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segunda-feira, 5 de abril de 2010

Deu no teatrojornal.com

Site de conteúdo e credibilidade, o www.teatrojornal.com, publicou:


"Fit-BH: Palco e Rua da Amargura

Por Valmir Santos

Durante duas semanas, até quarta-feira 31, a população e a comunidade artista de Belo Horizonte foram espectadores da insensibilidade do poder público em relação à arte e à cultura. A prefeitura (coligação PT-PSDB), por meio da Fundação Municipal de Cultura (FMC), súbito, adiou de 2010 para 2011 a 10ª edição do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua (5 a 15 de agosto), mas depois recuou da decisão.


Óbvio, a repercussão negativa para além das alterosas conectou o fio terra à administração, para não dizer da demissão de dois membros da curadoria, Eid Ribeiro e Richard Santana, o que horas depois contribuiu para a presidente da FMC, Thaís Pimentel, finalmente recapitular diante da gravidade; e para não dizer ainda do edital aberto no início do ano às produções locais que intentam fazer parte da programação do festival e realizaram sessões para a comissão julgadora, “45 espetáculos apresentados entre fevereiro e março, 3 sessões cada [um], com investimento próprio”, como anotou neste blog o produtor Rodrigo Fidelis, que conheci trabalhando no Galpão Cine Horto tempos atrás.


Na cidade dos grupos Giramundo, Galpão, Corpo, Primeiro Ato, Zap 18, Luna Lunera, Oficina Multimédia, Companhia Clara, Espanca!, a presidente da fundação – instituição equivalente e substituta da Secretaria Municipal de Cultura desde 2005 – se diz recolher à “humildade” de não ter percebido a importância do evento, como relata Miguel Anunciação. Pimentel não habitou o planeta cultura de Belo Horizonte nos últimos anos, intuímos.


Uma das funções da FMC é “planejar, coordenar”, como consta em seu estatuto. A alegação de que convém realizar o festival em ano ímpar e não par – coincidente com Copa do Mundo, Olimpíadas, eleições e afins – é pertinente, louvável até, inclusive pela maior disputa por orçamento – aliás, quinhão da cultura que teria aumentado de R$ 6,2 milhões em 2009 para R$ 7,5 milhões em 2010, relatam Julia Guimarães e Fabiano Chaves em reportagem de título inspirado: Cultura a passos de formiga. Mas abortar a organização do festival a cinco meses do parto é bagunçar o coreto de maneira inconsequente.


O FIT-BH distingue-se no cenário dos festivais do Brasil justamente pela sua condição bienal, um luxo para que sua coordenação e curadoria não venham com desculpas protocolares em relação ao perfil de espetáculos e ao que pretendem transmitir naquela edição em termos de qualidade e diversidade. Conhecemos as dificuldades tradicionais de dar liga a um evento organizado e dependente basicamente da iniciativa pública. Mais um trunfo do FIT-BH: um festival público que tem compromisso idem, como prova a multidão que atrai para os cortejos e apresentações de abertura na região central. Um festival preocupado com o acesso do cidadão, com o preço do ingresso, parâmetro também levado em conta pelas prefeituras de Porto Alegre e São José do Rio Preto, protagonistas diretas nas realizações dos seus principais encontros internacionais de artes cênicas, cativos no calendário das respectivas cidades.


Outra alegação lançada por Pimentel em 18 de março soa ainda mais nebulosa: a curadoria não teria conseguido detectar espetáculos internacionais de qualidade. Ou seja, o problema é do teatro do mundo e não dos que estão no palco & rua da aldeia. Espio o twitter do Porto Alegre em Cena e lá estão antecipadas algumas atrações deste ano (8 a 26 de setembro), Bob Wilson na direção de dois solos de Beckett, Dias felizes e ele próprio em cena com A última gravação de Krapp, espetáculo ao qual assisti aqui no Festival Iberoamericano de Teatro Bogotá; um Dostoiévski pelo encenador lituano Eimunthas Nekrosius, O idiota; e a dança butô dos japoneses do grupo Sankai Juku.


Por fim, mas não por último, o pacto de origem do Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte – em 1993, rumo à primeira edição em 1994 – é o que torna sua história tão original: a fusão de propostas pela direção do Teatro Francisco Nunes, que cuidava da curadoria de palco, e Grupo Galpão, encarregado da rua, ambos com apoio da extinta Secretaria Municipal da Cultura. Esse ideal durou pouco, desdobrou em rupturas, a comunidade dos artistas de teatro como que carrega cisões até hoje. Isso pode ter baixado a guarda para episódios tão deprimentes como o protagonizado agora pela FMC. E, paradoxo, os mesmos artistas cujo barulho em coro foi decisivo para que a próxima edição de agosto não sucumbisse. Carlos Rocha, também personagem das memórias do Teatro Francisco Nunes, mantém-se na coordenação enquanto costura com Pimentel a composição da curadoria fraturada. Resta torcer para que as sequelas não sejam tão graves daqui por diante. Porque, das cicatrizes de ontem e de hoje do FIT-BH, essas parece que não fecham tão cedo".

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