Jefferson da Fonseca - Mostra Tua Cara

domingo, 5 de abril de 2009

O amor em tempos de solidão


Até o nome é de mentira: Vitória. Idade? 19 ou 22. Cobra R$ 15 por gemido falso. Já fez por R$ 10; R$ 30 por “oral mais caprichado”. Diz fácil “eu te amo”, de brinde. Por estilo, no ápice. Para acelerar o programa. Conta repetir a cena de 20 a 30 vezes por dia. De 120 a 180 vezes por semana. Segunda-feira não trabalha. É dia de ir à Igreja São José. Anônima, reza por mais de hora. Sem culpa. Por agradecimento e glória. Pela vida de Vitória, que sustenta pais, irmãos e o filho de 3 anos, doente, deixados no Norte de Minas.

Há dois anos, quando desceu na rodoviária, sem parentes ou amigos em Belo Horizonte, carregava na bolsa apenas recorte classificado para vaga de vendedora em loja de departamento. Tímida demais, não passou na primeira seleção. Dispensada, com dinheiro para dois ou três dias em hotelzinho barato, vagou pelas ruas sujas do Centro. Foi quando, ao pedir prato feito em boteco fedorento, conheceu mulher loura escaldada pela Guaicurus. Ponto em comum: também veio de longe. Dizia-se Andréia. Não demorou muito para as duas se tornarem vizinhas de porta, em prediozinho encardido.

“No início foi difícil. Depois a gente acostuma. O primeiro foi um menino que parecia de menor. Acho que eu dei sorte. Ele tava mais assustado que eu. Tinha tomado banho de perfume. Aqui aparece de tudo. O que mais tem é menino querendo desmamar. Tem gente estranha também. Outro dia, veio um velho que disse que era aposentado da polícia e só queria companhia. Chegou cedo, de manhã. Perguntou quanto eu ganhava por dia e me deu R$ 20 a mais pra gente sair. Disse que eu parecia com uma neta dele. Nem tirou a roupa e a gente foi. Não quis nada. Não disse nome nem telefone. Me levou no shopping pra gente almoçar e tomar sorvete. Me deu um vestido e depois me deixou na porta do hotel”, sorri.

Na portaria do prédio, o segurança descolado tenta barrar os garotos de identidade adulterada. Lugar sinistro, de cheiro cítrico. Os corredores escuros parecem intermináveis. Labirinto de muitas portas. Dezenas fechadas. Dia intenso, de trabalho surrado. Vitória tem namorado. Dividem barraco no Barreiro. Ele sabe da vida da mulher. Segundo ela, não se importa. Está desempregado. Estão juntos há cinco meses. É ela quem banca tudo: comida, aluguel e ainda mantém a família no interior. Conheceram-se na Galeria do Ouvidor, durante as compras do Natal passado. Prazer ela disse nunca ter sentido, mas revela gostar de “cobertor de orelha” para espantar as noites tristes de solidão.

Vitória é moça simples, sem vaidade. Diferente das colegas que se exibem dançarinas em lingeries rendadas, de pé, sobre as camas de alvenaria. Com sinceridade, diz ter gostado de receber sem ter que abrir as pernas, apenas pela entrevista.

(Jefferson da Fonseca Coutinho – Vida Bandida – 17 de maio de 2008)

4 comentários:

Anônimo disse...

Belo texto!
Daria um curta!

Alguns céus se tornam "de brigadeiro" por tão pouco...

Bjs!
Adorei o Blog!

Lígia Clarine disse...

êta BH!

muito legal, ver historias que se pasam em Belo Horizonte.
este é o tipo de cronica, que nos faz olhar diferente para as mesmas coisas que vemos todos os dias!

Anônimo disse...

poderia ter uma cronica sobre os homens que dizem eu te amo fácil...

Anônimo disse...

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