Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Antes que o amanhã aconteça (8)

Por tudo que Ariela contou sobre a mãe, Dorinha foi arrebatada ainda mais pelo passado da ninfa. Sentiu-se no dever e na obrigação de retribuir na mesma moeda da sinceridade:


– Estou de cara com você, menina. E eu achando que fui a única a ter problemas sérios com a família... Sua história é tão dura e, talvez, até pior que a minha. Nem sei.

– Sua mãe também é assim, da pá virada?

– Mais ou menos. O caso dela é outro. Foi com a bebida. Matou o meu pai de desgosto. Lembro-me, em diversas ocasiões, de vê-lo sair para buscá-la nos bares da minha cidade, no interior. Ela tomava todas, até cair. Todos os dias. Bebia, fumava feito chaminé e vivia entre gente que não prestava. Aquilo foi matando meu pai aos poucos. Um dia, ele simplesmente não amanheceu.

– Como assim?

– Morreu dormindo.

– Sinto muito.

– Eu tinha acabado de fazer 15 anos. Foi na semana do meu aniversário. No velório dele, na sala da minha casa, minha mãe, bêbada, aprontou o maior escândalo. Meu avô, pai do meu pai, a expulsou de casa e mandou que ela sumisse da cidade. Aí, ela sumiu. A gente nunca mais teve notícia. Uns dizem que ela morreu. Outros, que ela, envergonhada, saiu do país para trabalhar com uma prima nos Estados Unidos.

– E você e seus irmãos?

– A gente foi criado na fazenda desse meu avô.

– Eu não me lembro muito dos meus avós. Por partede mãe, que eu saiba, eu só tive vó. Os outros morreram quando eu ainda era criancinha.

– Minha avó morreu no ano passado e o meu avô tem andado sem saúde.

– Entendo. O meu pai também, pelo que me disseram na delegacia, não anda muito bem. Parou até de pescar com os amigos. Ontem à noite, tentei saber o que estava acontecendo, mas ele desconversou.

– Você dormiu aqui no JK, na casa dele?

– Dormi. Cheguei já era quase meia-noite. Ele me recebeu bem. A gente pediu pizza, conversamos até. Ele quis que eu ficasse e agora, pela manhã, estava irreconhecível. Eu estava fazendo café para ele quando começamos a discutir.

No retrocedor do tempo, na carona dos ponteiros que contam passos, voltamos as horas: meia noite. Ariela toca a campainha do apartamento do pai.

(Continua na próxima segunda-feira)

Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 01/11/10

Um comentário:

Caca disse...

Ontem não pude acompanhar e me lembrei de mais um capítulo. Ainda bem, não gosto de perder um capítulo sequer desta ótima história, Jefferson. Abração. paz e bem.