Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Para reflexão

Texto de Marcello Castilho Avellar, publicado no jornal Estado de Minas em 5 de fevereiro, circula pela internet e promove debate entre artistas da cidade. Para quem ainda não teve acesso ao artigo...


Quem manda é o mercado


Por Marcello Castilho Avellar


O teatro produzido em Belo Horizonte vive todo ano uma curiosa contradição. Por um lado, tem o que provavelmente é o maior evento do gênero no país: a cada temporada, entre janeiro e fevereiro, a Campanha de Popularização do Teatro e da Dança leva às salas de espetáculos centenas de milhares de espectadores. Por outro lado, praticamente todos os produtores se queixam das casas vazias nos meses restantes. Para tentar compreender o problema, podemos apelar para uma palavra muito usada por boa parte dos produtores que realizam a campanha, reunidos no Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc): mercado. Como referência para o raciocínio, podemos tomar o segmento mais bem-sucedido da indústria do entretenimento, o cinema. Ou, mais especificamente, uma das empresas que transformaram a exibição cinematográfica no que é hoje, a americana Cinemark.

A Cinemark foi fundada em 1984. Em menos de 30 anos, tornou-se uma das três maiores redes de cinema do mundo (no Brasil, é a maior). Parte deste sucesso pode ser atribuída à percepção de que o público valorizaria cinemas com exibição de alta tecnologia, e ao investimento no setor. Outra parte, contudo, se deve às inovações que a empresa fez no que poderíamos chamar de tecnologia de programação – um conjunto de estratégias com o objetivo de oferecer ao espectador o máximo possível de opções, ou seja, de aumentar as chances de que ele encontre num cinema da empresa, a qualquer momento, uma opção de entretenimento. A programação da Cinemark é um inferno para os que fazem os roteiros culturais dos jornais, tal é a variedade de filmes e horários que seus cinemas oferecem. Mas, justiça seja feita, exatamente por isso, é muito eficiente em abrir possibilidades para que os espectadores assistam aos filmes apresentados. Uma análise de algumas das estratégias da Cinemark (hoje frequentemente empregadas por outros exibidores) nos mostra que elas constituem o exato oposto do que são suas análogas no mercado teatral. Vamos a alguns exemplos.

1) A mais elementar lei de mercado nos informa que os preços tendem a subir quando a procura pelos bens e serviços aumenta e a cair quando ela diminui. Os cinemas, há décadas, elevam os preços de seus ingressos nas férias. Fora delas, além de reduzir os preços, costumam estabelecer dias promocionais. Neste sentido, a Campanha de Popularização é uma verdadeira aberração: no exato momento em que o número de pessoas interessadas em assistir a espetáculos aumenta, reduzimos os preços. E depois ficamos nos perguntando por que não vão ao teatro no resto do ano: para que iriam, se sabem que verão os mesmos espetáculos, por preços mais baixos, em época com mais tempo de folga?

2) Da mesma maneira, como o público é maior nos fins de semana e feriados, os cinemas cobram, nestes dias, preços mais elevados. A maioria dos produtores teatrais ainda tem receio em fazer isso.

3) Se você for a um complexo da Cinemark, vai descobrir que os programadores tentam, a qualquer preço, impedir que haja dois filmes com horários iguais. O motivo é simples: não é bom que um filme concorra com outro. Com os horários diferentes, não preciso escolher entre um filme e outro, posso ver um depois de outro se quiser. Os teatros se canibalizam: como muitos espetáculos são apresentados no mesmo horário, um espectador a mais em um deles representa, necessariamente, um espectador a menos em outro.

4) Na mesma grade de horários, um espectador pode chegar a qualquer momento num complexo de salas de cinema que, com espera relativamente curta, terá algum filme para assistir. Corolário deste fato é que ninguém perde a viagem: se você se atrasar para uma sessão, logo depois haverá outra, ainda que de película diferente. O espectador de teatro, se decide em cima da hora ver um espetáculo, pensa duas vezes antes de sair de casa: pode chegar atrasado, ou encontrar a casa lotada, e não terá qualquer alternativa naquele momento. Por via das dúvidas, vai direto para o bar tomar uma cerveja. Produtores de teatro deveriam sentar e lotear o relógio: alguém começa espetáculo às 20h, outro às 20h15, e por aí vai.

5) De uma semana para outra, a Cinemark troca completamente todos os horários das sessões da maioria de seus filmes. A justificativa é simples. Se um espectador trabalha até as 21h, última sessão de determinada película, ele nunca poderá vê-la se o horário permanecer o mesmo. Mas, se na semana seguinte ela for exibida às 21h30, o sujeito pode se animar a pagar o ingresso. Da mesma maneira, matinês ou sessões noturnas nos fins de semana ajudam a mobilizar o público. Espetáculos, em compensação, ficam no mesmo horário dia após dia, semana após semana, mês após mês.

6) Quando chegou ao Brasil, primeira exibidora estrangeira no país, a Cinemark se preocupou com a possibilidade de ser rejeitada. Desde então, se esforça em campanhas que ajudem as pessoas a construir dela uma boa imagem. A promoção do Dia do Cinema Brasileiro ou sua participação no Festival Internacional do Cinema Infantil são bons exemplos de como conquista nossa simpatia. Os produtores de teatro acham que resolvem o problema apenas com preços populares dois meses por ano – mas o que mais fazem institucionalmente para acabar com a ideia de “vá ao teatro mas não me chame”?

São apenas alguns exemplos. O essencial é lembrar que, quando a Cinemark entrou em cena, as bilheterias estavam em decadência. As estratégias da empresa ajudaram a levantá-las. É possível que parte dos problemas dos produtores de teatro 10 meses por ano não tenha qualquer relação com estética, mas com a permanência de estratégias ultrapassadas de relacionamento com o público. O exemplo de experiências vitoriosas como a da Cinemark pode ajudar a superá-las.


Marcello Castilho Avellar - Pensar - Estado de Minas - 5/2/11

Um comentário:

Caca disse...

Meu sonho era um dia não ter que pensar as coisas (especialmente em termos de entretenimento e prazer do espírito) nos moldes de mercado. Mas como parece que não há luz no fim do túnel fora dessa perspectiva, acho que os produtores de teatro realmente poderiam dar uma guinada em suas estratégias. Abraços, Jefferson! Paz e bem.