Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Uma rua chamada solidão (parte 1)



Guaicurus. A rua do amor de mentira. Onde, por R$ 80 reais de diária, desde o início do ano, Maria, 25 anos, aluga quarto para programas. Cobra R$ 20, sem beijo na boca. Já ganhou R$ 480 por 10 horas sem roupa. Diz-se mulher da vida por vingança, traída por marido bandido, em cidadezinha da Zona da Mata. Na época, doméstica, abraçou nova carreira com o patrão babão, louco por indecências. "Por dinheiro, topo!", disse baixinho ao velho tarado, semana depois de ter deixado a casa da sogra.

Foram 10 dias de saias levantadas, às escondidas da patroa. A mulher do branquela decrépito passava a maior parte do dia fora, fazendo caridade. Maria fez apenas o suficiente para pagar as dívidas e cair no mundo. Primeiro, batalhou ponto no Espírito Santo. Por quase dois anos, passou maus bocados na mão de dono de boate vagabunda. Viciada em drogas, endividou-se e foi jurada de morte por traficante barra-pesada. Amparada por cliente evangélico, filho de pastor, conseguiu dinheiro e foi trabalhar como voluntária em templo no Rio de Janeiro. Lá também encontrou gente do mal, que alugava pessoas.

Voltou para as ruas. Agora, em avenida famosa de Copacabana. Afastada de outros vícios, fez do sexo sua maior vocação. Mentia o amor em suspiros excitantes. Atriz amadora, fingia máscara das mais convincentes. Por fora, contentamento e êxtase. Por dentro, tédio em alma nua de desilusão. Com o corpo surrado e dinheirinho guardado, perdeu o encanto pelas belezas do Rio de Janeiro. Ainda mais quando viu colega morta por bala perdida. Foi em seus braços que, em ponto de ônibus, a garota nordestina, de 19 anos, derramou última lágrima. "Meu Deus! Por que?", chorou Maria.

Do cemitério pobre, parque em ossos, para a rodoviária. Com as malas prontas, enterrou a jovem amiga. Tomou ônibus rumo a Belo Horizonte para reencontrar conhecida carioca. Na mão, amarrotado, o endereço escrito em guardanapo de botequim fedorento, onde comiam prato feito no almoço. "158F. É aqui!", pensou alto, antes de bater palmas em ruazinha estreita do Bairro São Gabriel. "Não acredito!", sorriu a velha prostituta. "Entra, mulher, que eu já tô de saída". Tempo apenas para água no rosto e malas num canto do barracão. Desceram juntas para o Centro da cidade. Tomaram café forte e comeram pastel gorduroso.

Subiram as escadas encardidas do hotelzinho fuleiro e conversaram com o Bigode. Maria adiantou o pagamento do mês. Quartinho cor-de-rosa e de luz azul, com cama de alvenaria, água quente, privada e janela. Com vista para a Guaicurus, rua da solidão.

(Continua no próximo sábado)


Vida Bandida - 25 de abril de 2009 - Jefferson da Fonseca Coutinho - Arte: Alexandre Coelho

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