Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

sábado, 1 de agosto de 2009

Uma rua chamada solidão (15)

"João percebeu ambiente retocado com requinte para o jantar. Impossível não notar as velas coloridas, iluminando talheres finos e guardanapos de luxo sobre a mesa posta para dois"



João e Lilico esquadrinhavam os hotéis baratos da Guaicurus. Os relógios beiravam meia-noite. Final de expediente na rua da solidão. Lilico já estava acostumado, mas o moço do Espírito Santo, de terninho feito no corpo, ficou bastante impressionado com os predinhos do lugar. Especialmente com os corredores abarrotados de homens sós. Escadarias engarrafadas e muitas portas fechadas escondiam indecências. Os porteiros não puderam ajudar: "Maria? Difícil, amigo. Aqui todas são marias", respondeu um deles, negro forte, com quase dois metros de altura e bigodinho desenhado na navalha. "Amanhã eu volto lá", disse João ao taxista Lilico, já diante do Edifício JK. Pagou pela corrida e guardou o cartão com o telefone da nova amizade, gigolô e motorista.

No apartamento de Dorinha, a noite parecia haver descido pelo ralo. Ainda assim ela abriu a porta e sorriu tímida para seu hóspede capixaba. João percebeu ambiente retocado com requinte para o jantar. Impossível não notar as velas coloridas, iluminando talheres finos e guardanapos de luxo sobre a mesa posta para dois. A musiquinha suave ajudava a deixar no passado os aborrecimentos com o ex-companheiro invasor. "Com fome?", perguntou a anfitriã caprichosa. Com o estômago nas costas, João apenas balançou a cabeça dizendo que sim. "Enquanto você toma banho, eu preparo alguma coisa pra gente comer. Aqui, sua toalha", disse retomando a graça, a caminho da cozinha.

No São Gabriel, as duas putas e o pequeno Julim dormiam em paz. Quem não conseguia pregar o olho era o detetive Carvalini, com os pensamentos em nó por Maria. Rodou a cidade e foi parar no IML para trocar ideia com Ludovico, velho amigo de plantão.

– Carvalini! Hoje não tem carteado. O Geraldo tá de licença, esqueceu?
– Não vim jogar, parceiro. Queria trocar umas ideias com você. (pausa) Muito trabalho?
– Não, hoje tá tranquilo. Acabaram de levar o corpo da dona.
– Que dona?
– A prostituta, morta na Guaicurus. O Bueiros liberou.
– Quem levou?
– Uma tia. O pessoal da funerária do Yuri saiu daqui não tem 10 minutos.
– Vou passar lá. (pausa) É… Escuta, Ludovico… Você é sujeito vivido, já viu muita coisa… você acha que uma garota dessas, de programa… poderia mudar de vida?
– Todo mundo pode mudar de vida, Carvalini… mas por que você tá perguntando isso?
– Nada. Bobagem… é que o assassinato dessa garota mexeu um pouco comigo.

Carvalini não rendeu o assunto. Despediu-se do legista e seguiu para a funerária. Queria apurar onde fulana seria enterrada. Assassinos costumam frequentar velórios.

(Continua no próximo sábado)

Jefferson da Fonseca Coutinho - Vida Bandida - 1º de agosto de 2009

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