Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 19 de dezembro de 2009

Incômodo necessário

Poema do concreto armado, da Trupe de Teatro e Pesquisa, é perturbador. O espetáculo, dirigido por Yuri Simon, consegue provocar pelo todo. Há na peça bom alinhamento de texto e encenação. O que se vê em palco-passarela é trabalho de vertigem. O texto de Rodrigo Robleño, palhaço profissional, fala, entre tantas outras coisas, sobre a desumanização do homem-consumido(r). Não é fácil receber seu desabafo. Talvez porque as verdades contidas nas entrelinhas incomodem. Ou, ainda, porque seja por demais provocador perceber-se em subtextos como: “Veja aonde você quer chegar, idiota”. Comumente, sabemos todos, o homem vira as costas para recados assim. Afinal, é mais fácil se afundar na ignorância do que se erguer no vazio.

Não é de espantar que parte da plateia perceba Poema do concreto armado apenas trabalho alternativo, meio teatro, meio videoinstalação, defendido por boa trupe. De fato, é o que encontramos na superfície. No entanto, apesar do incômodo provocado por isso, vale dobrar-se em si mesmo, em busca do eu profundo, para enxergar de fora para dentro. Pensar já não se faz necessário no mundo pasteurizado em que vivemos. Quem questiona o sistema – se incorruptível – é silenciado com a morte. Yuri Simon consegue levar isso ao seu lugar qualquer sujo e caótico.

Tecnicamente, para êxito plural e absurdo da montagem, além do espaço apropriado em Santa Tereza, a direção reuniu estrutura multimídia eficiente, com monitores e projetor de vídeo. Achatados e fragmentados na parede, ou aprisionados em tubos (ao vivo ou gravados), as personagens de Poema do concreto armado se instalam e se expõem. A trilha, com sons, músicas, ruídos e offs, ajuda na construção de clima e atmosfera. Assim como o cenário, os objetos de cena e os figurinos são bastante adequados à poesia de Robleño. Se os excessos na roupagem são positivos em Poema do concreto armado, os de interpretação enfraquecem algumas criações.

Com tanta balbúrdia consistente na proposta, faz-se desnecessário, por exemplo, os olhos estatelados de Alice Corrêa, no papel de Male. Atriz de notável potencial e recurso, sua composição se apresenta por vezes externa. Simone Caldas, crível como Arthul, no papel de Fâny, erra a mão. Convincentes, ainda que em limite perigoso, estão os bons Jader Corrêa e Flávia Fernandes. Justos, por timing preciso e composição acertada, vê-se Alexandre Toledo e Edu Costa. Alexandre é ator visceral, que consegue dar cor ao silêncio. Já Edu, desdobrado, não força a barra numa vírgula. Representa com competência a sorte que ampara o herói morto.

Poema do concreto armado tinha tudo para ser apenas mais um furor criativo de trupe apaixonada por arte cênica e pesquisa. No entanto, oportuno e pertinente, coloca o dedo na ferida do que estamos fazendo de nós.

Poema do concreto armado
Hoje e amanhã, às 20h, no Ideal Clube, Rua Estrela do Sul, 169, Santa Tereza. Ingressos limitados (50 lugares): R$ 24 (inteira) e R$ 12 (meia-entrada). Informações: (31) 9123-1160.


Estado de Minas - Jefferson da Fonseca Coutinho - 19/12/09
Foto: João Silver

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