Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 22 de agosto de 2009

Uma rua chamada solidão (18)

"A primeira a descer foi Maria, esquálida. Embora não estivesse se sentindo muito bem, foi convencida a participar da cerimônia e de passeata, em manifestação de protesto contra a violência".





No velório de fulana, a tia revelou: “Tinha um outro moço no trabalho que não deixava ela em paz”. Carvalini começava a juntar as peças do quebra-cabeça que envolvia a mulher da vida, assassinada na Rua Guaicurus. Drama de despedida vazia, o policial deixou a senhora ao lado do caixão com a sobrinha. Quis tomar o ar da manhã acinzentada, que cobria o parque de ossos. Andou lento entre túmulos do Saudade. Debaixo de copa frondosa, viu quando o ônibus fretado por Bigode estacionou abarrotado de putas tristes.


A primeira a descer foi Maria, esquálida. Embora não estivesse se sentindo muito bem, foi convencida a participar da cerimônia e de passeata, em manifestação de protesto contra a violência. Cerca de 60 profissionais do sexo, operárias da rua da solidão, juntaram as mãos em reza pela colega de pouca sorte. Repórteres dos grandes jornais estavam lá. O caso repercutiu: “Tia reconhece corpo de puta morta”, manchetou o tabloide. Carvalini sorriu ao ver Maria. “Senti saudades”, pensou dizer. Não disse. Emudeceu-se diante da filha sofrida da Zona da Mata. Gentil, arrancou suspiro da menina carente: “Você”. Contudo, a moça se conteve. Talvez pelo coração ainda ocupado pelo jovem evangélico, do Espírito Santo.


Na Guaicurus, João percorria os hotéis de indecências da rua. Em vão. Conversou com algumas garotas, porteiros, auxiliares, entre outros tantos trabalhadores que povoam o lugar. Do velório o capixaba soube logo cedo, quando tomou o táxi de Lilico, na porta do JK. Mas quis passar no Centro primeiro, na esperança de reencontrar a amada. “Segue para o Saudade”, pediu ao amigo taxista. Eles cruzaram o portão depois das 11h30. Tarde demais. Corpo entre flores a sete palmos, a passeata já voltava pela Andradas. O coveiro do rosto de paz quis ajudar: “Uma lourona falou que o povo ia a pé até a rodoviária”.


Maria não seguiu com o grupo. Por fraqueza, tombou quando o caixão desceu à sepultura. Na companhia de Claudete, foi levada por Carvalini para unidade de pronto atendimento. No celular do detetive, chamado às pressas: “Preciso de você, garoto. Agora!”, convocou Bueiros. Maria ainda ficou em observação, assistida pela amiga carioca. Demorou para que as duas deixassem o ambulatório. Passaram em self-service barato e desceram de ônibus para o trabalho. Na Praça Rio Branco, findava a manifestação.


O Bigode pareceu preocupado: “Pensei que você fosse bater as chinelas, minha filha”, disse logo quando viu Maria vencer a escada. “É porque ela não come. Eu falo, mas não adianta”, afirmou a coroa do quadril surrado, quase mãe. Maria conversou que estava bem e foi para o quarto se desvestir para, enfim, receber a clientela. Tardinha de movimento, homens aos montes congestionavam os corredores.


Na delegacia, nova testemunha estava pronta a esclarecer o caso e encerrar a novela.

(No próximo sábado, o penúltimo capítulo)


Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 22 de agosto de 2009

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