Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 29 de agosto de 2009

Uma rua chamada solidão (19)

"Contou tudo sobre os últimos dias de vida da fulana. Disse que eram amigas, quase irmãs, e que amar o mesmo homem foi o único pecado que cometeram. Falou das joias e do dinheiro"



Na delegacia, nova testemunha estava pronta a esclarecer o caso. Sininha, a puta foragida, ex-ocupante do quarto de Maria, sabia de muitas coisas. Depois de ter sido surrada e ameaçada de morte pelo bandido amante, no Bairro Nacional, decidiu não guardar mais segredo. Por mais de duas horas, contou tudo sobre os últimos dias de vida da fulana. Disse que eram amigas, quase irmãs, e que amar o mesmo homem foi o único pecado que cometeram. Falou das joias e do dinheiro. O assassino era a única certeza que Sininha não tinha. Não precisava. Na soma dos fatos, Carvalini fechou o quebra-cabeças.


Já era noite. Dorinha cantava na praça de alimentação de shopping da cidade. Show acústico de voz e violão. O olhar comprido da cantora passeava pelo espaço na esperança de ver João. Nada. O moço evangélico, em busca de Maria, estava ocupado demais, de porta em porta nos puteiros da Rua Guaicurus. O filho de terras do Espírito Santo, incansável, com a ajuda de Lilico, percorreu todos os corredores e becos escuros do lugar. Nem sinal da ex-namorada, grande amor em tempos passados. João, ao descer escadaria, chegou a esbarrar em Carvalini na contramão. O policial também queria rever Maria, que, de porta fechada, por R$ 20 fazia feliz garoto de identidade adulterada.


Carvalini furou a fila e espantou o bolinho à espera da bela puta. Ao sair do quarto e dar de cara com o homem de olhar da lei, o moleque desmamado teve as pernas ainda mais bambeadas. “Some, garoto!”, mandou o detetive, mostrando a pistola automática enfiada na cintura. Pela primeira vez Maria sentiu vergonha do ofício, ao ver o sujeito da jaqueta de couro, constrangido, em sua porta. “Posso entrar?”, perguntou. “Claro”, ela disse.


Os dois não pronunciaram palavra por minuto naquele quarto de mentira. Foi Carvalini quem quebrou o silêncio: “Vim convidar você para jantar”. Maria não pensou muito para responder: “Humhum”. Pediu tempo para banho e avisou a amiga Claudete que não voltaria com ela para o São Gabriel. Escadas vencidas, o casal ganhou a rua da solidão e, no carro preto do policial, seguiu para restaurante na Praça Duque de Caxias, em Santa Teresa.


Já passava das 22h, quando João se deu por vencido: “Não devia ter vindo”, disse ao amigo taxista. “Garoto, vou te dar um conselho. E aproveite porque é de graça: toque a sua vida. O que tiver que ser, será”, disse Lilico, enquanto dirigia até o Edifício JK. João pagou pela corrida e ainda deu boa gorjeta pela dedicação do descolado gigolô. Subiu para esperar por Dorinha, dona da quitinete. Cuidou do schnauzer Raul e ouviu a cantora chegar. “Desculpa por não ter conseguido ir ver você cantar”, pediu. “Não faz mal. Eu entendo. Você deve estar com fome. Vou preparar alguma coisa pra você”, ofereceu, generosa.


Lancharam mudos, sob o olhar carinhoso do cão.


(No próximo sábado, o último capítulo)


Vida Bandida - Jefferson da Fonseca Coutinho - 29 de agosto de 2009

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