Foi em 5 de junho de 1986, entre dois jogos da seleção de Telê Santana. “Os bons serviços prestados no teatro, no cinema e na TV fizeram de Lilian um dos maiores nomes de sua geração. Como lembra Antonio Abujamra, o homem que a lançou no ofício de representar, ela se jogava sem rede de proteção. E como foram belos os saltos. De Tennessee Williams a William Shakespeare, de Edward Albee a Ivani Ribeiro, de Walter Hugo Khouri a Manoel Carlos”, escreve Cleodon.

Entre as mais tocantes homenagens impressas à atriz, o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu publicou em O Estado de S. Paulo: “Agora, no fim da noite de domingo, longe do colo morno do amor, a morte visita o apartamento e fico pensando em como recuperar minha imortalidade após este próximo ponto final, preciso dela, amanhã de manhã. Quando o mundo continuará igual. Só que sem Lilian. E, portanto, um pouco mais feio, um pouco mais sujo. Mais incompreensível, e menos nobre”.


Lilian Lemmertz – sem rede de proteção
De Cleodon Coelho. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 292 páginas. R$ 30


Pensar - Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho

Um comentário:

Caca disse...

Olá, Jefferson! Ela, junto com a Dina Sfat, acho que foram duas atrizes cuja presença de palco ou tela não me saem mais da memória. Verdadeiras divas. Vou procurar este livro para mim. Abraços e obrigado pela ótima resenha. paz e bem.