Desde que dona Zilá, aos 63 anos, adoeceu de tristeza, a vida do caçula Ronaldo, pintor de paredes em Nova York, virou do avesso. Tudo por causa do irmão mais velho, Autércio, que de polícia decidiu virar bandido. Família pequena – apenas a mãe e os dois filhos –, havia uma nuvem negra, carregada, a cobrir as circunstâncias. Ronaldo estava a mês de completar um ano nos EUA, quando veio a notícia por e-mail:
"Tem dois dias que estou tentando falar com você. Deixei até recado na casa de um tal Sued. Preferia contar por telefone, mas vai ter que ser pelo computador mesmo. É que seu irmão foi preso. Nunca vi tanto carro da polícia na sua casa. Verinha e eu fomos até lá para falar com a sua mãe e saber o que estava acontecendo. Dona Zilá chorava muito e só queria falar com você. Pediu que eu entrasse em contato com você de qualquer jeito. Ela não estava se sentindo bem, acabou desmaiando e a gente levou ela na UPA. Eles encaminharam ela para o Hospital Risoleta Neves. É melhor você voltar o mais rápido possível. Pedro".
A mensagem enviada pelo vizinho, amigo de infância, despontou como dor de dentes em Ronaldo. O dinheirinho que ele havia juntado até ali mal dava para pagar as dívidas deixadas no Brasil. Mas, bom moço, não pensou duas vezes e reuniu bolada para pagar passagem de volta.
No aeroporto JFK, horas difíceis. Foi madrugada inteira de espera, mais 11 horas de voo, com escala em São Paulo, até descer em Confins. Pela Linha Verde, em interminável trajeto, alcançou o leito da mãe, vitimada por acidente vascular cerebral. Com dificuldades, a senhora sofrida reuniu forças para balbuciar:
– Graças a Deus...
– Tô aqui...
– Seu irmão... Levaram ele.
– Eu sei. Faz esforço não...
– Mas ele é da polícia, meu filho...
– Fique calma, mãe...
– Por quê?
Não demorou para Ronaldo ficar sabendo. Por meio de um primo distante, capitão correto, de bem, indignado com a situação: "Seu irmão mudou de lado. Resolveu virar bandido. Sinto muito". Mas Ronaldo não conseguia acreditar que o mais velho, destemido militar, fosse mesmo tudo o que estavam dizendo. Quis olhar fundo no olho de Autércio e perguntar à sua alma. No batalhão, frente a frente com o sujeito algemado, doeu-se em silêncio ao não reconhecer mais o irmão, agora, com os olhos da vergonha.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 28/2/11
"Tem dois dias que estou tentando falar com você. Deixei até recado na casa de um tal Sued. Preferia contar por telefone, mas vai ter que ser pelo computador mesmo. É que seu irmão foi preso. Nunca vi tanto carro da polícia na sua casa. Verinha e eu fomos até lá para falar com a sua mãe e saber o que estava acontecendo. Dona Zilá chorava muito e só queria falar com você. Pediu que eu entrasse em contato com você de qualquer jeito. Ela não estava se sentindo bem, acabou desmaiando e a gente levou ela na UPA. Eles encaminharam ela para o Hospital Risoleta Neves. É melhor você voltar o mais rápido possível. Pedro".
A mensagem enviada pelo vizinho, amigo de infância, despontou como dor de dentes em Ronaldo. O dinheirinho que ele havia juntado até ali mal dava para pagar as dívidas deixadas no Brasil. Mas, bom moço, não pensou duas vezes e reuniu bolada para pagar passagem de volta.
No aeroporto JFK, horas difíceis. Foi madrugada inteira de espera, mais 11 horas de voo, com escala em São Paulo, até descer em Confins. Pela Linha Verde, em interminável trajeto, alcançou o leito da mãe, vitimada por acidente vascular cerebral. Com dificuldades, a senhora sofrida reuniu forças para balbuciar:
– Graças a Deus...
– Tô aqui...
– Seu irmão... Levaram ele.
– Eu sei. Faz esforço não...
– Mas ele é da polícia, meu filho...
– Fique calma, mãe...
– Por quê?
Não demorou para Ronaldo ficar sabendo. Por meio de um primo distante, capitão correto, de bem, indignado com a situação: "Seu irmão mudou de lado. Resolveu virar bandido. Sinto muito". Mas Ronaldo não conseguia acreditar que o mais velho, destemido militar, fosse mesmo tudo o que estavam dizendo. Quis olhar fundo no olho de Autércio e perguntar à sua alma. No batalhão, frente a frente com o sujeito algemado, doeu-se em silêncio ao não reconhecer mais o irmão, agora, com os olhos da vergonha.
Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 28/2/11
Um comentário:
Tá se tornando tão comum esta debandada, não é Jefferson? Tenho parente na polícia e é cada coisa que fico sabendo de entristecer ainda mais minha já pequena crença na instituição. Abraços. Paz e bem.
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